... não resisti...
Sorry...
(Mas eu ri-me :D e enquanto nos rirmos há esperança!)
[Lawrence Durrell, in Quarteto de Alexandria - Balthazar]
“cheio de um alívio que era quase insuportável”
Há realmente sensações assim, momentos assim que nos fazem inteiros, que só se sentem se andarmos feitos de fragmentos há demasiado tempo. É de tal forma avassalador que só pode querer confirmar que é falso. Como se sentir um tal alívio, uma tal plenitude e satisfação, só confirmasse o quanto ainda se sofre terrivelmente daquilo que nos queremos livrar, esvaziar, acabar. Como apenas servisse de prova do seu contrário. Alívio devia traduzir um vazio onde antes algo nos ocupava e pesava, “cheio de alívio” não é um vazio que nos tranquilize, é um momento falso. Que às vezes tanto precisamos - como algumas mentiras - mas de que não restará nada.
Há prendas que chegam espontâneas, dias depois mas combinam com lareira e um copo de vinho. E vontade de pôr outras caras nas memórias do futuro. Há sonhos que apagamos com a vontade de outros dias. Com a certeza de que baixamos a fasquia e ainda assim estará sempre tão acima do que tivemos. já só queremos alguém que nos ame, e saber que um décimo do que demos já faria tanta felicidade a quem o quiser...
Há uns tempos alguém do trabalho me dizia para escrever uma carta a mim mesma, onde dissesse da esperança do futuro e dos medos do presente, que dissesse de mim e do que quero, ou pelo menos, do que sei não querer. Para escrever e fechar, só voltar a ler daqui a anos, e que quando o fizesse ia perceber o efeito do tempo e da vida, onde acertei e onde errei. Onde me enganei ou onde me enganaram o engano. Gostei da ideia. Vou escrever-me e guardar nos rascunhos para o meu dia de anos de aqui a dois anos. Deliciava-me saber como estou errada em quase tudo. É estranho quando torcemos pelo nosso próprio engano. Agora vou comer chocolate e apreciar o silêncio. E escrever-me.
José Tolentino de Mendonça
Talvez. A noite é o silêncio que melhor nos guarda, nos esconde e nos revela, mas agora procuro a madrugada, aquele fiozinho de tempo que separa a noite de um novo dia. Aquela luz que quebra a noite, que rompe o dia, que traz ainda a noite dentro, como uma memória que vai esmaecendo no espreguiçar do dia, no abrir dos olhos para fora.
E pergunto-me o que de mim restou que agora possa oferecer... se quando dei tudo o que nem sabia ter, não chegou, o que me restou chegará a alguém? E o curioso é que, agora, quando leio estas linhas do Bukowski, os sapatos onde me ponho, não são os de quem deu tudo a quem estava quebrado, mas quanto do que me quebraram poderá ter restado para dar a alguém. E isso, pode não parecer, mas é uma grande diferença. Para mim é uma enorme diferença, começar a calçar sapatos que querem mudar de tempo.
My thoughts, exactly.
Sem tirar, nem pôr. Sempre me regi pelo que aqui encontrei tão bem resumido. Não me faz sentido correr atrás, pedir, suplicar, dizer que não sou capaz de viver sem ele, de pôr entre a espada e a parede alguém que deseje que goste de mim, que me queira - porque se me quiser não será nunca preciso nada disso. E eu, gostando muito da pessoa, ou até demais, só a quero se me quiser, se me gostar, ou não será a pessoa certa para mim. Quem se humilha, ou precisa de alguma espécie de chantagem para obrigar, para forçar qualquer coisa que devia ser uma vontade natural, não sei como, depois, se conseguir o que quer, não duvida sempre se o resultado teria sido o mesmo caso não o tivesse feito - se não tivesse manipulado todos os factores que podia - se não duvida a todo o instante que o resultado não é fruto da vontade e do gostar de alguém, mas apenas de alguma inércia, facilidade, receios vários e alguma espécie de indiferença que cede a pressões. Eu duvidaria sempre, talvez também por isso, nunca fui capaz de o fazer.
Ontem não saímos de casa. Quando íamos para esticar as pernas, a chuva chegava triunfante como um encontro para o desencontro. Desistimos duas ou três vezes, nem mesmo a quatro patas parecia com muita vontade de apanhar com chuva no lombo em troca duma esticadela de pernas... a modos que trocou a chuva pelo meu colo e estivemos a ver séries, a ler, sempre com uma chávena de chá por perto, e até me deu vontades de doces e fui fazer uns queques (expresso, daqueles quase tudo pré-feito) com pepitas de chocolate... ontem foi assim. Hoje não pode ser, há que vencer a preguiça. Ontem lembrei-me que sempre tive por hábito ao fim de semana sair para pelo menos tomar um café com o nariz ao frio, ou fora de casa, vá. Hoje há que passar nos meus pais, esticar as pernas e as vistas, tomar um café quente encasacado, trabalhar um tico porque ontem apontei no tecto... e ouvir a chuva cair ao longo do dia, presente como uma memória teimosa que nos acompanha como uma sombra. Mas desta gostamos, sorrimos-lhe e até lançamos as mãos abertas ao céu, para sentirmos na pele a simplicidade dessa beleza... Que me traz de enxurrada as saudades dum bom beijo debaixo de chuva fria, da pele quente despida de frio. Mas hoje vamos arrumar a preguiça num canto sem deixarmos de viver devagar, e com tempo - ou sem, se calhar sem - o que nos faz levantar do sofá, mas não nos obriga.
Dezembro, o meu mês. Um mês do frio e do fim, onde o sol quando brilha se sente mais, e onde o fim anuncia um novo livro em branco. O mês da lareira, das mantas como segunda pele, até do natal, a que já não ligo, francamente. E dantes gostava, das luzes, dos enfeites, dos cheiros, agora não ligo, acho tudo meio postiço... Já não enfeito a casa maior parte da vezes, o que dantes me dava algum gozo, mas agora nem por isso. Mais um dezembro, e este definitivamente diferente em demasiadas coisas, menos numa, é o meu mês, ainda, e o meu preferido.
Ora cá está uma estreia... não, não levei com a frigideira, nem sequer com o rolo da massa... mas sim, é o meu primeiro dia em teletrabalho. Gostei de poder acordar mais tarde e chegar cedo, da vista da janela ter árvores, de se tiver fome nao ter de comer bolachas ou esoerar pelo almoço, e de poder tomar o café do almoço na varanda... podem repetir (só está previsto mais um dia, de resto nem na cidade posso ficar, bahhhh... quanto mais na doçura do lar...) que assim sempre faço menos de io-io, durmo mais um tico (tipo hora e meia...) e trabalha-se na mesma. Não precisa de ser sempre, falta-me o “cumbibio” com algumas pessoas, e parecendo que não, a viagem ao fim do dia, nos dias de regresso, apesar de cansativa, relaxa-me.
E é este o mote dos fins de semana cá em casa. Esta disputa de mimo e atenção. Porque se a filha pede, a mãe não pode deixar de pedir, pois... mesmo sendo mais arisca, e ser muito menos de mimos que a filha... há que marcar, e não perder, território!! A modos que é isto, estas caras, perdão, focinhos de fim de semana. Isso e a música ambiente que mais se ouve ser: “sai” “está quieta” “não se corre dentro de casa” “ não sejas chata, deixa-me” “Oh mãe tira-a(s) daqui” e risos das parvoeiras, a que acabamos por não conseguir resistir, e desmanchamo-nos fatalmente, ou só o derradeiro “ lá para fora, já chega!”. Até termos saudades deste circo, e abrirmos a porta outra vez...
Sábado de manhã, depois da ronha e do primeiro café em casa - que agora serve também de aspirina, porque antes dele as dores de cabeça não me largam, mas só aparecem ao fim de semana, curiosamente. Saímos de casa, que não tem jardim, só uma varanda que adoramos, e vamos ao pão. E ao jardim, este, a uns metros de casa. Temos a sorte de a poucos metros termos dois jardins diderentes onde esticar as pernas e mergulhar no verde. No caminho deixo-a correr, vingar-se dos dias em casa, no quente mas numa quietude que não lhe cabe nas pernas. Depois, uns metros à frente, vamos abastecer-nos de pão para a semana. Senta-se a guardar o poste para ele não fugir, claro, atrelo o poste a ela e entro, atenta de ouvido para ver se reclama com alguém. Tudo tranquilo, na volta mais uns sprints no jardim, já libertas da trela do tempo. E de pés e olhos presos neste tapete, vejo esta imagem. E guardo-a.
Se eu tivesse um escritório que chamasse meu, onde estivesse todos os dias, ou quase, em vez de andar cada dia num sítio, sem poiso fixo e com muito stress e irritação, punha isto pendurado na parede. Bati os olhos nisto e ficaram lá, mesmo depois de já olharem para outro lado - e há tanta coisa assim, não é? ... olhamos para outras coisas, mas os nossos olhos estão postos onde teimaram poisar e fazer sítio... mas adiante, esta frase é brilhante, como tantas coisas desta senhora. E neste momento é um lema de vida, de combate, de postura... E eu não sei se estou à altura. E a frase lembra-me isso, mas que tentar e falhar é sempre menos cobarde que nos pouparmos à derrota, porque essa não derrota, não é uma vitória, é apenas uma máscara para o definhar sem oposição, para uma paz podre com demasiadas baixas por falta de combate. É apenas outro nome para a morte por agonia.
Dizem que o imitar, o copiar, é o maior dos elogios. Eu concordo. Nos últimos anos apercebi-me algumas vezes de coisas desse género, desde expressões roubadas daqui e doutros sítios, até formas de apreciar a vida em câmara lenta, a alguns gostos e coisas que alguém me confirmou dizendo que realmente tinham ido beber muita coisa a mim, comprovadamente. E deve tê-lo dito feliz, ainda que fosse uma cópia, não tendo o original era melhor do que aquilo que tinha... ainda que no dia que faltasse a fonte onde ir beber, ou copiar, bom, voltava tudo ao mesmo, mas, claro, nos entretantos a cópia nunca chega ao original... E hoje, chego ao escritório, ao meu antigo escritório, aquele que ninguém ao início queria, que era filho dum Deus menor, e que me deram a mim, sem que disso me tenham ouvido reclamar. Tinha desvantagens, mas também tinha algumas vantagens, que eu via mas eram percebidas por outras pessoas como não o sendo, e agora, mal me mudei para outras guerras, depressa alguém se mudou para ali... que afinal ali era melhor. Agora, o dia em que trabalho aqui arranjo-me em qualquer lado, não há crise e também tem vantagens... Acontece, que com isto tudo, ponho-me a pensar, que também esta criatura parece querer-me seguir as pisadas, pisar onde eu pisei, replicar o meu caminho. As pessoas esquecem-se que ao fazer o caminho temos de decidir por onde ir, que passos maiores e que passos mais pequenos dar, que direcção tomar e como, e que as coisas têm, ou ficam, com a nossa forma de ser. Quem imita, quem copia, quem quer absorver o lugar por osmose e replicação, esquece-se disso. A relação de proximidade que criei com esta gente, o que consegui fazer com eles e deles, não tem que ver com o sítio onde estava a trabalhar, e que até era visto como desvantagem por quem não o quis na altura, tem sim com a empatia criada, com a forma de trabalhar, e às vezes brincar. É a forma como somos, não como copiamos... ou quem copiamos. Pode ser um elogio, mas às vezes irrita um bocadinho... e o que faz certamente é passarmos a olhar as pessoas com alguma pena, o que é uma pena. Porque francamente não precisam disso... bom, algumas.
... Outras é uma forma de sentir, de nos deixarmos sentir, de sentirmos - normalmente com alguém. É sentirmo-nos nós, encontrarmo-nos numa voz como um eco da alma que trazemos, e que parece que reconhecemos pelo eco... pensamos que não, mas demora muito a encontrarmos a nossa própria voz, o que somos debaixo de tudo que fazem de nós, de tudo que nos fizemos e o mundo construiu, dia após dia. Conhecermos os cantos escondidos de nós mesmos é uma descoberta que custa muita vida, e talvez só isso, e pouco mais, se deveria chamar realmente viver. O outro não é a nossa casa, mas é a porta para entrarmos em nós. Ainda assim, a ideia mais bonita é essa: de alguém ser a nossa casa, de o habitarmos, de deixar que vivamos nele, protegidos, guardados. Alguém que nos traga dentro sempre, um peito para o nosso coração viver. Alguém que encontramos e nos faz regressar a nós, à nossa forma mais bonita, melhor, que mais gostamos. Amar o outro é talvez amarmo-nos com os olhos dele. Como se ele fosse a nossa casa, onde chegamos para, confortavelmente, fechar, por dentro, a porta ao resto do mundo.
... que corra riscos, sim... e que “os” tenha no sítio quando chega a hora de assumi-los... ahhhh coisa mais atraente e sensual e sexy... e...e humm....
... agora, muito diferente é aquele que não tem a inteligência para distinguir assumir riscos com tendências suicidas... este moço só pode querer morrer, só pode...
Bom dia, esbeltos e espadaúdos,
belezas estonteantes de audácia dessa vida! ;))
[bom mesmo é ter gente que nos manda estas pérolas em modo de cumplicidade para nos rirmos :)))) ]
Esta sensação que me falta, que sempre me faltou, ausência tão sentida há tanto tempo. Este amparo, esta segurança que aconchega a vida aos dias, isto de que sinto sempre ter sido órfã. E depois esta sensação que me come lentamente alguns dias, de saudades não sei de quem, de falta não sei de quê, como? Porquê?... se sempre faltou o essencial? Se todas as vezes que a vida me abanou, de todas as vezes que me abala, são os meus próprios braços que me envolvem, os meus medos que me amparam, as minhas faltas que me aconchegam as noites? Como é que se anseia por algo que nunca se teve? Que não se conhece? É como amar alguém que não existe, mas que conhecemos. De alguma forma conhecemos. Só nos falta encontrá-lo. O que só é possível se não procurarmos.
Sento-me cá fora, a ouvir pingar aqui e ali, sem frio nenhum, a tentar acalmar o que me parece queimar por dentro. Acendo um cigarro e penso no sono que vou ter de manhã, para ver se o chamo para perto. Mas o sono é a calmaria da água, não se dá com o fogo. Amanhã será um dia daqueles, com mais guerra do que eu gostaria e que me cansa antes de começar. Não sei por que raio aceitei tudo isto. Mas se o meu medo era eu não chegar, não ser suficiente, agora o medo é de não saber descer ao nível e descobrir não haver forma de resolver doutro modo. Afinal a competência mais precisa é aquela que não quero ter, nem estou disposta a ter. E na verdade nada disto é muito importante... Bonito.
Não sou só eu que ando a precisar de colo, a fazer-me falta. O resto das meninas cá de casa também - o que dei por mim a estranhar, porque são todas muito independentes e meio ariscas. Deve ser da casa, ou de mim, se calhar a culpa é mesmo minha, sei lá... Mas, o certo é que parece que sentem a diferença de me ver menos, de me ter menos. A que é minha filha, liga-me e estamos ao telefone - normalmente sem dizer grande coisa, ou só disparates, ou até caladas com a outra do outro lado a fazer alguma coisa - tempos infindos, quando chego a casa não é de grandes manifestações, mas encosta-se mais vezes a mim, e diz muitas vezes que não quer que eu vá (outra vez) para longe. A miúda que eu pensei tantas vezes por que não era como as outras sempre à roda das mães, agarrada e a dar beijinhos... e eu amaldiçoava-me porque não sabia onde tinha errado fazendo-a tão independente... agora, às vezes, nas manhãs de fim de semana volta a enfiar-se na minha cama... ela que sempre fugia do mimo que queria dar-lhe, agora parece que lhe falta. As outras meninas, de quatro patas, a mais velha, que é mais minha, arisca como só ela, senhora do seu nariz e espaço, quando estou no sofá põe-se ao meu colo, e claro esmaga-me, porque é grandinha, pois. Também parece querer aproveitar o sofá, é certo, mas não o fazia, agora faz muitas vezes. As ariscas e independentes também precisam de colo, talvez o procurem menos, talvez façam mais de conta, talvez se façam de fortes, talvez sejam, mas a falta de mimo não é porque não sobrevivam ou desmoronem sem ele, é porque gostam, é porque gostam de sentir proximidade, pertença, e isso é coisa que a distância nos lembra. Quando se gosta, claro.
Sento-me sempre na mesma mesa. Desço, já com as tralhas todas e sento-me aqui para o pequeno almoço. O sítio não é grande coisa, as vistas também não, mas escolho sempre esta mesa, colada ao vidro que dá lá para fora. Do lado de lá há sol a doirar folhas e a brisa a abanar os braços. E eu aqui, entre o chá e o croissant que é a única coisa que realmente vale a pena e eu não devia comer. Dois, ainda por cima. No dia em que aqui chegar e a mesa estiver ocupada, e os croissants faltarem vou andar neura todo o dia, dou por mim a pensar... não sei se são estes meus rituais que vou cultivando que me dão alento, ou se são só hábitos, puros e duros, que dão uma sensação de segurança e que nos destabilizam quando não cumpridos. Talvez seja a diferença entre precisar de segurança ou apreciar a beleza nos pequenos nadas, que nos sustentam o resto. Necessidade vs beleza. Gosto de pensar que sou pela beleza das coisas. Gosto de pensar que não gosto de pessoas de hábitos.
[imagem @jesuso_ortiz]
Acendes a tua?
Acendes os dias de manhã com a tua luz do dia?
Como? Levas a tua filha à escola e achas aquele caminho de cinco minutos um luxo que te ilumina, e faz amanhecer a luz do dia?
Sentas-te na tua antiga secretária, que continua tua em part time, e bebes um café enquanto o escritório está deserto? Deixas a chávena, e aquele cheiro quente, entre as mãos, a aquecer a luz fria e cinzenta do céu, que a janela da frente te serve?
Escreves qualquer coisa, que te lembre que gostas de palavras e de escrever, quando estás com esta sensação estranha, que te segura e tantas vezes te faz cair, de sentir pequenas coisas, assim como a luz do dia e o luxo de amar incondicionalmente? Esta sensação que te abandona a um café amargo, puro, quente, que já não queres com açúcar, mas mexes com palavras.
Uma fresta de luz duma cidade emprestada, as paredes escuras dum quarto que nunca nos viu rir ou chorar, uma cama que me é estranha mas me acolhe, com calor. A escuridão será igual em todo lado? A luz não é, mas a diferença não estará no sítio. Provavelmente nem na luz. E esta fresta rasga a escuridão maciça de alto a baixo. E eu pergunto-me onde andarão todas as outras, por finas que sejam, por frágeis que pareçam, podem sempre mais do que sabem... isso sei.
Sentei-me aqui para ver a lua enquanto fumava um cigarro destinado a descansar-me a cabeça do dia, a desligá-la. O descanso é talvez desligar o necessário, abandonarmo-nos ao inútil, ao que não tem razões. À lua faltava-lhe estar no ponto pestaninha em que a prefiro, em que, olhando-a, sorrimo-nos. Há certas coisas que são como janelas para alcançar a alma. Às vezes andamos a ver onde pomos os pés, passamos e nem notamos. Não vemos. Não damos pela ausência da alma até que um dia sentimos os danos. Chegamos a casa, e no seu vazio procuramo-nos, às vezes encontramo-nos, olha-se para qualquer coisa que nos sacode, uma visão que nos lembra quem somos, no vazio, na ausência, num céu aberto que nos entrega um fio de luar, e desfiamo-nos. Agora o cigarro acabou e uma manta cobre o céu. Talvez a lua sentisse frio. Ou eu.
Dos domingos de perder a cabeça...
... os que fazem perder a cabeça quando pensamos no dia seguinte, e aqueles que nos mostram que definitivamente há maneiras tão melhores de perder a cabeça, num domingo pacato... como perder a cabeça em alguém que nos faz esquecer tudo... sem razão nenhuma, só porque sim, porque estar absorve tudo, todo o tempo. É de perder a cabeça, mas entre risos, cumplicidades e corpos, encontrar o resto todo :))
Bom domingo
Hoje não quero saber de nada que não seja do meu mundo, quero habitá-lo em pleno, degustá-lo, matar saudades, sentir-me eu sem as roupas que nos cobrem e protegem. Hoje não quero ter de me defender de nada. Quero só ser e estar, sem dar conta, porque é isso que mais conta.
[há pessoas que nos deixam, mas o que nos deixam não permite que alguma vez realmente os deixemos. É assim em muita coisa, feliz ou infelizmente, mas neste caso concreto é felizmente a Mafaldinha que não nos deixa. No dia não assinalei essa perda do que Quino ainda nos poderia dar, mas gostei de ver tantas tirinhas da Mafaldinha a povoar os ecrãs - o que nos deu não se perderá e qualquer dia serve para o lembrar.]
Levantei-me à hora que tantas vezes fechei a luz e ouvi a porta bater, ainda mal o sol tinha pestanejado e eu fechava os olhos a correr, duas horas, para depois ir trabalhar, quase sempre atrasada. Agora é assim, começo onde dantes acabava, apanho dois acidentes e muito tempo de filas. Mudou. Tudo. Para melhor? dou por a perguntar-me, sem saber porquê, entre os carros e os ponteiros do tempo... Não ter uma porta a fechar-se por fora é bom, mas todo o começo disto está a ser arrancado a ferros. Perdida e completamente sozinha, a minha versão amigável está a chegar ao fim, não tem assim muita resistência a maus-tratos (por incrível que isto me soe agora...) e parvoíces atiçadas, se é para partir, parte-se. Não tenho muito a perder. Não preciso disto. Conjugação muito perigosa, esta. Confirma-se, não fui feita para lidar com filhos da mãe. E não tenho pachorra. Estou entre mandar tudo às urtigas ou pegar em tudo e fazer ponto de apoio para os mandar à m... obrigando-os a gramarem-me na minha pior versão... dilemas, senhores, dilemas.
Devia aprender francês... nunca atinei com a coisa...
... admite-se professor, preferencialmente alto e espadaúdo, com sentido de humor - imprescindível - e ainda melhor se versado em algumas coisas francesas tidas por icónicas (não, não falo da torre Eiffel ou afins..)... se conhecerem alguém, avisem, sim? ;))
Revisitamos velhos hábitos por quê, para quê? Procuramo-nos onde nos perdemos, o que perdemos? Talvez seja o último sítio onde ainda estaremos, o último onde nos conhecíamos onde sabemos ter estado, onde pela última vez nos tenhamos ouvido ainda. Depois o silêncio e mapas sem norte. Como se a nossa voz tivesse emudecido, se tivesse perdido de nós. Aqui, ou num momento que foi este mas já não é. E já não estamos. Mas visitamo-lo. Porquê? Para quê?
... Mas se vires que aquela porta não te leva a lado nenhum, ou leva-te onde não te interessa, tenta outra, ou procura uma janela...
Por exemplo esta porta que me leva a estar aqui a estas horas eu dispensava... podiam fechá-la e perder a chave que eu não ia chorar de saudades... Bom Dia! :)