terça-feira, 31 de janeiro de 2017

"Dá-me o prazer de entrar e sair nas pontas dos pés."

(podes entrar e sair nas pontas dos pés, mas já perdi a conta às vezes que topo que o fazes  para não notarem o que usurpas de outros...)

Há uma coisa que não suporto.... a desonestidade, o copiar, o usurpar aquilo que é dos outros e fazer parecer seu... Odeio, deixa-me os cabelos em pé, e não não é só quando as coisas são minhas, é quando vejo que é roubado, seja a quem for. Já percebi roubos de coisas que não eram minhas, por três vezes, em situações diferentes, duas delas foi a mesma criatura que usurpou coisas que não eram dela e as quis fazer passar por suas num caso e noutro apenas retirar-lhes a origem e a autoria. Essa criatura erudita e da mais fina flor da delicadeza, das últimas vezes que constatei aprendeu alguma coisinha e agora até a autoria das fotos põe (coisa impensável nela antes desses episódios..) quando tem acesso à origem (parece-me pelo menos). Fico contente, aprendeu alguma coisa!! E aprendeu comigo... o que lhe ficou muitíssimo bem, já que só sabia dizer mal... inclusivamente dizer mal de trocadilhos que me criticava, apelidando-os  de"pseudo-intelectuais", que agora usa para - espantem-se, soube há bocado... - levar a "pseudo" exposições... a vida tem cada coisa... Outra vez fui plagiada por uma página do facebook, que na altura roubou imensas frases de outro blog que tinha, ou partes de posts, e, ao que ao que percebi, fez o mesmo com pelo menos mais um blog que eu seguia e reconheci os textos/frases. Avisei a blogger em questão e penso que tiraram os posts... não, não se retrataram, apenas apagaram os posts... essa página do facebook, parece que me encontrou outra vez.... irra que há gente que não aprende, tem a desonestidade entranhada... É que podia ter um papel de divulgação dos bons sítios onde se escreve bem (já que se gaba de ter milhares de seguidores, o que é verdade), pessoas que, ainda que sob nicknames e anonimato, escrevem com direito à autoria do que lhes sai dos dedos... isso sim era um trabalho com valor e uma página de referência para divulgação de autores anónimos ou mais ou menos, ou nada... um sítio onde se tomava conhecimento de blogs ou sites na net onde se podem ler coisas boas, ou só giras, ou o que for... agora usurpar? plagiar? roubar?? Sou só eu que acho que isto é muito reles, muito desonesto, muito feio?? Só eu? 
Original aqui ( neste até tiraram as aspas... Do melhor a sério)



[entretanto apagaram os meus comentários todos, mas puseram a autoria Olvido ainda que sem link, mesmo com o botaozinho aqui tão à mão para linkar... Mas pelo menos já não parece que é de quem não é...]


... É isto.  Sem perguntas. 
Bom dia 

Só não o senti debaixo dos dedos, já não me lembro de como era senti-lo debaixo dos dedos, da ponta dos dedos, terminações da alma. Vi-o à minha frente, à distância que não tínhamos quando me sentava no seu colo, o meu pequeno reino, onde nunca fui rainha, mas me sentia eu. Passei-lhe as pontas dos dedos por aquela linha do queixo que o fazia arrepiar-se e encolher-se menino, segui a linha do maxilar, subi até as sobrancelhas que penteava por vocação e devoção, uma e outra vez, contornava o olho que sempre me olhava quase semicerrado, entre o ronronar lento e a malandrice sempre desperta, que eu adorava. Apanhava-o a olhar-me muitas vezes, acho que nunca ninguém me olhou tanto... Mas sigo o meu passeio pela ponta dos dedos, mapeando o reino que nunca foi meu, onde nunca tive trono ou sequer cadeira, onde calcorreei o tempo descalça sem nunca me cansar, passo pelas têmporas mal tocando a pele, tão ao de leve como o esboço duma intenção, para as maçãs do rosto, duma ossatura que conhecia tão bem, que se me colou ao esqueleto como uma outra costela minha, certamente roubada à nascença e que eu nem sabia que me faltava... das maçãs do rosto chegamos à boca, desenho-lhe os lábios devagar já desenhados por baixo dos dedos, a boca perfeita de beijos - de beijos que me eram perfeitos. Dum canto ao outro, percorro-a devagar, ganha vida num beijo que me poisa nos dedos. Raras as vezes em que os meus dedos, fazendo aquele caminho, não eram beijados numa ternura doce dum calor meigo. Vi tudo isto há bocado, no silêncio dos carris a serem percorridos - a lembrar-me outros carris que tanto brincava de falar -, enquanto os dedos poisados no vidro frio, buscando horizonte na paisagem em vez de pele quente como chegada, denunciavam já não terem memória destes passeios, mas as imagens, essas, tenho-as todas, guardo-as ainda. Para quê? Porquê?... Estou agora a ver aquele pedacinho que me deu, que declarou meu, bem no meio dele, dentro do peito, a pouca distância de onde deveria ter o coração todo meu, vejo-o perfeitamente à luz da rua que nos entra pelas janelas sem invadir o espaço que guardamos para nós, onde nada mais parece entrar. Nem a luz entra entre nós, mas ilumina-nos, e é sob essa luz que lhe vejo o peito, que o gravo para buscar agora e ter à minha frente, debaixo de mim, enquanto passo devagar, ao de leve, os meus dedos pelo que me deu sem nunca ter sido meu. Levanto os olhos e olha-me. Nunca ninguém me olhou como ele, nunca ninguém me olhou tanto como ele. Nunca ninguém, como ele, viu tão pouco em mim. Tenho a ponta dos dedos tão gelada... 

sábado, 28 de janeiro de 2017


Disse poucas vezes que amava alguém. Tive muitas vezes vontade de dizer que amava alguém. Houve alturas na minha vida em que o podia dizer, e disse, das vezes que tive vontade de dizer, necessidade de o dizer, mas foram poucas. Das muitas vezes que tive vontade de o dizer, necessidade mesmo, quase física, tranquei-o por dentro da boca, cosi-o por dentro do peito, deixei-o sair em todos os gestos que podia, gritei-o em todos os silêncios onde o amor era tão denso que quase me cobria a pele, quase que o sentia tocar-me, ser-me, alimentar-me e, paradoxalmente, calar-me. Nunca o pronunciei em nenhuma dessas vezes. Confessar-se o amor a quem se ama precisa da vontade de o dizer e de vontade de ser ouvido. De ser ouvido de braços abertos, precisa doutro coração onde se aninhar uma confissão tão intensa, gritada baixinho dum coração em brasa. Dizê-lo, sussurá-lo, ou até gritá-lo, para o vazio não aconchega esse amor, o eco não o reproduz, o eco é o vazio a devolver-nos palavras, as nossas palavras, talvez o nosso próprio amor (próprio), nada mais. Ainda que pronunciado doutra boca. Nunca quis eco, nunca disse para ouvir o retorno em vazio. Mas só o disse quando acreditei que o sítio onde se aninhavam essas palavras ouvidas era também onde guardavam as palavras que me queriam dizer do mesmo amor - quando as bocas eram diferentes, as palavras, os gestos, as vozes, mas o amor tinha um mesmo tom. O eco so não é vazio quando é devolvido doutra boca no mesmo tom de amar, ferido dum igual amor. Sem isso mais vale trancar as palavras para não se gastarem no vazio. Para não chegarmos a perguntar-nos... "Dizer que nos amamos? Para quê?"
Quando será que as pessoas deixaram de acreditar no certo ou errado, quando será que deixam de o saber distinguir? Quando será que deixa de importar o certo e o errado, e só importa o que dá mais jeito fazer e ter? E fazermos disso o certo, mascarando tudo, porque dá mais jeito? A quem dará jeito não amar? Ou dizê-lo apenas para ouvir um eco de onde ressalta um "amo-te" dito porque dá jeito que isso seja o certo de se fazer? De se dizer. Mesmo que a vontade não tenha qualquer necessidade de o dizer? 
Quando é que as palavras deixaram de falar para apenas calarem o vazio da falta de retorno? 
Não há retorno, não há troca, há partilha dum mesmo amor pronunciado a duas vozes sob uma mesma vontade, ou então, não há nada. Nada que esteja certo.

quinta-feira, 26 de janeiro de 2017

Gostava de ter cabelo ruivo e olhos pretos
ou então,
 gostava de ter olhos verdes e cabelos escuros.
gostava de qualquer uma das coisas, mais sardas.
Gosto do ar catraio das sardas, ainda que já tenha ouvido alguém dizer que sardas a partir dos trinta nunca!! ai jesus, que nem pensar!!... eu gosto, e tenho quase quarenta, devo estar fora de moda.
Tenho algumas, aparecem por altura do sol quente e hibernam como os ursos pardos, ou parvos. 
Faltam-me os olhos da cor que o meu irmão tinha, dum verde que brincava nos cinzentos, herdei tudo o que não faz falta, nem diferença; 
falta-me o feitiço do ruivo para enfeitiçar de feitiço quem um dia me enfeitiçou; 
falta-me o ar catraio, cabreirinho que me diziam que tinha e não sei onde o escondi, ou se o perdi;
 falta-me gostar de olhos pretos, cabelo escuro, e sardas de ursa menor.
Falta-me sempre alguma coisa.

quarta-feira, 25 de janeiro de 2017


O menino de cabelos de oiro que viravam prata debaixo do brilho do luar empoleirava-se, todas as noites de lua bicuda, à janela. Olhava com os seus olhos grandes, redondos e ávidos cada recanto do céu, até encontrar num qualquer canto do céu a lua que o fazia abrir um sorriso de marulhar traquina. Quando a encontrava contemplava-a quieto de silêncio e procurava um fio de luar para agarrar. Quando apanhava um fio, que descia da ponta da lua, acarinhava-o entre os dedos, quando se tornava macio e malabarista, brincava de desenhar com ele os sonhos do dia na parede do quarto. A cada desenho desfiava mais um pouco a lua, como quem a desenovela, precisava de mais fio de luz mágica para traçar histórias na escuridão. A cada puxão ela ia descendo no céu e fechando a noite, enquanto se desfazia em sonhos feitos pelas suas mãos, imaginados pelos olhos postos na parede cheia de fios de luar que amarravam sonhos à noite cerrada. Tantos sonhos por desenhar, por lhe brotarem das mãos em imagens que tinham vida enquanto a lua não apeasse na linha do horizonte, cada vez mais pequena, cada vez mais fina, até ser só uma pestana que se lhe fechava nos olhos em sono doce. Quando adormecia a lua soltava-se. O menino, com cabelo de prata em fios de luar, sonhava que ela passeava pelo mundo inteiro agarrada à sua mão pelo fino fio que o sono lhe roubava. De manhã encontrava as mãos vazias e a parede sem mágicas histórias de encantar a noite já adormecida. O menino, então, esperava pela noite, quando os seus fios de cabelo se tornavam prata, para de novo desfiar os sonhos do dia. Enquanto sonhasse a lua aparecia sempre. Enquanto a lua morasse no céu da sua janela ele sonharia sempre,  e refaria de cada dia, todos os dias, os sonhos de oiro do sol para encantar a noite.

"No sé tu nombre, sólo sé la mirada con que me lo dices"

Mario Benedetti

...porque há nomes que se chamam sem falar, e chamamentos que se sentem sem terem de ser ouvidos. Porque há conversas em silêncio numa língua que ninguém fala e poucos entendem. Conversas onde não há ruído ou mal-entendidos, onde nada se entende com a razão e tudo se sente percebido. Tudo se percebe sentindo - sabe-se porque se sente, só.

[escrevi isto a meio da noite, porque não me largava, como não me larga a contradição de saber isto, sentir isto, e saber que o que se sente saber muitas das vezes está errado. pelo menos é o que me acontece a mim, mas sei que é possível - se eu o sinto, mais haverá que o sentem, que o sabem por sentir, e se entregam assim, apenas por sentir. Espero que nem todos se reduzam a cacos como eu. Ainda assim, faria tudo de novo. Há cacos que são relíquias e há cacos que são lixo para descartar. Eu prezo as minhas cicatrizes, lembram-me o que vivi, o que deveria ter aprendido, as lições que não aprendi logo, que desafiei arriscando mais cicatrizes, dores e mágoas. Descobri ilusões no sítio das verdades, que viraram cacos e cicatrizes de alma.. Todos as temos, há quem as negue, as esconda, as tape, eu rego-as para algo florescer no meio da tristeza. Um dia algo há-de nascer, algo para além destas palavras que me nascem dentro e saem dos dedos, algo para além de passado, de futuro ausente, órfão de presente. Um dia terei um presente presente, cheio de futuro dentro dum olhar poisado num horizonte que dá as mãos. Se não tiver, não foi por ter fugido dele. Também não o persigo, porque há coisas que só podem ser fruto de um encontro, de um olhar recíproco, que não se procura e não se persegue. E isso eu posso perdoar-me, fugir não. ]

terça-feira, 24 de janeiro de 2017



"Casa-te com quem não te sirva para nada, ou não te cases.

Junta-te só com quem não tenha utilidade prática nenhuma, ou não te juntes.

Ama quem não precises; se precisares nunca saberás se amas.

Os outros não servem para pregar pregos; ir às compras; lavar louça; tratar do carro; carregar coisas pesadas; lavar roupa; passar; cozinhar. Nem sequer para dividir a renda ou o trabalho ou para ter companhia.

Entende que o amor é diferente da utilidade; não esperes utilidade de quem amas, como não esperas amor da mulher a dias.

(...)

Amar é querer estar juntos, ter projectos, partilhar coisas e segredos. É querer mãos dadas, e sexo, e ficar calados um ao pé do outro. É partilhar entusiasmos e agruras. É compreender e querer compreender. Também é dar e receber, e saber dar, saber aceitar. Quem ama também faz coisas que são só para o bem do outro, mas isso não chega, não há amar sem partilha, de actos e de emoções.

Não estejas com ninguém para foder de borla. Há soluções melhores para isso.

As pessoas não servem para nada; não é suposto servirem para nada. E é quando não servem para nada mas as queres por perto que sabes que amas."


Do Menino, aqui na íntegra, a dizer o que penso há tanto, mas tanto, tempo. Amar não é precisar, não é dar-nos jeito, não é ser-nos útil. Não é não conseguir viver sem alguém, é menos ainda dizê-lo para uma qualquer chantagem emocional, manipulação barata de gente sem espinha, para gente poucochinha se deixar levar. Amar é só querer o outro perto para tudo, e isso fazer-nos sentir melhor e ser melhor, ou querer sê-lo. Mais nada.
Quem escolhe ficar com quem não precisa é porque ama, e ponto final.
E depois lembro-me das vezes que ouvi, quase como recriminação, que não precisava de certas pessoas para nada. Pois não. Mas há pessoas que não sabem amar, e, talvez por isso, não sabem reconhecer o amor. Nunca lhe disse que não era capaz de viver sem ele. Não disse porque sou, só não queria, o que é diferente. Muito diferente.
Amar não é depender.

O carro marcava 4 graus, o frio fechado lá fora, com ar ameaçador, senti-o querer entranhar-se em mim, nas mãos com que moldo a vida, imaginei que me pudesse congelar o sangue nas veias. Imaginei que o frio podia matar, literalmente e em sentido metafórico. Subi as escadas com vontade de um café com calma, quente, que me aquecesse as mãos e me impedisse de gelar o sangue. Está agora nas minhas mãos, o literal, não o metafórico. Metaforicamente a minha vida continua gélida, literalmente também.
Queria sentar-me aqui, escrever o que me viesse à cabeça mas não pensar em nada que queira esquecido. Talvez por isso ande a escrever menos, porque me faz puxar fios de mim que me levam onde não quero ir, ainda que seja lá que eu esteja, onde me sou mais inteira e mais eu. Mas dói mais e eu não quero. Tudo o que me passa pela cabeça que pudesse escrever sem ir a esse sítio, sem ter de sair muito da cabeça, sem vaguear por mim, tenho uma preguiça danada. Falta-me um motor qualquer que me arranque, que me dê motivo, que me dê a vontade para vencer a inércia. Acabo sempre por escrever para conversar comigo, quando começa a ser mais uma necessidade que uma vontade. Como trabalhar, como respirar.
O café já foi e eu depois disto tudo ainda estou a tentar atafulhar para debaixo do tapete de sombras aquela frase..."já viste como é macio e fofinho o focinho dos cavalos?..." E de repente caí naquele buraco negro do tempo: as coisas melhor de tocar "a minha pele, patinhas de gato bebé, focinho de cavalo". Fiquei a pensar por que me lembro, por que tanta coisa me faz ainda lembrar. Houve mais coisas durante o fim‑de‑semana que me arrastaram no tempo, mas agora tento nem escrever para não as lembrar melhor, para as deixar resvalar pelo tempo que as trouxe, para não ficarem tanto em mim tanto tempo, se calhar. Pergunto-me porque me perseguem tanto tantas recordações, do nada, umas coisas puxam as outras, esta foi a que ficou mais tempo, mais marcada, cristalizada em mim, mas houve mais. Há sempre. Não percebo porquê, porque do outro lado nada me faz aparecer, nada arrasta o tempo em palavras ou gestos, porque esse tempo não lhe ficou dentro, encurralado, encravado no presente a obstruir o futuro, não ficou, não fiquei. E é isso que me dá ainda mais vontade de não escrever, de riscar tudo de mim a vazio. E quando não consigo escrevo para debaixo do tapete de sombras de olvido, à espera que os faça desaparecer.

segunda-feira, 23 de janeiro de 2017


Passamos a vida a correr, 
a correr contra o tempo, a correr pelo tempo, ou até do tempo. 
Depois, mais à frente, a vida obriga-nos a parar e esperar pelo tempo certo.
Ao tempo ninguém o apressa, espere quem espere.


Dançar é mostrar a música que se tem, mas não se sabe tocar.
 É tocar música sem som, mas com o corpo todo.

sexta-feira, 20 de janeiro de 2017


[foto ©Gerhard Richter]

As horas despem-se devagar da luz e sobre os meus ombros desce a noite como um manto que me despe do mundo. É no calor desse aconchego de nudez que me encontro, que desço o olhar para dentro, que me abraço de silêncio e dou colo à solidão - tão sozinha e calada todo o dia, à espera que eu chegue, e eu chego, retorno sempre aonde me sinto em casa. Eu, tu e a solidão. Todos. Todos voltam para onde se sentem em casa - para o sítio onde somos casa. Onde a pele é a parede que o mundo só vê por fora e nós olhamos por dentro, onde o sangue é fundação em que nos vamos formando e (re)construindo, onde o coração é albergue de todos os que não esquecemos e espaço para todos os que virão para ficar. Todos os que sejam razão para chegarmos a casa. Para sermos casa.


[foto @husknutsbilder]
Por que é que o frio é branco e o calor tem toda uma palete de laranjas para se vestir?
O branco é absoluto? Ou será o frio?
Bom dia

quinta-feira, 19 de janeiro de 2017

a dizer outra vez
se não me ensinares eu não aprendo
a dizer outra vez que há uma última vez
mesmo para as últimas vezes
últimas vezes em que se implora
últimas vezes em que se ama
em que se sabe e não se sabe em que se finge
uma última vez mesmo para as últimas vezes em que se diz
se não me amares eu não serei amado
se eu não te amar eu não amarei

Samuel Beckett


[não gosto de últimas vezes, não gosto de fins. nem de todos os meios para um qualquer fim.
haverá um fim para os fins?
será que algum dia podemos descansar sem o peso do fim que se espera, mas ainda não chegou? o peso de saber que vai chegar, que vai doer, que vai matar, mata muito e aos poucos. mata, matou, matará ainda.
Gosto de primeiras vezes, gosto de começos, gosto de recomeços que começam outra vez, mesmo sabendo que já começaram antes, mas que um dia novo é um dia novo. um recomeço é uma continuação dum começo que se quer continuar a começar, começar sempre e insistentemente, sem se insistir nisso: todos os dias com um novo, e sempre mesmo, sorriso, gostar, calor na (da) alma. Tudo. Gosto dum coração cheio de primeiras vezes que se repetem e se sentem pela primeira vez, como se não houvesse primeiras vezes, nem fins.
Sorrir sem nenhum fim, viver sem nenhum começo, como se fosse sempre a primeira vez que sentimos vida dentro.
Dentro dos dias, dos nossos dias. Os dias dentro de nós e nós dentro dos dias. Nossos.]

... Das equivalências...
Partilhar o elevador com 2614 pombos deveria ser uma aventura interessante...
Eheh
Bom dia

quarta-feira, 18 de janeiro de 2017

consumimo-nos numa chama 
que não deixa de nos chamar,
consumimo-nos mas não nos gastamos,
e nunca nos desgastamos.
consumimo-nos no perene chamamento 
que nos arde na pele
e de que se morre um só carvão.


Sentada a apreciar um pequeno almoço vagaroso, depois de levar a miúda, e a fazer-me jurar que vou direita para a banheira... Nem ponho os olhos na cama. Não posso, não posso mesmo, tenho de ir para o escritório sentar-me direitinho, feito menina bem e comportadinha para fazer uma serie de coisas sem falta... Gaita. Tenho de despachar-me... Ai que a cama não olhe para mim com aquele ar, senão ainda lhe salto para cima... Com vontade.
Às vezes tenho a sensação estranha de ser feita de duas metades que não comunicam, há dias em que sou só números, em que uma pedra é uma pedra, como dizia Adélia Prado, outras, por muito que me esforce, não consigo ver só uma pedra, vejo tudo o que poderia ser, tudo o que não deveria ser, divago, sonho e levo com a pedra na tola, mas nada de conseguir fincar as ideias no chão. Hoje uma pedra parece uma pedra. Olho-a, pego-lhe e sinto-a fria... Só isto. Não imagino quanto pesa, quanto de si são sonhos, quanto deu de si ao que lhe amansou as arestas, quantas mágoas guarda e quantas tentou expulsar sendo atirada no vazio ou a alguma coisa, pego-lhe e o meu braço sustenta-lhe o peso apenas, por cálculos instintivos que não sei fazer. Sinto o frio que guarda da noite e não penso que guarda em si o frio da noite e o calor do dia de que se vai libertando aos poucos ao longo das horas. Não penso que dependendo da sua natureza, do seu tipo, guarda mais ou menos temperatura, é mais ou menos imune ao que a rodeia, nem penso que é exactamente como as pessoas, umas guardam o frio e o calor durante muito tempo, outras quase só sentem a temperatura do agora, essas normalmente gostam de estar sempre ao sol. Olho-a e não procuro ver o seu rosto, rosto de pedra é diferente de rosto que precisa de oxigênio. Pedra quanto menos vincos mais velha e mais mole, quantas mais arestas menos o tempo a magoou ainda, quanto mais lisa e macia mais de peixe terá, não tem vontade mas segue as vontades do que a rodeia, mas que não se confunda com não se impor, porque se impõe muitas vezes, obriga toda a gente a contorná-la, ou a subi-la para depois a descer, precisando dela para passar... Há quem diga que só o amor a pode mover, mas dizem que é modo de dizer, ou melhor, de pensar, ou de sonhar. Mas hoje não estou em modo de sonhar, não há registo disso, hoje é só um modo de dizer coisas que se querem pensar. 
Não sei onde descarrilei, as palavras brotam donde não as plantei, duas linhas transformam-se num emaranhado que me embrulha as mãos... Tenho para mim que deve haver fusíveis que queimaram à nascença, e outros depois disso... Aiiiiii......banho!! Directo, sem portagem nem paragem, e já!!

Os adiamentos apodrecem tudo, 
e pior, sem passar pelo amadurecimento.

terça-feira, 17 de janeiro de 2017


[foto @ianchen0]

Às vezes - tantas - ainda sucumbo à luz de estrelas que morreram, mas que ainda me enfeitiçam o olhar. Quando o dia de buliço se despede das mãos, largando a cabeça por datar a ouvir o coração; quando a noite nos embala a escuridão no peito e desce as pálpebras do coração, é aí que, cego de luz, se ilumina, se enche de si mesmo - mesmo que ele já não seja ele, não o sabe. O coração nunca se fere de saber, mas sempre de mágoa de sentir.

segunda-feira, 16 de janeiro de 2017


Leio isto e fico a pensar se serei um clássico, um Ibiza novo em leasing ou um renault 5 em segunda mão...  e fico com a sensação que é melhor não saber.... bahhhh
Eu, se pudesse escolher uma viatura engraçada para os fins de semana e férias e passeios e coiso, era esta. Há muito tempo que acalento o gosto por este descapotável (eu quando for grande vou ter um descapotável, de preferência de modelo antigo, sim...) tenho este bicho, ali da foto em cima, como clássico de eleição e que eu diria que é a minha cara... mas se calhar não. Se calhar depende de quem me vê e como...
E Menino...comparar mulheres a carros? a sério?...onde já se viu? devia dar uma de feminista e tal, e sentir-me ultrajada, mas fiquei só a pensar onde raio eu encaixaria... esta cabeça doida não tem remédio nem cura... balhamedeus!!...


Há dias em que se acorda com vontade de dançar, e há dias em que se acorda com vontade de adormecer, de tão adormecidas andam as vontades, de tão apunhalada de mera sobrevivência se caminha. Depois há aqueles dias em que, depois de nos arrastarmos da cama, a música nos acorda a vontade e dançam-nos, no sono acordado, realidades que nem sequer sonhamos, mas que nos brincam no corpo, que o agitam de uma espécie de encantamento. A música conhece-as, a dança ri-se com elas, sorri em movimento, leva o corpo, levita-o, esquece-se que tem pés, que tem braços ou pernas - tudo é música quente e ritmos e realidades que sonham, dançando sem chão na língua do que não se sabe dizer ou pensar, apenas nos mexe, nos fala, nos acorda... dança-nos à flor do que sempre fomos por baixo da pele.
A vida dum tango nem sempre precisa de dois para se dançar, para se viver o salero nas veias, para nos bailar no olhar, para o corpo nos dançar de alma. Como este. Como hoje.

[...caramba o que seria de mim sem música, acho que só a música me sabe descoser parte das costuras da tristeza que me deixa depois virar a disposição do avesso, há uma qualquer raíz em mim que é regada com música. que floresce no corpo que dança sem dar conta que já se mexe e sorri. há dias que é a única coisa que é capaz de me fazer acordar, não os olhos, mas o olhar da vontade.]

domingo, 15 de janeiro de 2017



[Foto de Peter Lindbergh para a Vogue Italia]

"And those who were seen dancing 
were thought to be insane 
by those who could not hear the music."

Nietzsche

[era esta, fui à procura. adoro a ideia da frase, 
a verdade dela que me toca aos ouvidos...]

sábado, 14 de janeiro de 2017



Tocas-me num afinado desatino
Ou num atino desafinado?
Tocas-me com alma, de olhos fechados,
Ou de olhos postos na pauta que os dedos não sentem?
Tocas-me onde me emudeceram
Ou onde ensurdeci?
A música é o teu amor,
Ou o teu amor é música?
Sabes tocar,
Ou não sentes música?
Tocas-me a música
Que me toca dentro?
Tocas-me?

sexta-feira, 13 de janeiro de 2017

Às vezes é este mundo que me salva, este das letras, das pessoas que sabem sorrir e fazer-me sorrir por palavras, por imagens, por fazer-me sentir - por fazerem-me sentir, também e muito, eu!... Com as lamechices do calimero, das tristezas enroladinhas no muro de lamentações que suporta o peso do que não digo, sim, mas também com a vontade imensa de ainda agarrar a vontade de rir, de não deixar nunca morrer o sentido de humor, o sarcasmo, a ironia. Afinal se a vida não esgota as suas ironias, o seu sarcasmo, o seu eterno sentido de humor retorcido, como hei-de eu deixar de o apreciar? E apreciá-lo é - um bocadinho - tê-lo, melhor ou pior. 
Há dias em que tenho de ocupar a cabeça, quando não a ocupo no trabalho, engalfinhando-me com números e debatendo-me com dúvidas existenciais decisórias, as palavras, as cenas, as imagens  metralham-me sem piedade ou descanso.... Aiiiiii quando terei o meu alpendre com quadros de pinceladas a cores quentes em todos os pontos cardeais? Quero Alentejo e paz e um céu imenso que me possa abraçar, onde caibam todas as minhas palavras, onde as afogue para eu conseguir respirar, vazia. Finalmente vazia. Não de um vazio ocupado, cheio, atulhado, sem espaço para respirar novo ar e nova vida, mas dum vazio que possa encher de coisas novas, de espaço por ocupar, de vida com vontade de viver. De dias como a promessa florescente duma página em branco à luz do sol, com toda a incerteza, improbabilidade e impossibilidade por refutar, por arriscar, por teimar, por provar - por viver com vontade da vontade de viver.
A felicidade será uma incerteza, uma improbabilidade ou uma impossibilidade, pergunto-me agora... sem grande vontade de saber.

[foto @oskarone1]
A força da beleza, no seu fino caule, 
suporta o peso do mundo.

(...das coisas em que quero continuar a acreditar)
Bom Dia!

Ao longo das horas a lua vai descendo pela noite que forra o negro fundo tripartido da minha janela, vai-se chegando ao chão, vai desfazendo a linha do horizonte cheio de ilusões de distância, mas a realidade é ser só longe do sonho - ser longe, não distante. A distância come-se, a lonjura devora-nos. Quando está quase a desaparecer, quase escondida debaixo dos telhados de que não precisa abrigo, parece prestes a incendiar, cora no seu sorriso aberto. Talvez antes de tudo acabar haja sempre um pequeno incêndio que nos cora a N alma, que se desfaz num sorriso quente, mas condenado; que se torna tão perto de longe numas horas tripartidas de tempo que se esqueceram de esquecê-lo. A lua mudar de vidro relembra. 
O tempo é movimento, é mudança, senao não há tempo, nao sabemos se o tempo passou.

quinta-feira, 12 de janeiro de 2017


Lê-se no Menino (sim, voltou a escrever mais, outra vez, e ainda bem) sobre Rayuela (não gosto da tradução para português, lamento) de Córtazar, livro que comecei a ler e depois, a meio (sendo que o meio aqui é difícil de definir porque não nem o livro nem a leitura é linear), por alguma razão, deixei -o e nunca cheguei a saber o final, ou experimentar outras ordens para lê-lo. Agora, depois de ler isto e de me voltar a lembrar de Maga e de Horácio, fiquei cheia de vontade de lhe pegar de novo e de reler alguns parágrafos do já lido. Assim que acabe o que estou a ler, que me faz pensar mas não sentir, que me abre os olhos mas não o coração, voltarei a ele, talvez me abra a porta para uma profundidade para que deixei de ter pé. 

"Não é invulgar estarmos convictos de algo até termos termos de comparação, a igreja da nossa aldeia é sempre a mais alta que vimos até termos visto outra qualquer. E, depois de termos visto, tudo muda. Para Horácio, já se sabe, isso foi a Maga. A Maga não sabe tudo, embora saiba muitas coisas, mas faz coisas, faz acontecer coisas, participa em coisas, fala com pessoas, é o foco de muita gente. A Maga, acima de tudo, acredita de uma forma tão límpida na vida e nas pessoas que isso o desarma. Não é ingénua, embora chegue a parecê-lo. A Maga vê é as coisas a direito, até ao fundo. Para a Maga tudo é transparente, parece transparente, ela sabe o que fazer, e fá-lo. E isso, para Horácio Oliveira, é fascinante.

Horácio nunca recuperará deste encontro, da presença da Maga na sua vida. Apaixona-se de uma forma tão plena e tão intensa que desafia descrição e compreensão. Depois da Maga, nada mais será como antes. E, ao perdê-la, Oliveira perde-se a si mesmo, para nunca mais se reencontrar. Passará a vida a ver a Maga em cada rosto, em cada esquina, até isso se lhe tornar impossível. Depois de se encontrar e se perder o que não se sabia que nos faltava, não é possível voltarmos a sentir-nos completos.
(...)
A Rayuela* é a história de uma vida e é a história de um amor, de como um amor se torna o centro de um homem, se torna a sua própria vida. É, ao mesmo tempo, um ensaio sobre o presente, sobre os diferentes rumos que as vidas tomam, sobre a redundância das coisas, sobre os múltiplos caminhos que os passos tomam se os olhares no presente, no agora, e não como coisas passadas.
Mas, mais que isso, a Rayuela é a história de mulheres como estas, mulheres que destroem ou que salvam, que mudam os homens, que nunca mais são os mesmos depois de as terem. Depois delas, mulher alguma bastará, todas serão, mesmo que ninguém o saiba, tentativas de reencontrar a Maga.

A Rayuela é, mais que um romance, uma obra experimental cujos capítulos, como a a vida, podem ser lidos por uma ordem não estritamente sequencial. Cortázar convida-nos a ler a mesma história de outra forma, por outra ordem, mantendo-lhe o final e o sentido.

Para Cortázar, Rayuela significava a experiência de uma vida e a tentativa de a levar à escrita. Para quem lê, a Rayuela é um aviso sobre os amores que só acontecem uma vez na vida, e só na vida de alguns, sobre os amores mais intensos e perigosos e, ao mesmo tempo, os que mais valem a pena. Rayuela é um convite escrito à tentativa de os viver, pela ordem que quisermos, com o final que conseguirmos.

Porque, no final de contas, cada homem só percebe que é Horácio depois de encontrar a Maga – a sua Maga."

*Rayuela, de Júlio Cortázar, publicado em Espanha em 1963; Em português, O Jogo do Mundo, tradução de Álvaro Simões, ed. 2008, Cavalo de Ferro



[das vozes mais doces que conheço e não me canso de a ouvir, hoje com a moldura dos campos na meninice inocente das notas e com o nevoeiro a esbater a linha do horizonte, aconchegou-me os sonhos que me esqueço de ter]
 A pessoa que mais sinto falta é de mim,
 de como eu era antes de sentir a falta de tanta coisa e tanta gente. 
Sinto falta de não sentir tantas faltas.

terça-feira, 10 de janeiro de 2017


Cortar o fio do passado com medo de com isso cortar o fio de Ariadne que nos retorna a nós, que nos devolve às raízes que nos fizeram crescer, que nos fazem reconhecer-nos.
Cortar o fio como quem fecha uma ferida talvez não cure, talvez não sirva, talvez não resulte. O que fazer com o passado para que não nos puxe pela ponta do casaco, não nos faça entortar a espinha e desequilibrar? Que fazer ao passado traquina que nos faz voar nos ventos da beira mar, preso por um fio a umas mãos pequeninas cheias de futuros impensados, brincados ao sabor de um papagaio sem medo de alturas, que se despenha na base das dunas, quase ali nos bigodes do mar? Que fazer? Quem ser não deixando de sermos nós com a memória amputada feita amnésia, feita estrada cortada e proibida, como se para trás fosse o beco sem saída por onde entrámos?

Às vezes o passado lembra as caudas das lagartixas, ou os gatos. Tal e qual a esperança, aliás.
(ainda que no meu caso sempre em tempos complementares, nunca coincidentes. Ou passado, ou esperança - são mutuamente exclusivos...)

Bom dia.

segunda-feira, 9 de janeiro de 2017


"hay diez centímetros de silencio
entre tus manos y mis manos
una frontera de palabras no dichas
entre tus labios y mis labios
y algo que brilla así de triste
entre tus ojos y mis ojos"

Mario Benedetti, Soledades (fragmento)


Esses dez centímetros às vezes são dez anos, outras são dez fracções de segundo que não resistem a nenhum tempo, que duram eternidades por vir, que se alojam no olhar de tudo em que poisa a nossa atenção, tantas vezes, desatenta de si mesma. 

Outras vezes houve - lembras-te? sei que não, mas falo-te, pergunto-te, porque não me ouves, porque já nem me sabes - em que o silêncio não tinha medida nem distância: as minhas mãos estavam nas tuas, os meus lábios nos teus, os meus olhos navegavam a alma dos teus pelas estrelas que davas aos meus... era o silêncio das almas coladas, que falam melhor assim, a beber a temperatura dos corpos, a sentir os arrepios da pele, a sorrir palavras por dentro da boca, a serem lábios e olhos e pele ao mesmo tempo... e alma, alma sempre, em tudo o tempo todo.

Se houve dez centímetros de silêncio deste, medido sem medida - e houve, sei que houve, e se não sei sinto que sei, que diferença faz se não houve em ti?... nenhuma. Só o que sinto me importa porque só isso me toca, já nem tu me tocas, só o que já tocaste -, durarão toda a medida do caminho que os pés farão, calcorreando as mesmas eternidades, às vezes em dez fracções de segundo outras dias inteiros.

Por dentro da pele não há tempo nem distância, e é lá que guardo o olhar que me roubaste.... que me fala em silêncio muitas vezes, profanando essa fronteira das palavras não ditas, enterradas no sitio do que não deve ser ouvido, nem dito - não, nunca as disseste, nunca disseste o que não deveria ser dito, esqueçamos estas linhas de dez centímetros de silêncio na eternidade das palavras por dizer. por dizer-te.




... Eu a sair do fim‑de‑semana para entrar na segunda feira..."taligual" balhamedeus... Vá, pronto, com um bocadito menos de bigodes. Acho eu. Espero eu.
Bom dia!?

domingo, 8 de janeiro de 2017

Sento-me aqui e acho sempre que estou sem palavras, que a maré baixa me invadiu e me deixou a praia despida de alma, depois começo uma frase e alonga-se num parágrafo que não sabia estar enterrado em mim. Devia querer sair e conseguiu, pelo meio dos dedos, encontrar-se na perda do tempo. 
Não sei porque abro esta página branca se nunca tenho o que dizer, ou melhor, se tantas vezes -como hoje - não sei o que quero dizer. Não sei o que me pesa para me libertar do peso. É como ter uma dor e não saber o nome de onde se aloja, nem saber explicar onde anda a morar-nos. Mas às vezes habita-nos, tanto, que nos desabitamos, sem nunca nos acharmos vazios. O vazio deve ser um começo - o começo -, o resto são só segundas voltas. Nunca se começa outra vez, por muitos recomeços que aleguemos. Apenas se combate a imobilidade e começa-se de novo a andar, mas os passos dados estão todos marcados na pele e na memória. o caminho está cravejado de passos, de paragens, de recomeços, que não começam, só continuam, porque nunca esvaziamos a bagagem, nunca apagamos as pegadas dos passos, como se eles nos caminhassem continuamente. Voltamos a andar, às vezes, so para os esquecer, para os fazermos longe de nós, mas apenas acumulamos mais.
Às vezes acho que só preciso de mim, outras que nem de mim preciso. Ou que preciso de não me saber, de me esquecer e esconder-me atrás do horizonte deitado sobre as minhas cinzas.

sexta-feira, 6 de janeiro de 2017

... que belo dia hoje!!
Vem uma pessoa a apreciar a música alta e a pensar nas soluções para alguns problemas, até animada, logo pela manhã (pronto, passava das dez, não era propriamente madrugada...) e vai que a mandam encostar (o que podia não ser mau de todo não fosse ordem da GNR...) e assim ficou a saber que ia ficar sem carta... ia só a mais 52Kms/h do que o limite, repetindo a façanha de há mais ou menos um ano... que maravilha... ahhh e a entrar ou sair (não sei) rompi as meias... que belo dia hein??
Será que o papa salva a coisa??
.... que raio de sorte, uma pessoa já não se pode distrair na época da caça à multa que caçam-nos logo irra!!! ainda se neste caso valessa a pena ser caça... mas não... não tarda ando a penantes que é um mimo!!!
bahhhhhh

quinta-feira, 5 de janeiro de 2017

[frase, das (muito) boas de "A Trégua"]

"Porque desta vez falei-lhe com toda a franqueza; o tema casamento foi discutido até à exaustão. «Antes de virmos para aqui, para o apartamento, eu apercebi-me de que, para ti, era penoso pronunciar essa palavra. Um dia, disseste-a, à entrada de minha casa, e tens toda a minha gratidão pelo facto de a teres dito. Serviu para que eu me decidisse a acreditar em ti, no teu carinho. Mas não podia aceitá-la, porque teria sido uma base falsa para este presente, que nessa altura era futuro. Ao aceitá-la também teria tido de aceitar que tu te submetesses, que te obrigasses a uma decisão para a qual ainda não estavas preparado. Em contrapartida, submeti-me eu, mas como é lógico, posso estar mais segura das minhas reacções do que das tuas. Eu sabia que, mesmo submetendo-me, não te guardaria rancor. (...) Por isso te digo que agora não tenho a certeza de que o casamento seja a nossa melhor solução. O que é importante é que exista algo que nos una; esse algo existe, não é verdade? Ora bem, não te parece mais poderoso, mais forte, mais bonito que aquilo que nos une seja isso que existe verdadeiramente e não uma simples formalidade (...) E, finalmente há o teu medo do tempo, de envelheceres e eu olhar noutra direcção. Não sejas tão melindroso. Aquilo de que eu mais gosto em ti é algo que o tempo não será capaz de te tirar.»"

Mario Benedetti, in A Trégua

"(...) ao aceitá-la também teria tido de aceitar que tu te submetesses, que te obrigasses a uma decisão para a qual ainda não estavas preparado. Em contrapartida, submeti-me eu, (...)" - esta frase foi talvez das que mais me marcou neste livro. Li, sorri, fechei o livro, percebi a sensibilidade do homem que o escreveu e o entendeu: o gesto de amor, dos mais belos e mais imperceptíveis. Acho que este pequeno grande pormenor passa ao lado de tanta, tanta gente; e este pequeno grande pormenor é amar, amar verdadeiramente. É incrível como isso passa tão despercebido, como não entendem, como quem vê de fora não percebe, que às vezes nos submetemos ao inimaginável para não submetermos, não obrigarmos, quem amamos ao que imaginamos não estarem preparados para fazer, para que, no fundo e afinal, não se submetam. Simplesmente não se submetam. E ao fazê-lo ser opção consciente, sem mágoa, sem exigência alguma, apenas por não querer provocar, ou de alguma forma forçar, uma reacção no outro que queremos que seja livre e espontânea: verdadeira. Só assim o admitimos, só assim o podemos querer - verdadeira -, seja qual for o tempo necessário para que nasçam em si certezas, porque só queremos alguém com a certeza genuína - aquela que nasce por dentro, selvagem e livre, cheia de força, cheia de si. Só assim terá força, a força da vida que pulsa no sangue que o coração faz correr - que faz viver realmente.
Provocar uma resposta não é responderem-nos, é reproduzirem o que queremos ouvir, não nos responde a nada, é uma espécie de monólogo estéril, que só contenta a quem gosta de se ouvir: quem não ama, não sabe amar. Porque quem ama só quer amar e ser amado - sentindo que ama e que é amado -, e isso nunca pode implicar submissão a não ser ao próprio amor ("em contrapartida, submeti-me eu"...). Não se força, não se provoca, não se faz, surge, e quando surge tem a força que dá a certeza de ninguém ser obrigado a submeter-se - a não ser ao amor que os dois sentem, ou não vale de nada, não vale nada. E isto, isto que se sente assim, é uma coisa que o tempo não pode tirar, o que pode tirar - e tira certamente - é a certeza de que o outro nos deixa sempre submeter, sem nunca se submeter ele ao amor que devia ser dos dois, sem nunca chegar o tempo, dentro do nosso tempo, de querer realmente ficar junto, e que "importante é que exista algo que nos una". E isso seja vivido.


Música do caminho dourado e frio de hoje até estas quatro paredes.
Dull Gold Heart - gosto de muitos dos títulos das músicas desta banda, e da sonoridade também... combina com o caminho e com a disposição de hoje de manhã...
Bom dia
[registo do último amanhecer registado em 2016, 
à porta duma casa vazia comigo, à porta dum novo dia]

Quero encostar o amanhecer ao meu olhar, colá-lo, 
até que a noite não me aconteça. É à noite que eu acordo. 
Adormeço profundamente com o amanhecer a embalar-me devagarinho as paredes do quarto. 
A noite acorda-me a casa toda.
Quero beber a luz até que a escuridão não me aconteça.

quarta-feira, 4 de janeiro de 2017


Bj - recebi

Beijo, não bj
Beijo é coisa que não se abrevia.
Se se abrevia não se dá. - respondi

Beijos.
Plural. 
Sem abreviaturas ou cortes.- recebi

Pluralidade morta por inexistência.
O beijo é sempre o mesmo,
como um amor que se veste
todas as manhãs de mil cores diferentes,
é sempre o mesmo
ainda que nunca igual.
há coisas que não têm plural,
porque não se contam
porque não têm número,
se não são para fazer número.
São inteiras em cada parte,
indivisíveis num todo
que não se parte nem reparte,
que cabe inteiro em cada beijo
que veste cada manhã
do mesmo amor
da cor do dia
às vezes sem cor.
às vezes sem beijos. - pensei, penso, pensarei?... e respondi, mas já não mando beijo

Com o último cigarro do maço entre os dedos, olho pela janela que chove por fora. Tudo acontece por fora e a vida toda trancada dentro, amarrotada para caber. 
Detesto ficar sem cigarros, tenho sempre a sensação que vou querer mesmo fumar um cigarro e não vou ter. Não gosto dessa sensação, mas muitas vezes acontece, e tantas outras em que acontece querer coisas e não poder tê-las. Mas estou aqui, assim, entre a chuva de fora e a sede de dentro, e ponho-me a pensar sem chão, nas coisas que se querem e não pertencem às nossas mãos. Realmente já fui mais do que sou, já fui mais alma, já senti demais, e entre as palavras com que escrevi o demais havia talvez esperança e alguma fé no amor, nas pessoas, na verdade, e isso fazia tudo sair mais intenso, mais forte, mais sentido, com mais vida a correr por dentro, com uma força que se sentia por trás das palavras escritas a gritar muda uma certeza paralítica. Agora não, agora é talvez resignação, reflexões dispersas, pensamentos salteados, cigarros que falam monólogos... Incertezas esquizofrénicas. Eu já fui muito mais, muito mais que isto, mas não soube fazer isso sobreviver em mim, sobreviver a mim, morreu quando tive de matar gente dentro de mim, e quando me morreu gente de dentro. Se calhar amarguei, tudo aquilo que realmente queria evitar... se calhar foi isso, ou então não amarguei mas perdi a doçura, estou assim naquele ponto do não ser nada, nem doce nem amarga, uma coisa a meio caminho de lugar nenhum, só isso, uma encruzilhada de caminhos sem norte. Não gosto de olhar para trás e perceber que perdi tanto de mim, coisas que gostei de descobrir, que eram minhas mas que não estão, não estavam, nas minhas mãos, afinal. Porque as perdi sem querer perdê-las de mim. É o custo a pagar por queimar pontes, e eu paguei-o: apaguei-me. Perdi os caminhos para me chegar.

terça-feira, 3 de janeiro de 2017

Não, não devia ter mais paciência... esgotei-a!!
Estou farta de gente parva demasiado ferida de estupidez, e que saem sempre impunes...
Não deveria ter mais paciência, mas devia ser rica e morar temporadas em Paris, 
ou em algum lugar longe de certas criaturas... IRRA!!



... Dava jeito. Guardar só o que se aprendeu mas esquecer onde ou como. Tal como nem sempre sabemos onde aprendemos determinada coisa, ou já não nos lembramos onde, ou a quem lemos certa frase. Interessa que fique, que se saiba parte de nós, que tenha sido assimilado o que aprendemos, mas não precisamos saber tão bem a que custas, e onde, o aprendemos... A não que sejamos fãs de citações (não é o meu caso, embora goste muito do seu a seu dono, e no caso as citações são inevitáveis para evitar o roubo). 
Corta-se o cordão umbilical ao passado e com isso talvez eu consiga cortar o meu ao caos, mas também a tanta coisa boa de mim que perdi.
Bom dia

[foto: @_mylight_]

Hoje li, num dos blogs que gosto de ler (o de dentro para fora), um diálogo entre uma menina bonita - como lhe chamaram, e eu concordo - e alguém que tem um nome capícua, o que diz muito se calhar, porque pode-se ler da frente para trás e de trás para a frente: é consistente, olhe-se por onde se olhar vê-se o mesmo, lê-se o mesmo (eu gosto muito de capícuas, pronto, sou suspeita, admito). E ao lê-la tem-se a noção de haver ali a solidez do tempo que viu o essencial. E então dizia-se, a páginas tantas, que quando começamos a gostar mais de nós os outros acompanham a tendência, começam a gostar mais de nós; que quando nos respeitamos mais e sem condescendências, os outros passam a olhar-nos com mais respeito. E que isto é um processo lento e duro, e eu concordo, acho que é tão lento que eu às vezes acho que ainda não saí da casa de partida, e é duro porque se calhar temos de estar sempre a lutar para sair de sucessivas casas de partida. O que eu não sei é se realmente será verdade esse efeito espelho que se fala em relação aos outros, ou se afinal é esse o reflexo do espelho que passamos a ver, se não é apenas a maneira como vemos o reflexo que muda, porque - lá está - temos tendência a ver as coisas, não como são, mas como somos (como dizia Anaïs Nin), então nem gostam mais de nós quando aprendemos a amar-nos acima de tudo, nem gostavam tão pouco quando achávamos que não havia grande coisa que amar em nós. É sempre, e só, a nossa perspectiva que altera... Mas na realidade nada disso interessa, porque os outros sim, são sempre o reflexo do que vemos no espelho, nós temos é de tratar de limpar e embelezar e apreciar e valorizar o que vemos no espelho, e isso faz-se operando o nosso olhar, operando por dentro o nosso olhar, onde fabricamos o mundo que podemos ver e com que nos vemos. Agora gaita... Como raio fazer isso? Chegamos a uma só rua depois de bem medido o mapa, mas essa, essa é uma rua sem respostas nem saídas. É um beco forrado a muros e todos são espelhos. Acontece-me sempre isto. Chegar a um lugar que não dá para lugar nenhum e não ser sítio de abancar. Reduzir-me a uma pergunta de que não sei respostas. Nenhumas.
Vou fumar o último cigarro e esperar que amanhã me nasçam dons de cirurgia interna de olhares... Estava precisada estava.

segunda-feira, 2 de janeiro de 2017



... Hoje resolvi tirar uma fotografia antes, ainda cheia a chávena, mexida com pau de canela, que se eu não estivesse completamente entupida ia conseguir cheirar... Assim, pronto, é só o sabor que é ligeiramente diferente, porque me apetecia uma coisa diferente, às vezes tenho estas coisas, apetece-me fazer o que sempre faço, mas com qualquer coisa diferente. Começar a escrever com a chávena cheia em vez de vazia, como nos últimos dias, pintá-la de canela como me apeteceu... Idiossincrasias tontas, é o que é. Gosto de manter os hábitos só não gosto que seja sempre igual. E aqui estou, ainda em casa, a curar o vírus - ou melhor a ver se me livro dele. Preferia tomar este café à lareira, era o que me apetecia, mas só tenho quatro bocados de madeira e, além da preguiça costumeira, o vírus não aconselha ir lá fora buscar mais - resigno-me à mesa da cozinha e à falta de uns braços que me fossem buscar a lenha lá fora, para depois me darem também abrigo em frente ao crepitar dançante da lareira. Resigno-me. Aqui fico. 
Tive uma boa notícia, uma amiga vem para cá para o burgo trabalhar, tão bom!! Fiquei contente, é como uma irmã de alma, faz-me muita falta. Acho que as minhas pessoas me fazem sempre mais falta, que me apego sempre um tico a mais. É assim com toda a gente, mesmo depois do fim das coisas, dos apeadeiros da vida, lembro-me mais, sofro mais, tenho saudades mais fundas do que do outro lado. Não sei por que é assim, mas é. Um amigo uma vez descreveu-me e foi na mouche... "Cuidado, é difícil entrar no coração dela, mas é muito mais difícil sair"... E esta é uma verdade plena e tramada. Muito tramada. Para mim, claro. Porque é de facto muito mais difícil sair, ainda que não seja por isso que vá atrás de alguém, mas é por isso que me lembro, que tenho pena, que a saudade às vezes se abre num sorriso de nostalgia... Mas isto tudo porque vou ter perto alguém que tenho tão dentro, e isso também quer dizer que as minhas fugas para longe vão acabar, o que na verdade era um hábito que eu gostava. Era uma sensação de rede, de quando me quisesse atirar, só para fugir da tarefa de me equilibrar, atirava-me, e ela apanhava-me à porta de casa e dava-me para abrigo o quarto vizinho do céu. Gosto do céu por vizinho no seu guarda chuva de estrelas que me abriga do olhar do mundo e me desobriga de tudo durante um luar ou dois.
O café está bebido, a chávena está vazia. O texto está cumprido e até comprido.
E é assim que acabo o primeiro dia do ano que agora começou: à janela a fumar o cigarro proibido é único do dia, agasalhada até ao esqueleto, cheia de lenços de papel à volta e juntinho à janela que hoje não me viu do lado de fora. Não me lembro de acabar um ano e começar outro... Será que nós só substituímos os anos? Se calhar foi isso que andei a fazer nos últimos... Mas continuando, não me lembro de outra passagem de ano passada assim. Valha-me que o vírus também deve ter querido dar uma volta, e ontem a coisa foi mais ligeira... Mas vingou-se hoje, pois, havia que recuperar o tempo perdido. Mais ou menos como eu, aqui, agora, a ver a nudez da rua deserta e calada, onde a única coisa que mexe são as folhas das árvores que ainda resistem penduradas nos braços da mãe, a dançar a noite enquanto não dão lugar ao vazio que dará lugar a outras. Será que também pensam que são só substituídas no tempo?