segunda-feira, 29 de agosto de 2022

 

Tríptico do anoitecer com a minha lua-pestaninha a vigiar a metamorfose de cores, o fechar os olhos do dia, o afundar lento da noite nos telhados. Gosto desta janela, destas cores, e dos finais de dia, mais que dos amanheceres. A manhã corre e tem a força do fazer, do acontecer, do ter de. A noite caminha ao luar e fica ensimesmada com o lua, olha para dentro. Quando faz um desejo, guarda a pestaninha no bolso, e deixa-a para nós vermos.

sábado, 20 de agosto de 2022

 


“Como é que a novidade chega ao mundo? Como é que nasce?
De que fusões, translações, conjunções é feita?
Como sobrevive, sendo extrema e perigosa como é? 
(…)
Será o nascimento sempre uma queda?”
Salman Rushdie, Versículos Satânicos (nunca tinha lido, e acho que estava na altura, ainda que me tenha relembrado pelas piores razões….)

Nascemos todos com o ar a ferir-nos as entranhas? A queimar-nos uma existência anterior? Cada nascimento é um choro novo, é um novo ar a queimar a comodidade dum passado que já não respira. Cada nascimento é uma queda, normalmente livre. Nem sempre se sobrevive à queda.



sexta-feira, 19 de agosto de 2022

 

Um copo de vinho, o segundo. Um cigarro, o primeiro. As cigarras, várias… e a luz que foge ao longe, enquanto a brisa passa a lamber a pele ainda quente, e aconchega o anoitecer que se entranha. Tudo doce, tudo passageiro. Tudo eu, ou quase. 

domingo, 14 de agosto de 2022


 :)))

Oh pra mim a fazer coisas como apanhar um entardecer ao ar livre, beber um café fora de horas (para mim depois das cinco já é coisa para dar noitada a contar carneiros, mas vai daí não os vejo há tanto tempo… que arrisco) numa esplanada quase deserta com um sino por perto que me dá conta que as horas se marcam.



 Ontem as meninas foram às vacinas. Para fim‑de‑semana até me levantei cedo… entrei de férias às nove e dezanove de sexta-feira - mandei duas mensagens a dizer que tinha entrado de férias (Iupiii!!) naquele minuto por isso sei o momento ao minuto - vim para casa e saí ontem para levar as meninas às vacinas. Pensei voltar para casa, comer alguma coisa a fazer de almoço e ir a uma esplanada beber um café. Não fui. Não saí mais de casa. Fiz umas poucas coisas por casa, sentei-me no sofá a queimar neurónios com tretas e a comer tempo sem encher a barriga. Tenho andado assim. Há agora coisas em mim que não entendo, costumo conseguir chegar à raiz das coisas, e com isso deslindar-me. Mesmo que com isso perceba que tanto do que fiz foi estupidez, mas foi sempre estupidez pura. Nunca houve deste lado manipulação, estratégia ou mentiras. Agora deparo-me com reacções que não consigo perceber em mim. Até isto de não sair de casa, de não querer nada, de me deixar ao sabor do tempo que não voltará. Tive um café marcado ontem à noite, bem acompanhado por um jazz numa noite de verão. Meia hora antes disse que não ia, já não ia sair de casa. Não me apetecia, não me apetece. Sempre soube que tinha de contrariar certas inércias, muitas faltas de vontade, e de uma forma ou de outra, sempre fui conseguindo. Havia sempre isso, ao fim‑de‑semana um café numa esplanada com um livro por companhia, ou a observar a paisagem humana. Obrigava-me a sair, a arranjar-me, a apanhar ar e a ler mais. Outro hábito que me devolve, que me traz a mim, que me faz sorrir ou gargalhar sozinha. Agora não sei para onde foi isso tudo. Será que já não estou nesses rituais tão meus? Onde será que eu fui parar? Alguém me repesque e me devolva se faz favor!... Parece que pairo no tempo parado e nada me move, nada capta a atenção ou a vontade. E acima de tudo o que noto, e talvez seja essa a raiz por confirmar, não tenho qualquer noção de futuro presente. Nada. Uma completa ausência da ideia de futuro. Não é só não fazer planos, é não me recuperar não sei do quê para ter como os fazer. Dantes tinha formas de me contrariar a disposição e a inércia, e depois no futuro isto ou aquilo. Agora não há isto ou aquilo. Há agora, e agora não me apetece pevide… cumpro as obrigações, não me sinto mal, não estou triste nem contente, e custa-me a justificar-me que tenha de mudar isto… Porque é estranho, é muito estranho, efectivamente não estou triste nem contente, não me sinto nada mal, acho que nem sinto sequer!!... talvez seja apenas uma fase de transição de quem aceitou que não querer nada, não querer lutar por nada, não esperar nada, é a melhor forma de viver. Ou a mais cómoda, ou a mais segura e recomendável para a saúde duma criatura. E é isto tudo que não entendo em mim. Nunca fui assim. Sempre tive ganas debaixo das unhas para esgravatar, para lutar contra, para querer mudar o que acho que não está bem... Agora fico bem se me deixarem no meu canto, com os cães aos pés e tempo para a cabeça não pensar em nada… 

Realmente há qualquer coisa de terapêutico para mim no escrever… não era nada disto que tinha pensado dizer quando pus a foto das meninas a chegar das vacina (e sim eu sei que o carro está sujo mas está como está, por isso a foto é o que é, mas não atrapalhou o olhar delas…que é a piada toda da coisa). É que a minha pequenitates vem hoje e as saudades são muitas e as novidades e cusquices serão quase tantas, e amanhã vamos para o nosso Alentejo e era de lá que eu não devia sair. Coser o meu olhar àquele horizonte, o meu coração àquele silêncio tranquilo, e a alma, a alma àquele céu imenso meu deus…  E que hoje, hoje vou pegar num livro e nuns óculos de sol e juro que vou lá fora. Juro. Pelo menos até a varanda está confirmadissimo!!  :)))

domingo, 7 de agosto de 2022

@ryanandray 

Cheira-me que este fim de semana vai ser de não pôr o nariz fora de casa. Ontem só atravessei a rua para ir pôr o lixo, hoje nem isso preciso. Uma das coisas que a pandemia mudou em mim foi a necessidade de sair para tomar café ao fim de semana. Era um ritual meu, não importava se fosse às duas da tarde ou às cinco, mas saía de casa para ir a uma esplanada, ou a algum lado, beber um café, ver gente, levar um livro e ler, observar a fauna circundante, trocar sorrisos com desconhecidos, obrigar-me a sair e ver gente. Desde que me separei que assim era. Ao início, com a miúda no carrinho, que passava depois para o colo onde adormecia melhor, aconchegada a cheiro a café. E eu ficava ali, às vezes a ler, outras só a senti-la dormir. Agora já não me cabe no colo, e quando está comigo e se vamos, ela também toma café. Mas vamos menos. Hoje ela não está e não me apetece mexer, sair porta fora, ver gente, nada. Devia ir passear a tracção às quatro e nem isso me puxa, coitada da bicha. Não me apetece. Há fases assim. Outras há em que me esforço por contrariar isto, esta preguiça ou falta de vontade ou o que for, mas esforçar-me para quê? Já não ha esforço suficiente no trabalho a aturar gente doida que não me grama? com a família que temos de lidar e às vezes parece que o verbo é só aturar; nas relações, de todos os tipos, que queremos que dêem certo? E para quê? Continuam a não nos gramar, a família continuará a ser a mesma e as relações independente do esforço mais das vezes não dão nada. Só magoam. Olhamos as mãos vazias e enfiamo-las nos bolsos. Só pensamos... não me chateiem. E deixamo-nos estar da única maneira que não nos sentimos sós: ficando sozinhos, em casa com as nossas coisas, com os cães à volta, que nos ouvem e percebem até o que não dizemos. Tão mais que muita gente, que nem o que dizemos ouve, quanto mais entender... 

Cada vez mais comprovo a teoria que me acompanha desde que me conheço, de que na vida, depois de assegurar a nossa sobrevivência e a dos nossos (sobrevivência, não caprichos, vontades, exigências e afins), só devemos fazer o que nos apetece... uma vida de sacrifícios é uma vida que não nos pertence, não é nossa nem para nós. Geralmente os outros também não reconhecem o sacrifício, pelo que não o valorizam ou retribuem de alguma forma. O melhor é fazer o que nos apetece mesmo, e só o que nos apetece. E hoje acho que não me apetece sair de casa.

sábado, 6 de agosto de 2022

Hoje dói-me pensar,
dói-me a mão com que escrevo,
dói-me a palavra que ontem disse
e também a que não disse,
dói-me o mundo.

Há dias que são como espaços preparados
para que tudo doa.

Só deus não me dói hoje.
Será porque ele não existe?

Roberto Juarroz

E ele não existir dói-me. Talvez houvesse uma possibilidade de ordem nessa existência. Uma esperança de confiar. Um mal e um bem, um certo e um errado. Uma justiça velada, mas feroz. Uma mão que amparasse, uma voz que indicasse, uma presença que aconchegasse o vazio. Uma ideia que nos inundasse e nos tomasse, varresse todas as dúvidas. Uma razão para a emoção, uma emoção com razão. Uma crença em algo que dá alento, um sentido no abismo do caos, um fabricante de coincidências como migalhas para um destino.  Nós concretos na teia do abstracto. Alguma ordem onde não há nada. E esse nada dói. Esse nada é não saber, não saber quase nada. Todos os quases doem. Quase sempre. O sempre já não me dói. Será porque não existe?

sexta-feira, 5 de agosto de 2022


É tão fácil estar assim, perto. Difícil é percorrer a distância, o caminho às vezes tortuoso, descalços e perdidos e cheios de medo, até lá chegar... e lá onde? Há quem não saiba, que procure um destino e os checkpoints que confirmam a direcção certa, mas não, não é um sitio a que se chega, é uma cumplicidade que se bebe em e de alguém, é a intimidade que o olhar denuncia, é um sermos que não é tu seres ou eu ser. É sermos, sem fronteiras definidas nem necessidade de passaporte. Se calhar há quem nunca chegue, mas é tão fácil. às vezes estamos perto e não sabemos. Estamos à procura dum sitio, e como nos descreveram como seria, como lemos, como sonhámos. às vezes estamos perto e não sabemos. Outras nem nunca rondámos o quarteirão. Não percebemos nada de distâncias ou proximidades. Eu não percebo nada, de nada. Só queria que o perto não se tornasse um sonho que as desilusões impediram. Há anos que tento, que me esforço para que a amargura da mágoa não me amargue, mas a única coisa que consegui foi perder o paladar, o olfacto, e a crença em não sei o quê, perdi o sentido de ouvir os sentidos porque nada do que vivi e aprendi faz sentido, porque agora nada me sabe a nada, ou quase. Nada me sabe verdadeiramente bem, ou mal. É como comer esferovite todos os dias. Ou perto disso. Muito perto. Não mata ninguém, mas de viver não anda nem perto.

quarta-feira, 3 de agosto de 2022

 Perguntam-me como estou, estou bem, obrigada. 

Não me recomendo, mas isso já não é de hoje... Já estive muito pior e o hábito - ou mesmo a armadura - é uma coisa que se entranha, como um certo orgulho (talvez parvo), uma dignidade de que nunca abri mão, um não correr atrás de quem sugere a porta para eu sair. Para correr atrás não pode haver vontade alguma de deixar alguém para trás, não concebo tal. Só corro atrás de quem não escolhe deixar-me para trás. Já matei muita gente dentro de mim, alguns enquanto respiravam ao meu lado - e quem sabe o que isso é, sabe que é morte que nos mata também, que lentamente nos amputa partes de nós -, mas seguimos caminho que a vida continua a caminhar até quando paramos para tomar fôlego. Eu fico onde tenho de ficar, vou para onde os dias e a vontade me levarem. Onde o meu olhar puder poisar e ver além. E a alma, essa, deixo-a para quem me cuida, e não responde a perguntas de algibeira. Estou bem, obrigada.

segunda-feira, 1 de agosto de 2022


Esta frase - que eu sinto tão bem e tão por dentro - faz-me lembrar outra que já publiquei, aqui ou noutro sitio parecido, e que diz (mais ou menos, vá)  que a maior cobardia de um homem (pessoa, entenda-se) é despertar o amor sem ter intenção de amar. Lembro-me bem desta frase e de falar nela, de ter tocado profundamente (ou parecer, que isto das nossas conclusões andam demasiadas vezes muito longe da realidade ) uma certa pessoa numa certa altura, porque lhe serviu a carapuça até aos pés. Todos sabemos que qualquer inicio é um risco, mas não deveria ser uma certeza de permanecer seco na tempestade. Não devia ser um faz-de-conta-que-isto-não-é-nada. Não deveria ser fingir arriscar um inicio, mas ter um plano de fuga - isso não é arriscar a alma, é fazer contabilidade emocional. Largar o lastro quando o peso pesar, decidir quando, e como, fugir da tempestade que o próprio começou. Cobardias há muitas, o cardápio é extenso, e a mim já me serviram algumas. A frio. Não me surpreendem, mas ainda me apanham desprevenida, é certo. Até quando me canso de prevenir as pessoas... ou principalmente nesses casos, curiosamente.