sábado, 3 de junho de 2023

 

What are your top 7 rules of life?

1. Everything you say should be true but not everything true should be said.

2. Just because a decision hurts, doesn’t mean it’s wrong.

3. The path of inner peace begins with 3 words: not my problem.

4. Normality is a paved road: It’s comfortable to walk but no flowers grow.

5. Never carry old feelings into new experiences.

6. The more you like yourself, the less you’ll need others to.

7. The cave you fear to enter, holds the treasure you seek.


Apanhei isto nos rascunhos, não sei há quanto tempo terei guardado estas 7 linhas em jeito de regras de vida - e eu que gosto tanto de listas e de regras -, mas percebo por que as guardei e percebo que há aqui ensinamentos recorrentes, coisas comprovadas muitas vezes já na minha vida, directa ou indirectamente. E outras que tenho mesmo de interiorizar, a bem da minha sanidade mental.

A primeira há não muito tempo foi tema de diversas conversas. Nem sempre e fácil as pessoas perceberem a diferença entre: dizer tudo, e dizer sempre verdade; para dizer tudo, ou falar de tudo, terem de mentir (mesmo que para supostamente proteger); e não dizer sempre tudo, mas tudo o que se diz ser verdade, sendo que as omissões também não provocam mágoa. São três realidades diferentes, posturas diferentes, valorizações da verdade distintas. É uma regra simples, mas nem sempre é facil de entender, e às vezes mais difícil ainda de pôr em prática. Desde que me lembro que (para mim) a verdade é algo imprescindível, sobrevalorizado provavelmente até, mas é o que me assegura que as decisões que tomo são minhas, bem ou mal mas minhas, com base na realidade das coisas. Sem a informação verdadeira e disponível, as decisões são condicionadas, a liberdadae de opção é-me retirada, limitada - é-me negada, e essa sensação eu detesto e custa-me esquecer, na verdade. Sinto-me manipulada. Prefiro saber a verdade toda e ter de a enfrentar, de lidar com ela, seja ela o que for, e decidir de acordo, do que não saber tudo ou mentiras. Tive durante muito tempo de ouvir realidades que me custavam horrores, mas preferi sempre sabe-las, e ter de lidar com elas e com a dor que me causaram, do que mentirem-me ou omitirem (ainda mais do que fizeram). São opções, e acarretam muitas consequências. Se queremos a verdade depois não podemos maltratar o mensageiro, não podemos dizer que queremos saber a verdade mas depois tornar impossível que nos contem a verdade porque não sabemos, ou queremos lidar com ela. É preciso alguma maturidade e muito estômago, e só é recomendável para quem valoriza muito a sua liberdade de escolha, de opção, de decisão.

A segunda é bastante óbvia, mas é uma verdade que nem todos querem ver. É muito melhor a comodidade do que se sabe e conhece do que decisões que mudam as coisas (às vezes é só assumirem que mudaram, porque há muito que mudaram mas insiste-se em assobiar para o lado). Assumir mudanças às vezes dói, umas vezes a nós, outras a quem nos rodeia. É preciso perceber que só porque dói não quer dizer que esteja errado, há coisas que têm de doer, não há forma de contornar, e se não o assumirmos vão doer doutra forma, às vezes mais, outras vezes mais tempo, e outras ainda mais e mais tempo... mais uma vez protegermos a mentira, fugirmos da realidade, porque é duro, porque nos protege de mágoas e dores não é a melhor decisão. Muitas vezes é mesmo a pior...

A terceira custa-me muito aceitar, confesso. Percebo que seja uma realidade, mas talvez tenhamos de distinguir o que é problema nosso, e o que é problema nosso por vias travessas, por ser problema de quem gostamos, de quem queremos bem. De ser um problema nosso - ou sentirmo-lo assim - não estarem bem. E também distinguir quando podemos fazer alguma coisa, de quando não podemos fazer coisa alguma. Dar murros em pontas de facas não dá saúde a ninguém, sendo em relação a problemas nossos, ou do vizinho. Acho que a paz interior começa onde acabou tudo o que podíamos fazer. Assim faz-me mais sentido. E estou em paz em relação a maior parte das coisas na minha vida, em tudo (ou quase) sei que fui até ao limite das minhas forças, tentei tudo, dei tudo, e tenho consciência que foi esse o preço da paz interior que sinto em relação a essas coisas. Daí também,  provavelmente, ter tão poucos arrependimentos na vida.

A normalidade, pois, um conceito estranho. Estranho nos dias de hoje, onde a normalidade não parece muito normal. Porque normal é de facto um conceito estatístico, e não um juízo de valor. Certo é que fazer parte da manada não destaca ninguém, e as flores do caminho, são isso: bons feitos, acontecimentos belos, marcos que ficam pelo caminho carimbados de sorrisos. E Às vezes o não ser da manada é apenas olhar de forma diferente para as coisas, não mais do que isto. Mas tudo é estranho quando o normal hoje é todos serem "especiais". É só mais uma manada. Difícil hoje em dia é pensar pela própria cabeça - e já agora ter uma -, é saber distinguir o politicamente correcto tonto do respeito que o outro nos merece, difícil é chamar as coisas pelo nome e assumir o que se pensa - e já agora pensar e não apenas repetir o que se ouve ou lê nos títulos apelativos. Às vezes serão chamados de malucos, e não "especiais" (que chatice...), outras serão chamados e tratados como coisas piores, mas mais uma vez - e à semelhança do que foi dito umas linhas acima - não quer dizer que estejam errados... o difícil é assumir o que realmente se pensa... ahh e pensar, isso também me parece cada vez mais difícil.

Não trazer mágoas antigas, a bagagem de que a vida nos foi carregando, para os dias novos, para o futuro que se vai fazendo a cada presente. Percebo, mas não me parece que haja forma de efectivamente o fazer. As mágoas antigas, o que nos doeu, o que passámos, ainda que seja já passado deixou marcas à passagem. E ainda bem, é assim que aprendemos e podemos evitar os mesmos erros. Sim, as situações não têm de ser as mesmas, as pessoas são todas diferentes, é certo, mas nós somos os mesmos... e há coisas que já sabemos que não queremos. Mas percebo que não podemos assumir que sabemos ou que iremos reconhecer todas as situações, por isso percebo a ideia, não levar ideias preconcebidas para situações novas, entendo. Acho eu.

Esta sim é uma grande verdade para mim, e que eu gostava tanto de ter em mim. E acho que vou tendo cada vez mais com o tempo, até demais porque cada vez gosto mais e quero mais estar sozinha. Sozinha é como me sinto melhor, não desiludo ninguém e ninguém me desilude, não tenho de tratar de ninguém a não ser de mim, e eu sou low maintenance. Cada vez mais gosto da minha companhia. Quanto mais nos soubermos valorizar, e avaliar o que de bom e de mau temos, menos precisamos de validações eternas e menos nos afectam os defeitos e falhas que nos apontam. Quanto mais certos tivermos do nosso valor menos precisamos que os outros nos valorizem.

Finalmente, os medos. Sim o que haverá de extraordinariamente raro na vida estará do outro lado dum medo qualquer, e é por isso que é raro senão seria o dia a dia. Quando o que queremos é algo difícil para nós então isso estará atrás de um muro qualquer que teremos de transpor, que temos de medo de tentar trepar, que temos medo de não conseguir, que temos medo ponto. Se calhar o que temos de perceber é que o pior que pode acontecer é termos de assumir e confrontarmo-nos com o facto de que não conseguimos. E não é pouco, mas não é tudo. É isso que ando a tentar aprender.


segunda-feira, 29 de maio de 2023

[foto de Jacon Sutton]

 "O mundo é só o chão que pisamos, o resto somos nós" - foi uma das frases que escrevi, e a última que disse quando me pediram as impressões daquela experiência, que pediram para repetir para poderem apontar e ficar, depois de andar pela sala de olhos fechados o mais lentamente que conseguíssemos. E é giro, tudo é diferente quando fechamos os olhos. Temos de reaprender a andar, e aceitar o baloiçar do corpo hesitante como um navegar do tempo desconhecido, do futuro, do passo seguinte. Estou num ponto estranho da minha vida, a dias de voltar a trabalhar, de extinguir o meu posto de dondoca, sem qualquer vontade e com a angústia de pensar que não o deveria fazer já, que preciso de mais tempo, que preciso ainda de me ajustar a muita coisa, de reaprender a andar. Pensei que teria pelo menos dois meses antes de começar a procurar, mas ao invés, vieram à minha procura, muito tempo antes de eu esperar... e por isso esta experiência em que mergulhei nos primeiros dias de liberdade ficam agora meio desamparados, como eu. Há alturas na vida em que começamos a procurar coisas diferentes, ou que julgamos diferentes, e descobrimos que afinal têm muito de nós. O yoga entrou devagarinho nas minhas rotinas, mas tinha o condão de me voltar para dentro, ao mesmo tempo que me calava os diálogos interiores, e isso dava-me paz, descanso de mim. Fiz do yoga uma actividade exigente em que tudo requer atenção, o alinhamento, a posição, o alongamento que devemos sentir, os musculos que ficamos a conhecer e não sabíamos da existência, e isso tudo não deixa espaço para outras vozes - e percebi que era a altura em que habitava mais, mais do meu corpo. Em que tinha mais consciência de cada recanto meu, e do que perdemos no meio do uso diário de nós mesmos. Então embarquei nesta coisa de saber mais, por curiosidade, por vontade, por responsabilidade também... para saber o que ando a fazer, porque sozinha e em casa, sem conhecimentos suficientes, posso magoar-me sem saber como (e já aconteceu andar com uma dor de costas mais de um mês à conta disso mesmo). E agora, depois do primeiro fim de semana de formação em meditação e pranayama, sinto-me meio perdida, talvez até meio na direcção errada. Mas a vida não se compadece de nós, e não espera por nos desenvencilharmos de nós mesmos, de nos resolvermos, de parar a vida, até que possamos acompanhar o ritmo e os dias... daqui a três dias começo a trabalhar e vou ter de encaixar tudo, e vou ter de ser toda em cada coisa. Ainda não sei como me vou fazer, ou aos dias, ou à cabeça que deve comandar as coisas se ainda mal se aguenta com tanta coisa que aconteceu durante tanto tempo, e só agora pareço perceber isso. Depois penso o que diria meu pai de tudo isto... ou até a minha mãe se fosse possível uma conversa... e não sei. Mas sei que teria tanta curiosidade quanto eu em relação a muita coisa, e isso aquieta-me, mas não me reduz a angústia, o peso, o medo. Esse medo de caminhar devagar, descalça e de olhos fechados, que obriga a reaprender equilíbrio, a contar passos para me orientar, a levar as mãos esticadas à frente para saber ao que vou e amortecer os choques... mas sempre esta sensação, de que o mundo, o lá fora é só o chão que pisas, o resto é tudo cá dentro, e não tem de ser escuro. Mas baloiça como os barcos a ajeitarem-se às ondas do mar. Como uma dança de que não conhecemos a música, onde só o corpo e alma são instrumento para tocá-la e dançá-la. 

Nessa complexidade simples de não haver como tocá-la sem dançar, nem dançá-la sem a tocar. 

quinta-feira, 25 de maio de 2023


 Olhar para trás,

 e sentir que é já para trás que se olha.

(e é bom, no meio de tudo, sentir que ficou lá atrás, é bom)

 Se eu soubesse explicar não estava aqui, assim, com as palavras a entermelarem-me os pensamentos, com as teclas debaixo dos dedos sem saberem como dizer o que dizem, com a cabeça a afogar-se, a afogar-me. Neste ponto onde nada faz sentido, e onde se sente o sentido de tudo, como uma clareza que não se toca, mas se desembrulha de forma estranhamente límpida algures no nosso ser. Como um destino que se adivinha no emaranhado de possibilidades de futuro... porque vão todas brutalmente acabar ali, naquele nó. Onde tudo se repete, onde tudo se repetirá, onde eu serei outra que já sou sem saber. Direi um dia o que oiço? Serei um dia o que vejo? E sinto a resposta como se a soubesse, mesmo que não a saiba. E a cabeça a afogar-se na impossibilidade abstracta de outras possibilidades, que não se sentem possíveis, e os soluços já não travam a velocidade de tudo que me passa pela cabeça, tudo que quero evitar sem poder. E sempre este ponto, isto, de não chegar, de não ser suficiente, de não saber ser mais ou somente ser capaz de ser eu, sem ser. Sendo outra que não pense assim, seja assim, sinta assim, faça assim, que não se afogue assim, neste ponto. Alguém que não se tenha deixado quebrar, magoar, cair e diluir. Alguém que ao fim de um dia bom  não o perca afogado no meio de frases que ainda não dissemos, mas que ouvimos de outras bocas que um dia será a nossa. E isso mata-nos enquanto dá vontade de morrer antes disso.  E afogamo-nos no meio de tudo isto. E não pedimos ar, só que acabe depressa. 

E escrevemos, na tentativa dum ponto final.

segunda-feira, 22 de maio de 2023

 Dar nome de árvore aos beijos, para que dêem flor e fruto.

(das frases com que se acordou um dia qualquer. Daquelas que não nos largam, que se colam a nós a cada respiração... a cada sorriso também, se a frase for destas :) ... depois escrevinhamo-la algures, se tivermos juízo e pachorra, para nos largar e para mais tarde podermos voltar a ela, para lhe darmos vida quando a conseguirmos casar com uma fotografia. E um dia percebemos que a fotografia está ao alcance do abrir duma janela de todos os dias. )

Que nome dás à tua?

Bom dia!

domingo, 21 de maio de 2023

 


Há realmente alguma coisa reparadora no silêncio da natureza. Um silêncio que não é oco, não é vazio, é cheio de uma vida que nos enche, que nos repara, que nos recupera. Foram três noites e não deu para tudo o que queria, ou como queria. Ficar doente sabe deus com quê não ajudou, mas deu-me sono e dormi, fiz yoga quando me apeteceu com os olhos a alongarem também até ao horizonte. Ouvi musica enquanto cozinhei, li enquanto os olhos não se quiseram fechar. Tudo num ritmo muito próprio, muito meu, muito sem horas. As noites na serra são frias e o céu tirita de estrelas que não conseguimos contar, nem queremos.  O calor da cama conforta e aninha, enquanto os olhos se distraem pelas janelas abertas à paisagem, com as luzes da vila ao fundo, qual presépio fora de época. E a cabeça vagueia não se sabe por onde, mas volta a nós e devolve-nos, porque não há ali mais ninguém, só nós e quem trazemos dentro. Só nós e as recordações. Só nós e os sonhos. Só nós e o que nos faz, e nos fez. E a Pintarolas, claro, que atrevida elegeu um sofá de baloiço para cama mesmo em frente à janela. 
O que custou foi o regresso, e pensar no que se aproxima, no tempo que afinal não vou ter como pensava, que tudo se acelerou, que o tempo encurtou. Que a dondoquice está em perigo de extinção desde o telefonema com uma proposta, que a consciência manda aceitar porque é aliciante, e porque dondoquice não é opção de vida, por muito que me apetecesse (e precisasse) mais tempo de descanso, de reorganização, de ordenar ideias e interiores remexidos demais. Vamos ter menos tempo para fazer o que pensávamos fazer em mais, vamos ter de esticar tempo e dias para fazer tudo o que queríamos, projectos novos, facetas de nós que queremos descobrir se são nossas mesmo. Para explorarmos caminhos em nós que não sabemos ainda onde vão dar. E escrever, obrigar-me a sentar e vencer a preguiça de me desenovelar, de me desenterrar dos escombros dos últimos tempos. E aprender, aprender mais coisas, porque aprender também alimenta. E pensar em voltar. Em voltar a nós, não aqui, mas a qualquer lugar onde consigamos estar presentes, onde a alma tem um corpo perfeitamente seu, que habitamos verdadeiramente, numa plenitude que só certo silêncio compreende, e explica.

quinta-feira, 18 de maio de 2023



 Dias que enchem a alma e nos libertam a cabeça, com terra calcorreada debaixo dos pés e sol alto no olhar. Passeios e caminhos, estradas que acariciam as curvas da terra e fazem a alma dançar ao som das músicas que se vão sucedendo em sorrisos que não sabem cantar. Locais de silêncio e águas que vão correndo calmamente para onde têm de ir, numa frescura descomprometida e livre, que fazemos por beber. Pausas que fazem o tempo ter um sentido que não precisa de razão, como se a vida só se vivesse nesta suspensão do quotidiano, nos intervalos dos dias. 

Eu conseguia habituar-me a esta vida de dondoca sem esforço, a sério… anda-me a saber como a água fresca aos sedentos. Sede de vida também se sente, parece-me.

terça-feira, 9 de maio de 2023

 O meu pai ontem não fez oitenta anos, hoje a minha filha faz dezassete. Bem sei que é lugar comum dizer que não se sabe como crescem tanto e tão rápido, como o tempo passa sem se dar por ele. Mas dá-se por ele exactamente neles, nos filhos. São o nosso melhor espelho, para nos dizer do tempo, e do que temos de bom e de mau, porque o vemos neles melhor que em nós. A minha pequenita tem muito de mim, já tem é pouco de pequenita, e é também por isso que chocamos tanto e achamos normal... porque discutir é normal e os feitios não são para nos calarmos. Depois é teimosa que nem uma mula, e touro, como o meu pai. E eu tenho a mania que tenho sempre razão, já ela acha que sabe tudo. A modos que os dias não costumam ser monótonos cá em casa :))) safa-nos (às vezes) termos as duas sentido de humor e vontade de rir. Depois temos conversas sérias pelo meio, onde argumentamos e pensamos juntas, trazemos novos olhares sobre paisagens antigas, ou novas. Tem sido um caminho muito partilhado e uma viagem muito bem temperada (às vezes demais). E hoje, hoje acordei com a ideia de que nestes dias as mães deviam ter a prerrogativa de escolher a idade que os filhos deveriam ter, só hoje, só neste dia. E hoje a minha filha teria meses, e caberia perfeitamente em modo sapito em cima da barriga do meu pai, ela de braços e  pernas encolhidas, de dedo na boca e toda aninhada na ternura dele. Hoje dava tanto por chegar a casa e vê-los aos dois naqueles preparos. Ela só de fralda em cima da barriga dele, deliciados os dois naquela doçura lá deles. Tantas fotos se tiram, de tudo e mais uma botas, e aquela não tirei, mas guardo-a na memória dos meus melhores sorrisos. Que a doçura nunca te falte, e que o teu avô te continue a dar todos os beijos pequeninos, que eram só dele, através de mim, para que te lembres da ternura dele e donde herdaste a tua.

sábado, 29 de abril de 2023

 Dia 15 deste mês, há mais de uma década, quando tinha a idade que eu tenho hoje, pôs-me a mão no pescoço e roubou-me o que, descobri depois, lhe queria dar. Sempre e todos os dias a partir daí durante muito tempo. Passado duas semanas fez anos. 

Hoje entra numa nova década. 

Ontem fechei parte duma etapa da minha vida, ou sinto isso, uma que me foi particularmente difícil atravessar, mais uma. Mas sinto-me livre, aliviada, e cheia de medo, mas com aquela a sensação de que fechei uma porta a um passado. Que se virou mais uma página. E ontem lembrei-me que hoje viraria uma década. Espero que a próxima década lhe traga o que quer, que seja feliz. Esta é a minha prenda, quero que seja feliz. Nunca o consegui dizer sem me sentir injustiçada, sem sentir que isso seria construído, vivido, em cima de toda a mágoa que me deixou, todo o sofrimento, desconsideração e desrespeito que sempre me dedicou, e até algum desprezo conveniente. Nunca o consegui dizer, e nunca o disse. Hoje quero que seja feliz, só. E que recupere todo o vocabulário que perdeu, se algum dia perdeu alguma coisa de facto.

Beijo

Escrevo-o aqui da mesma forma que sempre lhe dei todo o amor, todo o carinho, toda a ternura, toda a consideração e respeito, tudo o que de melhor encontrei em mim para lhe dar. É uma coisa de dentro para fora, de mim para o outro, é uma coisa que escrevo porque precisa de sair, que entrego porque preciso e porque quero. Tem só a ver comigo e nada com o outro. Com o outro receber ou não, ouvir ou não, ver ou não, perceber ou não. Merecer ou não. Retribuir ou não. É uma coisa minha, dos meus botões, das minhas contas interiores. É uma coisa de mim para mim, que precisa respirar e libertar-se, voar.

 Querido, mudei a casa!!

Adoro esta fotografia. 

Há um grito nela, que oiço.

E um gozo, que sinto.

E uma certa petulância desafiadora, que me fala. 

E um horizonte todo a testemunhar, desfocado mas ainda a deixar perceber as vistas largas.

A nudez debaixo do reflexo da água: uma fragilidade assumida é uma força disfarçada.

Não sei se já tinha mudado esta casa alguma vez, não me lembro, mas suponho que já tinha havido uma foto antes da que substitui agora. Há sempre alguma coisa forte que impõe esse tipo de mudanças, não sei porquê, mas porque este espaço é muito eu, identifico-me com tudo o que aqui aparece de alguma forma, e o mote é o nome daqui do tasco e a foto. A palavra e a imagem, duas coisas que em mim andam muito atracadas uma à outra. Hoje fez-me sentido esta mudança como se não a fazer não fizesse sentido, era algo que se impunha de facto, negá-lo seria deixar de ser fiel ao princípio. O que me lembra aquela máxima, que acho o máximo, que diz que temos sempre de mudar para conseguirmos mantermo-nos fieis a nós mesmos, para continuarmos os mesmos.

 

Fez precisamente ontem uma semana que mandei esta música às minhas pessoas mais chegadas, aquelas que me têm aturado e ouvido no último ano de martírio. Finalmente parecia que sim, que estava livre da situação. Ao fim de tanto tempo a aguentar tanta coisa e farta de tudo, consegui sair a bem e com tudo a que teria direito se não fosse eu a querer sair. Aguentei o inferno, mas fui guardando factos, e coleccionando argumentos que poderiam um dia fundamentar precisamente sair assim - pelo meu pé, mas como se não fosse. Verdade que acenei com algumas dessas coisas, verdade que apesar de dizer que me queriam a trabalhar lá, que eu era uma mais valia, eu se calhar dava muitos problemas e faziam-mo sentir, e não que seria uma mais valia. Dias antes da morte do meu pai, no dia seguinte a ter sido internado, cheguei a casa ao almoço e decidi, é agora, vou sair, chega. Queria chorar tudo duma vez e não conseguia, queria gritar e a voz desaparecia, estava toda eu um nó que não conseguia, ou sabia, desatar. Não consigo lidar com tudo, já não sinto chão de baixo dos pés, tudo parece areias movediças, e a minha sanidade mental começa a fazer-se sentir uma miragem. Lembrava-me insistentemente de me dizerem tantas vezes lúcida, consciente, analítica, e sentia que essa lucidez já não estava ao meu alcance, fugia-me por entre todas as merd@s que os dias, o quotidiano infernal me servia, dia após dia. Decidi isto,  acabou, vou sair.
Dias depois abriu-se um buraco no chão do meu caminho, onde parecia caber toda a minha vida, onde tinha caído toda a minha vida sem quaisquer notícias do seu paradeiro. Como se de repente tudo tivesse desaparecido, tudo tivesse sido sugado por uma escuridão que não se consegue combater, ou alumiar. "Parece que te passou um autocarro por cima", disseram-me na manhã que seguiu a pior noite da minha vida, e eu ri-me, deve ter sido um tractor, um TIR carregadinho, e estás a ser simpático, pensei. 
Duas semanas e pouco depois, arranjei forças e coragem para ter "a conversa". Disse tudo o que queria, não deixei que me levassem a conversa para onde eu não queria ir, deixei claro que não queria criar problemas, mas certa que se os houvesse eu tinha defesas, até trunfos. Deixei claro que a minha postura tinha sido sempre não criar problemas e não disputar o lugar que era meu, para que me chamaram e escolheram. Só me quero onde me queiram. Se não me querem não faço questão de estar, não vou disputar algo que só faz sentido se me quiserem lá, e foi essa sempre a minha postura. A próxima que vier poderá não pensar, ou ser, assim, e pode dar-se o caso de não se importar de se prestar a esse guerrear publico perante uma equipa que devia ser liderada de forma consistente e alinhada. 
Disse o que queria dizer, deixei nas entrelinhas o que queria deixar no ar - passei a mensagem, penso que da melhor maneira. Saí de lá aliviada e orgulhosa de mim, como há muito não sentia. Tinha sido capaz, tinha feito o que queria fazer, como queria fazer. Não sei onde fui buscar forças, ou onde fui buscar cara para parecer que as tinha, mas de alguma forma, consegui, e estava feito. 
Finalmente, e depois de demasiado tempo, envio esta música. Às minhas pessoas. Estou livre, disto, desta gente, desta forma de trabalhar e pensar, de muito sofrimento que me fui infligindo por ser assim, e não de outra maneira. Aprendi muito, também porque doeu muito e fundo, e é isso que levo daqui, uma imagem mais aproximada da raça humana. Aprendi muito,  mas muito pouco da actividade, do trabalho, aprendi que as pessoas só trazem a ambição e os fins para o trabalho, o resto, o ser humano, a espinha e o carácter, quero acreditar que deixam em casa de manhã quando saem. Ainda quero acreditar que não lhes falta completamente essa humanidade, essa réstia de decência e espinha. Nem todos são assim, e se chego ao ponto de destacar do conjunto pessoas que simplesmente são educadas e mostram respeito pelos outros, o que diz muito do nível da amostra que é a massa de trabalho desta multinacional (como sempre enchem a boca para dizer), o que não direi das pessoas que me ficam desta travessia do deserto humano. Há pessoas em todo lado que valem a pena, e depois de nos cruzarmos com elas, vão connosco para sempre. Levo uma mão de gente deste sítio, que gosto, que admiro, que respeito. Vou mais pesada do que cheguei, levo mais gente do que trouxe. Agradeço as perdas e os acréscimos, porque neste caso tudo me acrescentou. Estou livre. E desempregada. Agora quero um, no máximo dois, vá, meses de sabática, depois terei de pensar o que quero fazer, como e onde. 

Don't be afraid of your freedom
Freedom
I'm free to do what I want any old time
I said I'm free to do what I want any old time
I say love me, hold me
Love me, hold me
'Cause I'm free to do what I want any old time
And I'm free to be who I choose any old time

(mas sim, estou cheia de medo. de tudo.)

terça-feira, 25 de abril de 2023


 Não se nota, não se nota muito, eu sei. Mas hoje voltei a pintar as unhas desde há mais de dois meses. Mas não as consegui pintar de outra cor que não esta. Não me peçam para explicar, para explicar-me. São coisas que são assim como poderiam ser de outra maneira, porque não há razão. Há um sentir que é assim, que tem de ser assim, só porque sim. Ou porque não, que é das melhores razões para tudo que não é racional. Senão a melhor de todas. Porque gostas de mim? Porque sim. Não sei porquê, não sei explicar, não tem explicação, é assim e pronto. Tudo o que tem uma razão pode perdê-la por argumentação, por demonstração. O que não tem razão não pode ser provado errado, nem certo. É o que é, enquanto for. Essa incerteza, esse medo, não é para todos, não. Não há uma tábua a que nos agarrarmos enquanto tentamos nadar para a nossa costa. Não há nada. Só a vontade de chegar e de acreditar que estamos certos, que conseguimos. A razão é a melhor rede com que viver, mas há coisas que sem deixar a razão, sem tirar a rede, não se vivem. Não acontecem, não nos acontecem. Há anos neste dia, alguém me mandava uma mensagem enquanto vagueava pelas ruas enevoadas da cidade (o dia estava o contrário de hoje, cinzento, triste, fechado, nublado) “hoje é dia para uma revolução”. Não foi, nunca foi dia. Ou noite, e houve tantas madrugada dentro. O dia seguinte a uma revolução é dia de sermos adultos, de fazermos e assumirmos escolhas, de aguentarmos as consequências. Tudo o que, enquanto povo e nação, não estamos a fazer. Parecemos crianças a apontar dedos e a culpar o vizinho, o outro, o contexto, o tempo. Há pessoas assim, como há povos assim. Há pessoas que não sabem assumir revoluções, não sabem levantar a cabeça e esticar a espinha às consequências, até às mudanças que já aconteceram, já se instalaram, mesmo sem autorização. Preferem varrer para debaixo do tapete, fazer de conta que nada mudou, assobiar para o lado e rezar aos céus que tudo corra bem, e nada tenha mudado. Eu tive algumas pequenas revoluções para lidar, todos temos: decidir casar, ter filhos, decidir separar quando já não se está verdadeiramente junto. Depois há as que nos acontecem, que não são provocadas por nós, mas que temos de lidar, assumir, tratar e resolver, viver com elas.  As perdas, os cortes, as escolhas alheias, ou só a vida que se impõe sem que tenhamos uma palavra a dizer. Para a semana, se tudo correr como esperado, a minha vida estará diferente, e é uma pequena revolução, sim talvez, mas é minha, foi escolha minha. A partir daqui não sei, veremos, mas temos de assumir. As escolhas, as vontades, as nossas fraquezas, o que é maior do que nós, o que nos subjuga e nos obriga a reagir, ou não. Dependerá de cada um, suponho. Como é diferente para cada um o que não se sabe explicar, só sentir. E é assim porque sim. Um dia qualquer as minhas unhas vão voltar a ter cor, os dedos aneis, os brincos vão voltar a pendurar-se nas orelhas de haverá mais e outros colares. Ninguém notará nada, e eu não saberei explicar o que mudou, só saberei que é hora, porque sim. 

sábado, 22 de abril de 2023

 

Leva-me a dançar.

Leva-me a dançar num sítio cheio de gente onde ninguém me veja, onde a música seja só minha quando fechar os olhos e me esquecer do mundo com a tua mão na minha. Deixa-me gritar para dentro a liberdade que me custou tanto, tão fundo, e sorrir para fora como se nada tivesse custado e o tempo levasse tudo lavado num sorriso. Leva-me daqui para onde eu ainda estiver, resgata-me das garras dum tempo que nunca foi meu, duma criatura que nunca consegui ser. Que nunca quis ser. Leva-me ao cimo de todos os sonhos, onde as vistas se espreguiçam para lá de todos os horizontes, onde o sol se encosta, aninha, e espera a lua de pestaninha aberta. Amam-se na eternidade de mal se verem, mas esperarem-se a toda a hora, numa poesia sem palavras. Leva-me ao cimo dessa montanha, de todas as montanhas, vamos respirar fundo e encher de pureza a alma, senti-la de novo toda, inteira, como se nunca tivesse sido beliscada, esgaçada, rasgada e apunhalada. Como se estivesse inteira para confiar. Como se sítios sagrados a regenerassem, e acreditássemos de novo. Vamos sentir a poesia outra vez pela primeira vez. Vamos onde há um altar à vida, um lugar filho do luar,  pai de todos os pontos cardeais, com o mundo lá em baixo a rodear-nos por todos os lados, sem nos tocar.  Um alpendre que fala ao peso de cada passo nosso, para nos lembrar que há terra e raízes, e debaixo de todas as estrelas vamos banhar de luar a pele inteira. Vamos despir as noites do frio e vestir-nos de silêncio que fala de dentro. Anda, vamos fechar os olhos e respirar tudo em suspiros quentes, brincadeiras, sorrisos e gargalhadas frescas. Tudo o que sejamos nós e queiramos que o tempo seja. E vamos fingir que a vida é isto e que o resto são só pequenas pausas. Vamos brincar ao faz-de-conta que nada conta, senão o que queremos ver no meio da escuridão.

Leva-me como quem me resgata. Os sítios sagrados são sempre pessoas. Dança comigo.

sábado, 15 de abril de 2023


 Perguntam-me às vezes se ando a dormir bem. Não sei bem, não sei responder exactamente. Sei que durmo,  que fecho os olhos, que me esqueço se é dia ou noite, isso sei. Às vezes sonho, isso também sei. Sonhei com o meu pai há dias. Sei que o abracei muito nesse sonho que agora não recordo todo, mas isso lembro perfeitamente. Sei que nunca sei bem o que responder, porque durmo, mas dormir bem será outra coisa, parece-me. Dei por mim a responder ontem ou anteontem - já não sei... os dias enovelam-se num tempo que se embrulha sem se desenrolar, e a minha cabeça já não destrinça nada - "acho que sim, não sei... há dias em que parece que acordo no dia anterior. Mas afinal já é outro dia.". Como se só tivesse fechado os olhos por instantes. E é isto, esta sensação estranha de todos os dias serem o mesmo, mas outro. Cada dia não tem dia anterior, nem seguinte. É o mesmo. As mesmas perguntas de segundo a segundo, o arrumar vezes sem conta o que desarrumam sem saberem porquê, ou sabendo não quererem saber porque não pode ser, dar os comprimidos, ao fim do dia o jantar, tentar trabalhar um trabalho com um esperado e desejado fim à vista, mas que nunca mais se vê, fazer companhia que é só presença, porque companhia é conversa e troca de ideias, de vidas, de acontecimentos e sonhos, e aqui nada disso existe. Existe sempre o mesmo dia e esse pesadelo. E, ainda assim, cada dia tem muito de roleta russa, as perguntas são as mesmas, mas e a agressividade, será a mesma?, chegará a ser mais violento do que o psicológico desastre que já é? Estar ao pé de alguém que já não traz dentro a pessoa que era nossa, com quem ríamos, e falávamos, e trocávamos ideias, brincadeiras, conversas, medos e sonhos. E cada dia é um dia novo e o mesmo dia. Não há memória do dia anterior, nenhuma das milhentas perguntas respondidas ontem existiram, serão respondidas hoje, explicadas de novo. Segundo a segundo. Os olhos assustados e frágeis, ou carregados de ódio são repetições de fracções de dia. Do mesmo dia sempre. Todos os dias. 

Há dias em que acordo no dia anterior. Acho que são todos.

sexta-feira, 24 de março de 2023




 E é o que faço. E olho e leio, espera. Aquele está à espera e eu também. Não sei bem de quê. Que passe o tempo e que não passe nada. Que não se passe nada. Que o liguem e o façam dizer coisas, que lhe dêem vida através de outros, que o tirem de espera. Que me tirem daqui, que me façam esquecer. Não, esquecer não, ultrapassar, saber lidar, resolver, arrumar por dentro e fechar por fora. Qualquer coisa. Esperar não ter de voltar a olhar para monitores e ouvir apitos das máquinas à volta. Não ver batas à frente nem guardar o cansaço de alguém sem poder descansa-los. E sem isso me descansar. Espero. Mas não sei o quê, não é esperar de esperança. É de matar tempo matando-nos.

domingo, 19 de março de 2023

[foto @snake72]

Hoje é dia do pai. Há dias, a caminho de ir tratar de umas coisas passei por um sitio que tinha cá fora um quadro preto, onde a giz se lia "Dia do pai 19 de Março" e por baixo o desenho de um daqueles bigodes antigos e revirados. Era uma loja de vinhos. E o dia era de sol, pelo menos naquele momento, que os dias andam demasiado bipolares no que também ao tempo diz respeito, mas para mim, de repente o dia fechou-se e eu fechei-me nele. Eu que dizia que todos devíamos aprender a chorar, eu acho que não aprendi, e choro agora sem saber, e às vezes sem dar conta que vou chorar, e as lágrimas nasceram-me não sei de onde, daquele quadro preto se calhar, de todos os dias seguintes ao para sempre, que é também o nunca que nos afunda numa eternidade imposta. Muitas coisas me passaram pela cabeça enquanto tentava saber porque as lágrimas silenciosamente me caíam, sem saber pará-las, lembrei-me de como gostava de beber, quase orgulhoso (era a única que bebia com ele), uma garrafa de vinho comigo ao jantar, lembrei-me de uma coisa que lhe dei há muitos anos, e que era tão, mas tão, perfeitamente certo e feito quase à medida da maneira de pensar do meu pai, da maneira como via as coisas, os dias, as prendas, tudo... que o tinha pendurado no seu quarto, à vista de todos os dias e todos os acordares, e dizia o qualquer coisa como "o dia do pai não é especial, o meu pai é que é especial". E era isto, o meu pai nunca ligou muito a datas, menos ainda a prendas, entendia que as coisas que são diferentes, que são diferentes porque algo as torna diferentes, e essa transformação não vem de imposição de datas ou obrigações, eram assim e pronto. Era uma alquimia do coração. Se as fizéssemos assim, ou se algo as tornasse momentos que ficam, memoráveis. E era isso que aquilo dizia, e que ele gostava, mas sim, foi oferecido num dia do pai. Como terá sido num dia de aniversário que deu o fio que trago ao pescoço desde que o perdi. Foi das poucas coisas que me deu, e digo isto porque sei que este fio foi escolhe-lo, não foi a minha mãe que foi tratar da prenda como sempre fazia, daquela vez, por alguma razão macaca, foi ele que foi escolher e mo deu, e é a cara dele. Porque via beleza na simplicidade. É a única coisa do género que uso desde aquele dia. Acontece-me sempre isto, deixo de conseguir pôr brincos, aneis, colares. Deixa de me fazer sentido durante uns tempos, não sei quantos. Aconteceu com o meu tio, com o meu irmão, e agora. Dispo-me das pequenas coisas que servem para enfeitar, para compor, para dar graça, mesmo que discreta, mesmo que simples, que como o meu pai também prefiro quase sempre coisas simples. As que não se notam a olho nu, as que se vêem de outras formas, as que se sentem de alguma forma. A única prenda que o meu pai verdadeiramente recordava e falava com um sorriso largo, foi a que recebeu atrasada, no dia seguinte e que era a alegria dele desde então, a neta. O que ele gostava dessa coincidência, como que a reforçar o laço com aquele sapito que adorava dormir de fralda em cima da barriga dele. Poucas vezes o terei visto tão feliz como quando chegava a casa e estavam os dois naqueles preparos. Hoje é dia do pai, acabei de dizer à minha filha que devia ir jantar com o pai dela. Mas é só uma data, é só uma instituição, ter um pai que nos ensinou a essência das coisas em gestos silenciosos, e reconhecê-las e chorá-las, mesmo quando não nos ensinou a chorar, é outra coisa. 

sábado, 11 de março de 2023

domingo, 5 de março de 2023

Ler, ler ,ler. 
Música, música, música. 
Voltar ao yoga de manhã, que há meses deixei. 
Passear as bichas ao fim do dia, quer seja de sol ou de chuva. Ao fim de semana sem falhas e em modo prolongado.
Estar com as minhas pessoas, e não fazer fretes a perder tempo com quem não corresponde. 
Cuidar do meu irmão, zelar que a minha filha continua a crescer bem, por dentro e por fora. 
Comer paisagens com aquela respiração funda e lenta que chega à alma, apreciar a solidão como uma prece interior.
Escrever mais, escrever-me de dentro para fora, escrever como quem se lê mergulhada para dentro.
Coisas que deixei, que fui deixando, coisas que me foram levando num processo de anos, coisas minhas, que eu gostava, que me faziam bem, que me faziam pelo menos sentir bem. 
Nos últimos anos tenho lido cada vez menos, não tenho conseguido matar o mundo de fora vivendo o mundo por dentro dos livros. Deixei de ter esse escape, essa capacidade, a cabeça não deixava este mundo, esta realidade, e para me evitar deixei de abrir livros e passei a papar séries, das que não deixam neurónios disponíveis enquanto os olhos estiverem entretidos com aquilo. Li poucos livros no ultimo ano, uma miséria. Para minha vergonha ainda tenho aqui que deixar esse balanço. Que será mais difícil de fazer porque também deixei de comentar aqui as frases que me apanhavam no que lia e permitiam fazer essa cronologia facilmente... que é talvez um sintoma, ou uma consequência, ou as duas coisas em pescadinha-de-rabo-na-boca. Já menos coisas me prendem, me surpreendem, me arrebatam. Estou a tentar voltar a ter sonhos, mas não é tão fácil sonhar como se pensa. Quando os pés são pesados, o corpo parece acumular tempo medido em desilusões, em dores em mágoas, há um olhar que se perde, há vontades que morrem à sede, há um brilho que morre. E é esse brilho que alimenta os sonhos, a capacidade de acreditar a vontade de ir atrás. E o acreditar que conseguimos, acreditar em nós. Talvez esta seja a parte mais difícil, acreditar em mim quando olho as mãos e estão vazias, de tudo o que mexeram e fizeram até hoje, estão vazias. Com se nada tivesse feito, como se tudo se esvaísse por entre os dedos.
É dificil, tem sido duríssimo, olho para trás e não me lembro de tréguas. Vou-me lembrando, sim, de sorrisos por entre as batalhas, durante as guerras, sempre e em qualquer situação, como as risadas que ainda hoje me saem, quando por dentro guardo lágrimas a mais, mas risos ainda deixo que me invadam e não os afasto por medo que me possam confundir por bem. Não, essas contas são minhas e só eu as faço. 
Quero voltar a ler, quero voltar a precisar de música como se o corpo pedisse. Voltei ontem ao yoga e espero conseguir manter, porque me faz bem e me faz sentir bem, pelo menos faz-me sentir menos empenada e perra... e velha vá. E quero-me rodeada das pessoas lindas que consegui ir fazendo minhas, e que são extraordinárias sim, não sei como me aturam, mas isso também é melhor nem querer saber. Há coisas que não se explicam. O amor não se explica, e a amizade é amor sem desejo, sem tesão, de resto tem poucas diferenças. E agora vou passear a bicha que ontem não foi ao passeio. Estou sozinha, tenho de revezar-me :) 
Vou tentar, vou tentar recuperar-me o que houver para recuperar, vou começar pelo que sempre me fez sorrir por dentro, depois veremos. A minha vida vai mudar. Já mudou em tanta coisa que não escolhi, agora vou mudá-la eu e não lhe vou pedir licença, não hei-de morrer, e se for esse o caso ao menos foi a tentar encontrar quem já fui, quem quero ser, quem espero ainda ser. Mesmo que diferente.