domingo, 26 de junho de 2022


 As duas ainda em jejum. Ela danada por correr, eu por a soltar e mergulhar os olhos no céu. Não podemos, há um outro cão no jardim. Temos de esperar, dar voltas, até podermos fazer o que queremos. Ter o jardim para nós. 

E o outro meia leca la foi à vida dele e ela corre como se as pernas tivessem vontade própria. E é bom de ver. A vida assim. Tão simples e ela tão contente. Eu mal acabe este registo de mais uma manhã de domingo, e antes de continuarmos a caminhada, deito-me na pedra e conto os tons de azul do céu, e descubro tudo o que está escondido nas nuvens e só eu vejo.

sábado, 25 de junho de 2022

 

Ainda não sei dizer, ainda não tenho dentro da boca as palavras. Ainda não consigo dar as respostas que gostaria, e quero, dar. Nem sei se vou ter, ou conseguir, não sei e não tenho certezas. Quase todas as minhas certezas morreram de desilusão, mas sei que há coisas que não se fabricam, não se forçam e é tolice pensar que podem ser exigidas: o amor, a paixão, a ternura, o afecto. Por muito que se faça e procure, ou tentem provocar, não surgem mais depressa nem por decreto, têm o seu tempo para nos assomar à boca e fazerem de nós uma casa onde sabem que moram, uma certeza que se sente, que nos fazem sentir. Tudo o resto são erros, com ou sem engano, com ou sem agenda própria, com ou sem ou maldade, mas são. Se me faltam ainda as respostas, não respondo, não manipulo, não engano, mas também não sei disfarçar, nem quero. Quando for, é inteiro. É verdadeiro. Não sei, nem quero doutra maneira.

[numa outra vida lembro-me de dizer (ou escrever, já não sei exactamente, provavelmente escrever, porque há coisas que digo melhor a escrever) a alguém, que percebia as represas que lhe guardavam as palavras. Por isso nunca pedi, nunca perguntei, nunca quis algo que não me quisessem dar, dizer com espontaneidade, com vontade. Pensei que se algum dia a necessidade de dize-las fosse maior, por já não caberem dentro, por a força de sentir e dizer ser maior que a necessidade de as prender, de as recolher em segurança, então eu saberia, então eu ouviria. Então só poderia ser verdade. Só assim poderiam significar alguma coisa, tocar-me, chegar a mim. E chegaram, sem pedir, sem perguntar, sem alguma vez exigir, chegaram livremente, espontaneamente, e disseram tudo. Tanto. Demais até, mais do que certamente a verdade permitiria, do que permitiu. Desse pecado não sou pecadora, mas sofri penitências demais. É pena que nem todos saibam o peso das palavras inteiras, o que dizem se não querem dizer. O que acrescentam quando a tal ponto nos dizem que o estão a afirmar, ali naquele momento (lembro-me tão bem ainda, perfeitamente), nunca antes nos disseram, como se essa novidade fosse carimbo de verdade. E não foi. Noutra vida. As vidas estão todas ligadas, somos nós, por muito que deixemos para trás essas outras vidas, que já não são os nossos dias, elas estão em nós, plenas de sombras e de raios de sol de que nos abrigamos. ]

quinta-feira, 16 de junho de 2022

 Sou muito de sofá, e de filmes e de ler. De varanda no verão. De música a cantar a disposição das manhãs de fim de semana, de cães pela casa toda e em cima dos meus pés, às vezes até ao colo, poucas a passear ou a correr. Sou daquele feitio de ser demasiado directa, de dizer o que penso,  sem dar tempo para pensar em como o dizer, e por isso o chamarem de mau. Nunca conheci nenhum manipulador a quem chamassem mau feitio, esses arranjam forma de não desagradar a ninguém, ainda que a poucos agradem verdadeiramente. Sou de intensidades desreguladas, e de voos sem rede e sem pensar. De dar tudo sem pensar no que fica. Sou de amar devagar e às vezes em urgências que queimam. Sou? Ou penso que sou, porque fui? Já não sei como sou ou o que sou, não sei de mim o que restou depois do que me roubaram, e eu entreguei sem pedirem. Sei, ou acredito, que a nossa essência não morre, e o que formos virá à tona dos dias, da vida, tantas vezes com uma força que já não reconhecemos, nem suspeitaríamos... assim aconteçam os amanheceres que a despertem, assim nos descubramos uma e outra vez, na mesma mas diferentes. Será? 

[foto @moniblanco]

Hoje é noite de dormir com as janelas abertas, é dia de beber esta escuridão com as estrelas a tilintar nos olhos fechados, como pedras de gelo num copo de fim de tarde a derreter o calor sem cerimónias enquanto nos despedimos do sol, e sem saber, de toda a vida até aquele momento. Da praça sobe um murmúrio de vozes que me chega como uma especiaria de silêncio, apimenta a imaginação por outras vidas, tantas conversas, risos espontâneos e vivos, que não se contam, e onde nada se desconta. Como se a vida fosse inteira, sem gomos nem dias, só agora. Só agoras. A brisa de seda que me escorre pela pele lembra o despertar do verão e o calor que as noites devem ter, onde as almas se abrem de par em par, como as janelas fechadas da minha varanda. Às vezes o verão tem de entrar devagarinho e tomar conta da casa, ainda com os agasalhos espalhados pelo chão. Ainda com o pó de Outonos pelos cantos. Gosto quando o verão entra pelo lado da noite. Hoje é noite de abrir as janelas, mas a escuridão não dorme. Talvez eu também não, só a vida parece ter adormecido por meros instantes.

domingo, 12 de junho de 2022

 

Nina Simone a passear pelo ar da casa domingueira (“do what you gotta do”)…e a assentar-lhe maravilhosamente. Fazer um mini brunch sem a mini pequenitates - cada vez menos Mini -cá de casa tem alguma estranheza entranhada, agora acabam sempre mais caprichados (e esquisitos) quando ela está, mas apeteceu-me. Não sei se o sol pela janela já trazia a Simone no silêncio quente da luz que nos invade, ou se a Nina é que trouxe a vontade do brunch porque apetece mais com sol que se pode dançar. E olho para este meu velhote mimado  enquanto como, a cobiçar a minha torrada e gosto da vida que tenho. Gosto, nem sempre é assim, ou nem sempre o vejo, ou esqueço-me vezes de mais de o sentir (o trabalho e aquela gente doida mete-se muito no caminho disso) mas estou aqui e estou a pensar noutro brunch a acontecer agora em Lisboa, dum miúdo que adoro, que quero que seja muito feliz. Com tudo a que tem direito, sem meias tintas ou meias felicidades, que meia felicidade é metade duma infelicidade inteira, Como desejo a todos que gosto realmente. Estranhamente, duma forma ou de outra, tenho sentido muito carinho (as vezes de formas estranhas que se calhar só eu vejo, mas sinto-o) das minhas pessoas, das que escolhi para serem também a minha vida. Das que me ouvem, das que me procuram. Mesmo os doidos varridos, e os inconvenientes. E o miúdo, que no meio do seu carrossel de vida ultimamente, a caminho quer saber se estou bem. Estou. Melhor assim.

sábado, 11 de junho de 2022


 Venho passear a bicha e a caminho daqui uma frase que insiste na minha cabeça por atenção: às vezes o tempo anda mais depressa do que nós aprendemos a andar. 
Ou já desaprendemos. Acho que desaprendi quase tudo, e o resto o medo come devagarinho. O único lugar seguro é não querer ninguém, é uma solidão desejada que se aconchega ao destino, uma noite de cada vez. Até que uma noite é diferente. Mas já não sabemos andar como se o tempo nos tivesse guardado conservados em medos e sonhos impossíveis. 

domingo, 5 de junho de 2022


Enquanto ela corre à velocidade da vontade, eu deito o esqueleto numa vontade de vagar num muro feito banco de pedra, e ofereço o peito ao céu. Tudo menos pedra. E os olhos, presos num céu tão longe de um azul tão perto, distraem-se no lilás que enfeita o azul sem estragar… e nem dou pelas nuvens que já trouxeram chuva a estas palavras, e a tantas outras antes destas. Tanta chuvada até aos ossos, que não sei como da alma não restam só ossadas.