sexta-feira, 12 de abril de 2024

 O discurso não muda, a conversa é a mesma. O mesmo fim de dia repete-se a cada vez. O futuro não chega ao passado, e até o presente se ausenta, como quem não existe e não se dá pela falta de comparência. Ainda deve chegar para o jantar, mesmo tendo morrido há mais de um ano.  Mas hoje, ao sair, o sol pôs-se de outra maneira, a luz deitou-se mais devagar, e dei por mim a vaguear pela cidade presa ao que não muda. E está tudo diferente. E não sei se mudei, se estou na mesma, nem sei se importa. Nem sei se posso dizer que me sinto diferente, que sinto diferente. Porque parece que não sinto nada. Só o vazio parece pesar mais, e os dias iguais com pores do sol que caem diferentes. Vem-me à memória uma frase “ só sei trabalhar, não sei fazer mais nada” e tem-se repetido este ecoar na minha cabeça, saltita em momentos dos dias, à superfície das horas, sem me deixar mergulhar em nada além do que tiver entre mãos. As mãos, as mãos sempre a fazer, e de repente sei que não devia ser só esse o verbo das mãos... Não quero pensar que me tornei no que nunca entendi. Não quero pensar. Queria uma sensação qualquer que me agarrasse, que me cravasse as unhas na pele até à alma. Queria o que eu fui para quem não quis viver além dos vazios, e da sensação da vida a cravar-se na pele nos interstícios dos dias, mas sem o perigo de agarrar a alma pelos colarinhos. Sem mudar os dias além da sensação deles, uma espécie de droga que se toma em horários mais ou menos certos, mas que não nos muda as horas. Queria ser para mim o que fui para outros, e não serviu a ninguém. Vagueio pela cidade, e vou fazendo curvas e mudanças de direcção, como quem muda de assunto numa conversa de tema inexistente, nunca sabemos onde nos leva, onde iremos chegar noite adentro. Vagueio pela cidade e pelas palavras que me navegam, que me mareiam das sensações ondulantes dos barcos parados. Vagueio, mas paro à minha porta, não entro. Não me encontro, e esse tem sido o meu descanso. Agradeço-o várias vezes ao dia, sem querer ter a consciência que o faço. Há mergulhos que se fazem de coragem e de olhos abertos, eu fechei os meus para dentro. Por dentro. De dentro. Não há o que ver, não há o que dizer. Só as palavras dançam, sem saberem onde a música as levará. Querem chegar ao silêncio pleno, mas esbarram no vazio. Nos dias. No trabalho que berra. E nas portas fechadas. Desta vez parece que fecharam a porta por fora. Se calhar fui eu. Só sei trabalhar, não sei fazer mais nada. Se calhar ainda bem. Mas não sabe bem. Também não sabe mal, quando os pores do sol não caem diferentes. O que é diferente muda tudo, sempre quis ser igual. E fui.