quarta-feira, 21 de setembro de 2022

 Perguntam-lhe altura e peso. Metro e oitenta, cinquenta e seis quilos. Lembro-me do número na balança hoje de manhã. Deu-me para me pesar hoje, sabe-se lá porquê. 56,4 dizia o visor. Na minha cabeça: mais 10 cms que eu e o mesmo peso. Ajudo-o a despir o casaco, e mandam-me sair. Vem-me à cabeça o sonho de há duas noites. Aparecia como numa fotografia, uma fotografia que há la em casa de quando era miúdo, talvez uns doze anos, o brilho nos olhos era talvez de menos. Nessa altura ainda tinha mãe, ainda que não por muito tempo. No sonho ele tinha a idade do meu pai, a mesma pose de fotografia de caça que não gosto. Mas era o meu pai, que lembro e quero lembrar assim. Direito, inteiro, com a postura que ter espinha dá a certas criaturas. Fiquei a pensar nisso, a sobreposição da mesma pose no mesmo contexto.  Duas idades, nenhuma a de agora. Mais dependente do que em criança, nenhum brilho nos olhos. Sai da tac digo-lhe que está magrinho, mesmo que nunca tenha sido gordo. Diz-me que não, que já esteve muito mais magro, e vendia saúde. Quando veio da guerra do ultramar diz-me que pesava menos, mas que a vida nele pesava muito mais. Acrescentar o quê, responder o quê? Há guerras de que não se regressa e que ninguém ganha.

terça-feira, 20 de setembro de 2022

 Há dias em que uma pessoa não sabe ao que chamar vida, e só quer que passe, como uma onda. Uns mergulham para a atravessar outros tomam impulso para se manterem à tona. Eu devo ser das que mergulham, das que fecha os olhos e reza que passe e a onda não nos sobreviva. As vezes não há ar nos pulmões para tanta onda. E tão pouca vida. Depois pensa-se no depois, quando passar o que resta? O que fica? Como se fica? 

sábado, 17 de setembro de 2022


 … o S. Pedro deve ser uma gaja. Só pode… 

WTF?… Está um calor de ananases pahhhhh 

domingo, 11 de setembro de 2022

[foto de Marc Riboud, Japão, 1958]

 Agora que não tenho nada que dizer, que me dizem vazia e que transparece, que não estou eu, que não sou eu... agora que não tenho nada que me apeteça dizer, sonhei que conversava com a minha mãe. E que alegria parva aquilo estava a ser, conseguir ter uma conversa com a minha mãe, como tive tantas ao longo de toda a vida. Falávamos tanto, conversávamos, desconversávamos e ríamos muito também. Chegava a casa e ecoava aquele Mãããã??... e ia ter com ela a seguir às aulas contar as pequenas grandes histórias, fazê-las grandes, fazê-las grandes porque eram minhas e me tocavam, me doíam, ou me alegravam. Quantas vezes à noite à beira da cama dela quando chegava à casa, ou enquanto ela fazia o jantar, e eu ficava ali, mais a falar que a ajudar. Lembra-me tanto a minha filha e eu agora. Ela conta-me as coisas dela, os amores e desamores, as amigas e as suas histórias, os conselhos ajuizados que dá e os que ouve. Tanta coisa parecida me leva a tempos que já não trago. A minha mãe não conversa, não consegue, está ali mas não está, ou é como quem chega a cada minuto e o último já se apagou. Revolta-me isto, há qualquer coisa que nisto me revolve as entranhas e as memórias e o futuro que me vai chegar,  e não sei lidar. Ultimamente parece que não sei lidar com nada da vida, então fecho-me e resmungo sozinha as minhas neuras, fecho as luzes, fico em casa e vejo o mundo pela janela ou pendurada no parapeito da minha varanda, como quem olha o abismo em segurança, mas não lhe sabe medir o pulso. E agora que não tenho nada para dizer, que não me apetece dizer nada, converso em sonhos com a minha mãe. Falo e rio-me e ela responde, e fala e ri-se com a presença inteira, com a alma por quebrar, com o tempo ainda todo por passar e trespassá-la. Que saudades de conversar com a minha mãe. E hoje, que não tenho nada para dizer, talvez conseguíssemos conversar no tempo dela, sempre perdido no meio dum começo sem fim. Não tenho nada para dizer, estou vazia até de palavras, já não escrevo como quem transborda, já não sinto como dantes; e hoje só me apetecia conseguir conversar com a minha mãe. Sentir a minha mãe. A minha mãe como era, antes de nela se esvaziar o tempo e todas as conversas. Talvez hoje eu precisasse de ser filha, mas até esse lugar está vazio de mim.

segunda-feira, 5 de setembro de 2022

Porque hoje estou neura, e não sei porquê, como todas as neuras de melhor qualidade e pedigree mais puro. Daquelas que, por muito que tentasse, as palavras não conseguiriam navegar, e as razões fugir-me-iam antes de dar à costa. O fim de semana foi bom, o passeio foi bom, as conversas foram bem gargalhadas, o Nick Cave podia ter sido melhor, mas é sempre uma viagem a uma outra dimensão maior que nós. O regresso à labuta é quase doloroso, as férias ainda mal se despiram da alma e já o trabalho nos ofende assim o espírito e a vontade... e é assim, como o paradoxo numa vontade imensa de dar um salto no abismo, no longe, no desconhecido, no fora de nós. Dar o salto para onde não há tempo. Onde não tenhamos dimensão e ninguém precise de lugar, onde as responsabilidades não tenham contas a fazer, e a vida possa ser vivida com uma touca amarela de flor. Mesmo à nossa medida.