domingo, 26 de fevereiro de 2023

sábado, 18 de fevereiro de 2023

 Não disse nada. Não te disse nada. Não saberia o que dizer mesmo que pensasse em dizer. Deixei que o silêncio falasse por nós, afinal conhece-nos tão bem. Fiquei com a minha mão na tua, embalei o silêncio, que o nó na garganta não desatava, com festinhas, e aqueles beijos pequeninos que sempre me deste desde pequena e que agora dedicavas à minha filha… beijos de passarinho que ela diz que são teus, e não admite imitações. Dei-tos por ela e por mim, e pouco depois adormeceste. Fiquei ali contigo, assim, até temer que as minhas lágrimas te perturbassem a paz e os soluços que tentava amarrar, te sacudissem do sono de que já não te vi acordar mais (o para sempre é tão esmagador…). Não sei quanto tempo passámos ali, passámos uma vida, toda a minha vida. Foi sempre em silêncio que me ensinaste, me formaste, me fizeste crescer. Me mostraste o que devia ver. É em silêncio que escrevo. É em silêncio que se ama, quem disser o contrário colecciona ruídos. O meu consolo é a tua paz, o poderes finalmente não ter de lutar. E que aí onde estiveres, neste nosso silêncio, eu continue a sentir a ternura dos beijos que que me deste quando por ti os der à tua neta.

Não disse nada, não te disse nada. Somos tão pequeninos, a morte é tão grande.

terça-feira, 14 de fevereiro de 2023


 É o olhar que muda tudo, que faz tudo. Espinhos serão pétalas, como pétalas poderão ser espinhos. Não é o que é, nunca foi, é sempre o que vemos. Nem sempre vemos bem, mas não veremos de outra forma até que nós mesmo mudemos, ou a realidade se mostrar de outra forma no nosso olhar. A realidade é sempre uma forma, e tem muitas, como a verdade. Mas um dia não muda o ano, nem a realidade, nem bouquets de pétalas camuflam espinhos se os virmos todos os dias, se os sentirmos todos dias a arranhar a alma junto com a pele. Um dia, ou tantos, ou demais.
É o olhar que muda tudo, que faz tudo. E a contemplação é um amor continuado, ou o amor uma contemplação continuada, sim, talvez isso. E que não cansa, descansa-nos, que vai mudando mas nunca muda em essência.

quinta-feira, 9 de fevereiro de 2023


 É nestas alturas que uma pessoa anseia - deseja ardentemente - sofrer de síndrome de Estocolmo… assim ao menos haveria uma parte boa, haveria o conseguir gostar, ou empatizar, com o agressor… quando isso não acontece os dias são uma lúcida tortura. É o que tenho tido, a lucidez de várias dores que não consigo combater, que não tenho sabido lidar. A lucidez traz sempre demasiada verdade à realidade. Sempre me disseram lúcida, talvez por isso as minhas dores sejam sempre tão intensas quanto analisadas, vividas por dentro e por fora. Talvez isso me impeça de empatizar com o agressor. Talvez por isso sempre me foi difícil compreender quem, sendo mal tratado, justifica o agressor, acomoda, às vezes até lhe destina consideração e respeito, e coisas que confundem com afecto, com amor, quando empatia seria já demais. Mas talvez ajude a atravessar alguns infernos. Eu não consigo. Lamento. Ou talvez não.