domingo, 30 de maio de 2021

 

[in A louca da casa, Rosa Montero]

Talvez o envelhecimento também chegue às leituras, talvez. A capacidade de acreditar noutros mundos, outras irrealidades, sonhos fabricados por medida e desilusões à la carte espalhadas em histórias alheias que fazemos nossas com cada vez mais dificuldade. Grandes amores em que deixamos de acreditar ou queremos acreditar que só cabem em livros e na imaginação de alguém. Talvez porque chegue a hora de acomodar a realidade e chamar à gravidade os sonhos como o corpo obedientemente ao tempo. Torna-se a leitura um utilitário, uma ferramenta do dia a dia para compreender a realidade do mundo, e não mais. Sim, talvez seja isso, deixar crescer a criança que sonha dentro de nós, decrescendo a capacidade de acreditar em algo mais que o quotidiano. Leio isto e dou comigo a pensar que percebo agora se outra forma por que há alturas em que os livros me puxam menos. O mundo real pesa tanto por vezes que esquecemos o nosso mundo, aquele onde certas irrealidades fazem a nossa realidade por momentos.

sábado, 29 de maio de 2021

"Ontem sorriste, 
sorriste quando te tomei nos meus braços e te aconcheguei, 
quando as tuas costas respiraram o meu peito e
os meus braços te enrolaram e apertaram dizendo que te querem..."

Ia à procura doutra coisa, e o baú, no meio daquilo tudo, trouxe-me isto. O baú, mais que a minha memória, resiste ao tempo, e eu olho para o que lá está e agradeço que assim seja. 
Já não tenho medo. E a poeira que as coisas ganham, cria um véu de imunidade, algo que nos afasta até do já adormecido epicentro dum passado que nunca chegou a ser futuro. Sinto com surpresa que há coisas que já não se lembram de doer aquela dor que queima. Como um calor sem chama, mas também sem luz, o olhar sem dor é diferente,  tão diferente, ou indiferente. 
Como me encantou ler estas linhas a primeira vez que as li. E agora só consigo ler palavras, e pensar que são só palavras, que se podem dizer ou escrever sempre, e a qualquer pessoa. Concluo que as palavras também murcham. Murcharão os corações?
Só não sei se alguma vez estas encantaram tanto alguém, como eu na altura me encantei quando mas mandaram. Arrisco dizer que não, mas é indiferente. 

sexta-feira, 28 de maio de 2021



Pequena caminhada para fazer os olhos passear, deixar a brisa passar por nós, desembaraçar pensamentos e alisar o dia. Uma esplanada de copos enfeitados de cores para comer e boa música a embalar o lento marulhar ao fundo. Formigas lavram o mar aqui e ali com as suas pranchas, e a atenção foge enquanto um cão escava, sem procurar tesouros, a areia que fantasmas deixaram penteada de ondas. 

terça-feira, 25 de maio de 2021

 
[imagem @marinaadiim]

Estava morta, mas não estava. Falava com alguém, mas estava sozinha. Queria chamar alguém, mas o telefone sumira. Tinha guinado de repente, para evitar alguma coisa, por alguma razão, e perdeu a direcção. Deu cambalhotas até um poste a amparar. Estava morta, mas não estava. Não podia estar, senão isso mataria alguém de desgosto, e não podia, não podia fazer isso, tão pouca vida já lhe resta não pode roubar assim o que falta. Doía-lhe tudo, mas não sentia nada. Não podia morrer, mas também não podia ficar estropiada, senão desgraçava ainda mais o peso da vida de alguém, e não podia, não podia fazer isso, ele não merecia. Queria chamar alguém, mas o telefone sumira, as palavras não chegavam a lado nenhum. Falava com alguém, mas estava sozinha. Alguma vez não esteve? Não sabe. Não sabe nada, não sabe porque guinou de repente, ou porque chovera naquela manhã, mais uma, ou porque o poste a amparou, ou onde está o telefone. Só sabe que não pode morrer, nem ficar estropiada porque os outros não aguentam, e então ela não pode deixar. Não sabe como, mas não pode deixar. E chamar quem e como? Ajuda de quem? Fala com alguém mas está sozinha. E o dia todo com esta sensação, como quem passeia pela trela uma nuvem negra. Assim, desde acordei desta cena. Fui e vim, qual io-io que se livrou das cambalhotas. E hoje as palavras saíram, mas continuo a falar sozinha como se falasse com alguém, sem perceber o que me assustou ou por que os outros importam sempre mais que eu. Até nos sonhos.

domingo, 23 de maio de 2021


[ in "O Vício dos Livros", Afonso Cruz]

 ... afoga dias inteiros em sonhos, também.
(sei eu e acrescento sem dar conta, e depois aqui)

Por vezes quero só esquecer-me da vida, suspendê-la, pendurá-la num prego onde o meu tempo não passa. Nas últimas semanas começa sexta feira, a sair do Porto, começo a desligar. Não me quero lembrar da vida, vou respirando como quem não pede tempo emprestado, como se o tempo não medisse nada e nada me fosse. Como se não me visse, ou eu a ele - mas eu vejo-o, e bem, quando olho a minha filha e o espelho, onde não sorrio e os olhos não me aparecem. Não pego no computador da empresa a não ser que haja uma emergência, ou algum trabalho demasiado urgente - e tenho classificado cada vez menos coisas como urgentes. O fim de semana passou a ser o meu tempo suspenso - que passa, bem sei -, mas onde o mundo é uma coisa qualquer lá fora que quero pouco. Resume-se às idas ao supermercado e a casa dos meus pais. Já nem café tenho ido tomar como sempre foi meu ritual de fim de semana, para ver gente, para respirar um tico de mundo, para ler numa esplanada ou só olhar o que imagino estar lá. Desde que me separei que o fazia sozinha, ao início ia com a miúda, que adormecia no carrinho ou ao meu colo enquanto tomava café e observava o mundo. Observava o mundo que não era meu, e na altura acho que o pressentia, mas ainda não o sentia. Agora não sei se é a preguiça que me vence, se foi o confinamento que me ganhou e se entranhou, não sei, não tem apetecido. Tomo café em casa, às vezes com um livro, às vezes na varanda, quase sempre com um canídeo por perto, muitas vezes com todos. Desta vez, a pequena "ninja" parece querer saber de livros, ou de poesia, e espreita-me, com o pai esticado um pouco atrás, a mãe aconchegada perto dela, e eu num mundo meu, que cada vez mais me custa deixar segunda de manhã, onde pareço largada e abandonada à minha sorte (que é pouca, digamos), cercada por gente que não é minha, armadilhada em teias que não teci. Nunca fui boa a separar as áreas pessoal e trabalho, aliás como tantas outras áreas que as pessoas conseguem separar, e eu não, tenho muita dificuldade, sou só uma, e acho estranho que consigam tão bem dividir as águas. Se eu sou o que sou, sou-o sempre em todos os lados, não tenho botões que me desligam partes, se gosto de alguém gosto, se não gosto não consigo gostar, posso trabalhar com ela, reconhecer-lhe até competências, mas não gostar., e isso é tratá-la de modo diferente de se gostasse. Não consigo separar as águas e é por isso que prefiro esquecer a existência dos dias da semana, desse outro mundo onde eu inteira tenho de morar mas onde me recuso viver. O pior de tudo isto é que o recomeço, o reabrir a porta, custa mais. É o preço que se paga por suspender momentaneamente a realidade por não saber recortá-la à medida das minhas necessidades.

sábado, 22 de maio de 2021

 

[Alejandra Pizarnik]

Porque ontem, já na cama, a navegar o cansaço entre cá e lá, o xilre trouxe-me da prateleira a visita desta Alejandra. Não resisti. Hoje continuo a folhear Pizarnik, como direito a esses pequenos prazeres que não têm tamanho nos dias, nesses pequenos nadas que me devolvem, me relembram o que ainda sou, quase já sem saber. Ou sem querer saber.
... tão longe o que sou, tão perto o que já fui, mendiga-me a voz ao som de Pizarnik...

quinta-feira, 20 de maio de 2021


Estas vagas pouco vagas, cheias de concretas coisas por dizer, 
como um espinho atravessado na garganta da vida. 
Este estrondo que tem casa por dentro do silêncio... 
A letra a mais de um nome, lido com cinco letras, que sempre escrevi com quatro. 
E podem ser tantos, sei agora.

quarta-feira, 19 de maio de 2021


Agora tudo me parece perda de tempo, perda de vida. E eu já tenho tão pouca para dar.
Talvez só a paz estrondosa do mar me conseguisse livrar desta onda que me arrasta. Talvez só a imensidão me impedisse de afogar o que não sinto.

terça-feira, 18 de maio de 2021


 Umas voltas na cidade, as rédeas soltas de quem não está, e vim aqui parar sem saber porquê. Talvez a luz do fim de dia, talvez o sol ainda limpo e os olhos a pedirem mais. As flores crescem sim licença no meio das ervas e as folhas abanam-se à passagem do vento ou do tempo, sacodem sombras. Cresce uma casa também, novidade para os meus olhos. Coisas que surgem onde outras desaparecem. Um ladrar ao fundo, e eu aqui, a falar, sem dizer palavra. Uma conversa de silêncios.

segunda-feira, 17 de maio de 2021

 [foto @hash.photografy]

 E já começou mais uma. Ainda assim, esta começou melhor, mais perto, apesar da carantonha representativa... acho que isto é mais ou menos assim (ou tem sido nos últimos tempos): fechar os olhos e ir em frente. Pelo menos enquanto não se mudar de direcção...

Boa semana!

domingo, 16 de maio de 2021


 [ foto @therealdanaleigh]

Tantas vezes, a única coisa que se precisa é de uma certa luz a dar na alma. Não deixa de haver sombras, mas sabemos que são sombras da luz que se sente. 
A luz dos dias molhados de chuva miudinha e teimosa parece-me sempre a melhor para isso. A luz suave, doce e quase sorrateira, não fere, e atenua as sombras.

sábado, 15 de maio de 2021

 
Noto que me afasto de mim quando falo, e sinto, as coisas de que realmente gosto como que de amores antigos, distantes e arrefecidos. Pouco meus, como coisas que (nos) foram. Também aí o amor paixão está distante, acamado e consumido pelo tempo costurado dia a dia, dia após dia, desilusão ferida de desilusão. Ontem, ao fim do dia, cheguei a casa com dois livros novos. O primeiro, que foi “plantado” na minha secretária de trabalho logo pela manhã (o que me fez arrumá-lo discretamente e ficar muito sem jeito), pega nesta ideia que os livros são um refúgio e um gosto, talvez uma mania. Não lhe chamaria vício porque não lhe encontro contra-indicações. Talvez eu fale muito de livros, ou do que me fica deles (mesmo com a minha memória de galinha para citações fidedignas). O outro estava guardado desde os meus anos, e foi-me entregue ontem no primeiro jantar depois de sei lá quantos jantares perdidos para os tempos virulentos. Um jantar de risos à distância segura de matar distâncias outras, de petiscar a mesa e abraçar com os olhos à despedida, como à entrada tarde e a más horas depois de hora e meia de viagem. O terceiro - A louca da casa - é o livro que comecei, e que já não pego talvez há umas duas semanas, ou mais, não sei. E gostei do que já li, ainda que haja naquele livro demasiados pensamentos e sensações que me são familiares, em que ao mesmo tempo que acho piada a isso, não me faz questionar ou parar para pensar, pelo menos até agora. Diz coisas que já pensei ou senti, nesta coisa do escrever. Do sentir as palavras, ou o que raio é isto que nos leva a despejar-nos em símbolos descodificáveis. As frases com que se acorda, ou que surgem dalgum recanto nosso que não conhecemos ou reconhecemos, em qualquer altura e sem aviso, de sonhos a semáforos vermelhos, e que não nos largam até as escrevermos. Até dissolvermos o feitiço em palavras que nascem e crescem dessa semente. Dessa pequena loucura em que mergulhamos, como um submundo instantâneo da normalidade. Mas teve o efeito curioso de perceber que é coisa que afinal acontece a muita gente, sou menos louca do que me pensava, ou a casa que nos alberga é bastante maior que julgava. Afinal loucos assim há muitos. Dos outros também.

[por incrível que possa parecer, estão 3 canídeos não foto. As patas de um, parte da cabeça da caçula e um tiquinho, quase imperceptível, das pintarolas da mãe... tudo na preguiça ainda ]

quarta-feira, 12 de maio de 2021

 

[imagem @iuliastration]

... a sério que é nisso que estou a pensar. No fim-de-semana. E é mau sinal, muito mau sinal, quando eu almejo pelo fim da semana de trabalho tão cedo. Acho que comecei a pensar na sexta feira, logo na segunda de manhã. E não é normal em mim. Gosto de trabalhar, gosto de estar e trabalhar com outras pessoas, e agora não gosto das pessoas, nem do modo de funcionamento, (des)organização e afins. Não gosto. E não gosto de não gostar porque gosto do trabalho, do que faço. Mas sinto-me cercada e apanhada numa armadilha. Nunca quis estar onde não me queiram com real vontade, indiscutivelmente. E para uma sagitariana  não é coisa que aguente muito tempo.  Manda tudo pelos ares, mas vai... o meu único problema é que se ficar sem trabalhar vou dar em doida. Mais doida, isto é.

domingo, 9 de maio de 2021

 

E um dia acordo e sou mãe há quinze anos. Tenho um bebé de quinze anos. Acho que terei sempre um bebé, não importa os anos, mesmo que já não tenha tratamento de bebé, nem mo deixassem ter... Acabei de fazer um bolo.. quer dizer não sei se lhe chamaria bolo, é mais uma mixórdia, porque para quem é tinha de ser um bolo saudável (valhamedeus, um bolo e não pode ser declaradamente doce de açucar e com tudo que se tem direito... ao menos uma vez de vez em quando.. mas enfim, hoje as vontades são do bebé..)... então é substituir uns ingredientes, procurar receitas na net, e eu e a minha incapacidade de seguir receitas dá numa mixórdia que combina coisas de várias receitas, depois de perceber a correlação de quantidades... portanto não faço ideia se está comestível ou intragável. Se estiver bom, por outro lado, não a saberei repetir... paciência, inventa-se outra na altura. Mas na verdade acho que na cobertura vou furar o esquema da coisa... só um bocadinho, vá. Chocolate preto é antioxidante, né?

E hoje lembrei-me duma frase que lhe ouvi há dias, curiosamente na véspera do dia da mãe... depois duma conversa que começou com o espanto dela e a frase... "mas que mulher não é feminista? não existe!"... e eu respondi... "bom, existe, a tua mãe pelo menos" O que muito a espantou, porque como lhe disse as coisas não são lineares e devemos ter pensamento crítico e analítico - pensar sobre o que se ouve e lê, e depois concluir. Não concluir, apenas para fazer parte. Carneirada não é argumento e não devia ser opinião. Não lhe impus ideias, fiz perguntas, muitas das quais de que não sabia resposta, dei-lhe a minha opinião, que igualdade é ninguém ser melhor ou pior que ninguém, mas não aproveitar uma condição natural para ter benefícios injustos alegando que se está a combater desigualdades. E igualdade de coisas diferentes é só uma forma deturpada de emendar, errando. Igualdade e equidade são coisas diferentes. Eu não quero igualdade, quero justiça. E essa não depende do género, mas da condição humana. Falámos de aborto, do direito ao próprio corpo, da resposta evidente da decisão ser da mulher, não há igualdade aqui pois não? e da decisão de ter ou não um filho ser independente da vontade do pai, mas ainda assim ele ser responsável numa decisão em que nada garante sequer a sua participação (já que a decisão, porque de facto as coisas não são iguais e a natureza assim o determina, não é dele nem poderia ser, mas as consequências à partida são responsabilidade sua)... é justo? e as quotas? é justo? ou só uma humilhação em nome dum objectivo? uma injustiça em nome da mesma injustiça, do género garantir lugar. Então mas não era isso que se queria combater? Falámos de muita coisa, pus muitas questões, não para lhe dar a resposta, mas para que ela a pensasse e procurasse. Lembrei-me de noites inteiras em que fazia o mesmo exercício sobre outras coisas, com outras pessoas. Fazer perguntas, sem tentar obter respostas mas fazendo com que quem as ouve as pense mesmo que não dê conta. Nunca quis que pensassem ou pensem como eu, mas quero que a minha filha pense e defenda o que pensa sustentada em argumentos. Só pensando sobre as coisas e com uma análise critica penso que se pode lá chegar. No fim disse-me 

- adorei esta conversa, mãe, temos de ter mais conversas destas, há coisas que não sabia, outras não tinha pensado assim
- estou sempre aqui, filha. Sempre que quiseres.

E agora ver se o bolo já queimou...

sábado, 8 de maio de 2021


"Porque desta vez falei-lhe com toda a franqueza; o tema casamento foi discutido até à exaustão. «Antes de virmos para aqui, para o apartamento, eu apercebi-me de que, para ti, era penoso pronunciar essa palavra. Um dia, disseste-a, à entrada de minha casa, e tens toda a minha gratidão pelo facto de a teres dito. Serviu para que eu me decidisse a acreditar em ti, no teu carinho. Mas não podia aceitá-la, porque teria sido uma base falsa para este presente, que nessa altura era futuro. Ao aceitá-la também teria tido de aceitar que tu te submetesses, que te obrigasses a uma decisão para a qual ainda não estavas preparado. Em contrapartida, submeti-me eu, mas como é lógico, posso estar mais segura das minhas reacções do que das tuas. Eu sabia que, mesmo submetendo-me, não te guardaria rancor. (...) Por isso te digo que agora não tenho a certeza de que o casamento seja a nossa melhor solução. O que é importante é que exista algo que nos una; esse algo existe, não é verdade? Ora bem, não te parece mais poderoso, mais forte, mais bonito que aquilo que nos une seja isso que existe verdadeiramente e não uma simples formalidade (...) E, finalmente há o teu medo do tempo, de envelheceres e eu olhar noutra direcção. Não sejas tão melindroso. Aquilo de que eu mais gosto em ti é algo que o tempo não será capaz de te tirar.»"

Mario Benedetti, in A Trégua


"(...) ao aceitá-la também teria tido de aceitar que tu te submetesses, que te obrigasses a uma decisão para a qual ainda não estavas preparado. Em contrapartida, submeti-me eu, (...)" - esta frase foi talvez das que mais me marcou neste livro. Li, sorri, fechei o livro, percebi a sensibilidade do homem que o escreveu e o entendeu: o gesto de amor, dos mais belos e mais imperceptíveis. Acho que este pequeno grande pormenor passa ao lado de tanta, tanta gente; e este pequeno grande pormenor é amar, amar verdadeiramente. É incrível como isso passa tão despercebido, como não entendem, como quem vê de fora não percebe, que às vezes nos submetemos ao inimaginável para não submetermos, não obrigarmos, quem amamos ao que imaginamos não estarem preparados para fazer, para que, no fundo, afinal, não se submetam. Simplesmente não se submetam. E ao fazê-lo ser opção consciente, sem mágoa, sem exigência alguma, apenas por não querer provocar, ou de alguma forma forçar, uma reacção no outro que queremos que seja livre e espontânea: verdadeira. Só assim o admitimos - verdadeira -, seja qual for o tempo que precise para que nasçam em si certezas, porque só queremos alguém com a certeza genuína, que nasce por dentro, selvagem e livre, cheia de força. Só assim terá força, a força da vida que pulsa no sangue que o coração faz correr - que faz viver realmente. Provocar uma resposta não é responderem-nos, é reproduzirem o que queremos ouvir, não nos responde a nada, é uma espécie de monólogo estéril, que só contenta a quem gosta de se ouvir: quem não ama, não sabe amar. Porque quem ama só quer amar e ser amado - sentindo que ama e que é amado -, e isso nunca pode implicar submissão, a não ser ao próprio amor ("em contrapartida, submeti-me eu"...). Não se força, não se provoca, não se faz, surge, e quando surge tem a força que dá a certeza de ninguém ser obrigado a submeter-se - a não ser ao amor que os dois sentem, ou não vale de nada, não vale nada. E isto, isto que se sente assim, é uma coisa que o tempo não pode tirar, o que pode tirar - e tira certamente - é a certeza de que o outro nos deixa sempre submeter, sem nunca chegar o tempo, dentro do nosso tempo, de querer realmente ficar junto, e que "importante é que exista algo que nos una". E isso seja vivido.

[dei por mim a reler coisas antigas. fui à procura de registos de livros já lidos e deparei-me com isto. incrível, impressionante, continuo a pensar exactamente assim. não aprendi nada, poderá dizer-se. ou ainda não mudei de ideias. continuo a achar certas as ideias, estas ideias. há coisas que não podem ser de outra forma, ou serão da forma errada, e dessa forma continuo a não as querer. há coisas que só têm valor se escolhidas, se fruto da vontade, e não forçadas, obrigadas ou obtidas por insistências, como vitórias por exaustão. se isso é amor eu nunca amei.]

Dia de spa caseiro, preguiça lenta e sol no na leveza do azul céu. Mimar a solidão da casa em silêncio, só povoada pelos cães e pelas minhas conversas (parvas) com eles. Pensar em mergulhar num livro à tarde e nuns filmes afundados no sofá, à noite. Dia de voltar devagarinho aos quarenta minutos de ioga, de preferência sem dar cabo das costas, porque as costas definitivamente deram cabo do ioga (e não só) da última vez, por várias semanas, e eu nem sei como ou porquê, mas é capaz ser melhor ter cuidado, pelo sim, pelo não. 
Mas, nada, mesmo nada, começa antes dum café, não há ritual que se dê por iniciado sem um café. Talvez o próprio começo de dia seja uma ode ao café :)) ... como será possível o dia começar sem aqueles cinco minutos de pausa, inundados pela música que o cheiro a café toca na nossa cabeça? Quando o mundo pára, a nossa cabeça pode tocar músicas incríveis. 
Eu não sei de vocês, mas eu estou desconfiada que continuo meio (ou ainda completamente) confinada, sem grande euforia de desconfinamento... dantes o café era sempre fora de casa, numa esplanada e gente a entrar pelo olhar. Agora nem sei se quero sair de casa... acho que confinei a alma e não encontrei decreto que a desconfine, ou lhe acorde essa vontade.
 

sexta-feira, 7 de maio de 2021

 Tiraram-me as folhas douradas do outro lado da rua, mudaram-me as vistas e o poiso. Mudaram os escritórios, mas não mudaram as pessoas e as pessoas não mudaram. E eu acho que também não. E começo a pensar que algo vai ter de mudar. Prometi-me que não deixaria esta empresa mudar-me, multinacional ou não, grande grupo ou pequeno grupo. Prometi que não me ia tornar o que não gosto de ver, não gosto de hipocrisia e detesto joguinhos de bastidores, políticas e odiozinhos de estimação bem guardados por trás de sorrisos e pancadas nas costas. Oferecem ajuda para ficar por dentro das coisas, já percebi, já agradeço e dispenso. E dispenso também é por enquanto manda-los à merd@, mas não sei por quanto tempo. Voltando aos escritórios volta a sensação agudizada que as pessoas não trabalham umas com as outras, mas umas contra as outras. Nunca trabalhei assim, e prometi-me não deixar esta empresa entrar-me no sangue, por muito sangue que me ande a custar. Mas como em tudo, quando disser basta, é basta. Terá chegado a hora?

quarta-feira, 5 de maio de 2021


 “Siga as indicações” - e é o que fazemos sempre, né? Escolhendo as indicações que vão para onde queremos chegar... e na verdade é assim que tem de ser.
(bem se vê pelas indicações...)

Bom dia!

terça-feira, 4 de maio de 2021


 Hoje estou capaz de mandar tudo à.... sim aquela parte. Já acordei com esta disposição assassina, a manhã só a transformou em vontades de assassina psicopata. Não sei bem o que foi, mas sei que é tudo, esta gente com que lido todos os dias, esta confusão de que fazem profissão, esta parvoíce exarcebada e o descartar de tudo para quem vier. Isto e voltar daqui a nada ao modo iô-iô está-me a dar ganas de mandar tudo p’ro raio que os parta e ir rumo ao alentejo à procura do meu monte e doutra vida, com outras gentes. Irra no que me vim meter. O meu grau de falta de paciência e tolerância à estupidez não dá para isto. Apetece-me gritar mas a única coisa que sinto é tudo atafulhado por dentro e reduzido ao tamanho duma ervilha, pressionado sob o peso do grito que não dei, e de não os mandar para onde mandam toda a gente lá por aquelas bandas... isto hoje não está bom, pronto. Nada bom. 

sábado, 1 de maio de 2021

 


Nunca há uma altura certa. Ainda que se planeie, ainda que se pense e repense, ainda que se marque num calendário que não chega a ser tempo, mas só pensamento. Nunca se sabe o momento certo, então esperamos um dia sentir, ter a certeza, algo acontecer e tornar-se claro. Nem sempre acontece, ou quase nunca, e então espera-se, espera-se por alguma coisa que não se sabe o quê, e depois já não sabemos por que esperamos, até que continuamos à espera sabendo já nada esperar. Mas esperamos, ou deixamos o tempo passar sem calendário. O extraordinário que ansiamos acontecer, é dar um passo de fé, sem razão ou com ela, mas com vontade de chegar a algum lado pelo próprio pé, é fazer acontecer. Uma vontade que vença a inércia de ser, de continuar sendo. Mesmo que se revele ser o fundo do abismo, ou, com sorte, onde queríamos chegar. A alternativa é esperar até ao desespero, e depois, depois continuar, e desesperar por querer alguma coisa que nos faça acordar, dar passos, querer. Acordar é sempre um abismo. No tempo.