sexta-feira, 30 de junho de 2017


Lua

Habita o sonho
Desabita a vida

Habituada a ver
Desabituada de tocar

Tão dentro da alma
Tão longe da pele


quinta-feira, 29 de junho de 2017


... acredito pois... às vezes a razão é sermos estúpidos...
Há fases más e outras não... pior é quando já estamos no ponto de não distinguir umas de outras... algo vai mal, já não é uma fase é o quadro todo...
[foto @me_and_orla]

Chegou a casa com o sol a debruçar-se sobre o horizonte, poisa as chaves, a carteira e a pasta carregada de papéis, desce dos saltos - primeiro um, dois passos à frente o outro. Descalça encaminhou-se para a porta de vidro que lhe pareceu mais pesada que em qualquer outro dia. Lentamente correu-a e a brisa logo caminhou pela sala levando parte do peso que lhe curvavam os ombros desde manhã. A madeira do alpendre, debaixo dos pés, ligeiramente aquecida pelo sol que insistiu em embrenhar-se durante todo o dia, criava um conforto mono a cada passo. Sentou-se no cadeirão e poisou o olhar no horizonte, procurando deixar-se lá. Fechou os olhos, tentando abandonar-se, evadir-se de pensamentos, esvaziar-se de quotidiano, e vazia deixou-se ficar na escuridão das pálpebras descidas, ouvindo apenas a sua respiração e o chilrear dos pássaros que não via. Deixou-se estar, tentando saborear uma paz que lhe era sempre fugidia de tão ilusória. Lembrou-se da frase que lhe surgira durante o dia enquanto os saltos calcorreavam a calçada na correria a que ultimamente se dedicava, "pensas logo existes", e ela, num curto circuito de palavras, apanhou um pequeno choque quando o contrário se iluminou: quem pensa não tem tempo para existir: existe menos. As existências não pensadas existem melhor, e mais. E agora, ali descalça, de olhos fechados, queria apenas existir não pensando. Reduzir a existência apenas à essência de ser, se pudesse ser. Um sorriso pareceu assomar-lhe os lábios, como a brisa que levemente remexeu as folhas da árvore que lhe invadia o alpendre todas as primaveras, mas de que mal se dava conta. A respiração pareceu distrair-se, já não dava por ela, e nesta distracção surpreendeu-a o pulsar do coração fora do sítio... sentia o coração nas mãos, aliás, na ponta dos dedos, algo lhe palpitava por dentro e sentia-o nos dedos que terminavam as mãos vazias. Houve um enrugar da testa que alguém se teria apercebido se a observasse. Depois o coração sentiu-o nos joelhos, numa espécie de formigueira ritmado que parecia um coração, algum coração perdido de si, seguiu-se o pescoço e o colo, e foi então que instintivamente levou a mão ao coração, para lhe tomar o pulso, e não, não estava lá, não sentia nada. O coração havia desaparecido, não batia no sítio, espalhou-se pelo corpo, perdeu-se. Sentiu chegar-lhe uma ansiedade sem razão, como um pressentimento de algo que estaria para chegar sem ser anunciado, ou algo essencial que fugiu sem razão conhecida. Só se lembrava de se sentir assim de todas as vezes que àquela mesma hora fazia tempo para esperar pelo amor que não seria nunca da sua vida, mas que foi. Aí ainda tinha o coração no sítio, agora parecia ter desaparecido e sentia-o apenas ao longe, espalhado pelo corpo, a palpitar à ressonância de um coração que ela não trazia no peito. Abriu os olhos, viu à sua frente, muito parado, um pequeno pássaro a olhar para ela. Ficaram assim não sabem quanto tempo, num instante que parou o relógio, a perscrutarem-se pelo olhar, até que ele bateu asas rumo ao anoitecer que já se instalava. Deixou de sentir aquela ansiedade, o coração a palpitar onde lhe faltava colada outra pele que lhe levou o coração do peito havia muito tempo... respira fundo, pesado, e de entre os lábios houve um sussurro que ficou por ouvir "Existe melhor quem não pensa, vive melhor quem não sente. Viver é aprender a bater asas."

segunda-feira, 26 de junho de 2017


Recado ao próximo amor.
Nós fazemos - fabrico próprio, receita caseira.
Cumprimentos,
A Gerência

sábado, 24 de junho de 2017




... vamos lá pescar o São João no sítio das raízes dos ossos... dos meus ossos de ser.

[foto @ryanmuirhead]

As palavras que existem 
não chegam para te amar em palavras.
Se inventasse outras tantas
ficaria ainda outro tanto a faltar.

(...e eu que já não te amo... mas as palavras ainda não sabem, 
amam-te como dantes, soçobram agora, como dantes o meu amor)


[foto @bird.ee]

Talvez não nos faltar ninguém na vida seja só não acreditar em ninguém, não acreditar que há vida que rompe a pele de fora para dentro. 
Como é que se pode viver uma vida que não se sabe se existe? 
Do lado de fora da pele não se sabe nada, só se sabe o que se sente por dentro da nossa pele. Só o que é nosso tem existência real. Só o que é nosso é que podemos saber, do resto só desconfiar. E convém desconfiar bastante. 

sexta-feira, 23 de junho de 2017


... o sol atrás das grades.
É perigoso soltá-lo.
Ou soltarmo-nos.
Melhor tomá-lo as fatias
Ou sermos inteiros.
[a ilustração perfeita... e até me faz rir, sempre se aproveita alguma coisa..]

É engraçado quando num dia já esgotado de todos os tipos de pachorra de que já sou pouco munida de nascença, alguém que é um fornecedor, nos diz "ah pois mas pelo que vejo a empresa da senhora precisa muito mais de nós que nós da sua empresa"... gosto muito, acho até inteligente dizer isto aos clientes... isso e depois de muito andar à roda e de me cansar em conversas redondas, se sair "se a senhora tem tempo para escrever cartas destas..." e então uma pessoa rematar " pois tenho, não tenho e para conversas redondas como esta, já perdi tempo a escrever a carta, não vou perder mais ao telefone com o senhor, por isso se quiser responder responde, se não quiser não responde, nós actuaremos em conformidade. Muito boa tarde." e pronto, isto tudo para dizer que tenho de voltar a tomar o café com açúcar... irra!! Ou eu ando muito amarga ou o mundo anda muito estúpido, ou as duas coisas... é capaz de ser as duas coisas e em vice-versa também... para mal dos meus pecados.

e tu,
sempre tu
num prodígio de luz
a enlouquecer-me
as sombras

gil t. sousa


... e eu que pertenço às sombras,
à escuridão onde sempre me escondeste
e me encontravas.
e nesse encontro nunca dei por falta de luz,
nunca dei pelas sombras.
aninhava-me na luz do teu olhar,
que era a minha luz e o meu calor,
era o meu caminho e a minha casa,
mas era de sombras que tudo era feito,
e de ilusões
à sombra do meu amor que era poeira
duma vida maior que eu,
duma vida que não era minha





terça-feira, 20 de junho de 2017

[foto @keslertran]

"Caí no silêncio há vários dias. Quero falar-te das horas incandescentes que antecedem a noite e não sei como fazê-lo. Às vezes penso que vou encontrar-te na rua mais improvável, que nos sentamos diante do rio e ficamos a trocar pedaços de coisas subitamente importantes: a tua solidão, por exemplo. Mas depois, virando a esquina, todas as esquinas de todos os dias, esperam-me apenas as aves que ninguém sabe de onde partiram."

Vasco Gato

...ou que destino têm.
como eu, aqui... aqui ou em qualquer lado. a todos lugares pertenço e de nenhum sou pertença - ou assim o sinto nestes dias. coisa estranha essa, de querer falar e não saber de quê, não saber por quê, só esta aflição asfixiada na vontade de algo que me tire o peso de dentro - não de cima, de dentro, é o por dentro que me pesa e me encolhe, encarquilha o respirar -  este peso que não sei onde se esconde ou porquê, mas cresce e esmaga a esperança a cada esquina que não valerá a pena dobrar,  a cada palavra que se cala sem saber o que cala, a cada suspiro que não expira cansaços de alma... a minha solidão, por exemplo. essa ave que não sabe para onde voar ou donde é. das penas que a cobrem voaram as raízes, o ninho é onde se quer chegar, e quanto mais se quer chegar mais estranhos são todos os sítios onde paramos pelo caminho. nunca pertencemos na esperança de um dia pertencermos a um sítio que chamaremos nosso, que seremos nós. sítio, não lugar. lugar ocupa-se, vaga-se e reocupa-se, sítio é onde estará sempre parte de nós, onde somos ou fomos, mas permanece numa geografia temporal que não se move em nós, de nós. fica. como este sítio onde este peso me converge e chama a minha solidão de sua.

sábado, 17 de junho de 2017


[@paradoxos, poemografias de Heduardo Kiesse]


"Não ponhas palavras na minha boca, põe beijos"

... a não ser que beijo seja só uma palavra na boca.
A minha boca não é para qualquer beijo, 
nem para todas as palavras.
Há beijos que não me cabem nas palavras 
e beijos que me soçobram 
na alma do que não se diz,
e que disse nos beijos que não dei.


sexta-feira, 16 de junho de 2017

[foto @s_fantine]

Às vezes dou por mim a escrever sobre as coisas como se ainda fossem reais, como se algumas vez tivessem sido, como se não houvesse recantos da memória que se inventam e reinventam sem nunca terem nascido na curva dum dia que se viveu, que foi. É (também) nessas alturas que as palavras desprezam a realidade e correm soltas para onde querem, mesmo onde nunca estiveram. Dou por mim a pairar sobre pensamentos e rastos de memórias, donde avisto algumas histórias como tendo servido ao menos para isso: para encantar as palavras e ser-lhes musa e mote, ponto de partida onde nunca se chega ou chegou, mas sempre algo que me vai acompanhando. Mesmo que eu me pareça cada vez mais distante, estou ainda terrivelmente perto, como um quadro por que passamos todos os dias... nuns paramos e admiramos, noutros quase o veneramos, noutros a pressa e o resto da vida asfixia qualquer encantamento ou contemplação. Qualquer que seja o dia o quadro está perto, mas tão longe que nunca faremos parte, nunca seremos ou fomos o quadro, mesmo que esteja na nossa parede... Tão perto que se alcança todos os pormenores, tão longe que as mãos não podem tocar. Talvez tudo isto seja parecido. Estou longe, mas, ao mesmo tempo, é esse o único encantamento interior que bebo, que me nutre e me afoga, em que me refugio e em que me perco, que me toca sem me aflorar. Reinvento-me a cada dia em palavras filhas de memórias que não inventei (tenho a certeza que não) mas que, aparentemente, não chegaram a ser reais. Um grande amor, forte, à prova de tempo e de todas as provas, é feito e vivido a dois. Eu sempre o vivi sozinha, sei-o agora... então quanto de realidade tem esse sonho? Não sei, mas vou-o escrevendo como sinto que o vivi, indiferente a qualquer outra realidade, ou talvez, à realidade... terá sido só uma realidade sonhada, ou um sonho mal vivido que corrijo escrevendo, o que vivendo, não chegou a realidade... mesmo que o tenha saboreado... e haverá diferença? Qual será a verdadeira diferença entre o realmente sentido e o vivido que nos submerge a pele num sonho que se sente?

quinta-feira, 15 de junho de 2017



... que maravilha de dia e ainda melhor fim de tarde, já com uma brisa a correr-nos nos cabelos, e a luz a deitar-se mansa em cada coisa. Uma caminhada como devia fazer todos os dias... isso sim fazia-me bem a tudo. E num muro do caminho: " Loucos como eu, vivem pouco mas vivem como querem"... Não sou louca ao ponto de viver como quero, mas não sou sã o suficiente para me contentar com o que não gosto...isso é que é viver muito poucochinho, diria eu... mas cada doido com a sua mania, é o que é...


quarta-feira, 14 de junho de 2017

As pessoas que me dizem para deixa de fumar não parecem fazer ideia da companhia que um cigarro faz ao deixar-se fumar. O entreter-nos as mãos faz com que a cabeça se desocupe para vaguear sem parecermos tão perdidos, parece que estamos a fazer alguma coisa, alguma coisa que justifica a inactividade, a deambulação pelos vazios vários: estamos a fumar um cigarro. Um cigarro é também, muitas vezes, um bom aliado nas desculpas que queremos inventar " é só fumar mais um cigarro e vamos embora", ou então a justificação para uma pausa duma coisa que não nos está a prender inteiros "vou só fumar um cigarro e já volto", outras vezes é uma oportunidade ao convite " queres ir fumar um cigarro lá fora?", outras vezes é só o meu ritual de encerramento do dia, o último cigarro do dia. As pessoas que me dizem para deixar de fumar não percebem que tudo isto me faz falta, e que agora até é desculpa para a meio caminho de casa, num sítio que com dias bons me dá uma sensação calma e onde não tenho más recordações, venho sentir o por do sol onde dantes vinha muitas vezes trespassar o dia pelo anoitecer e onde cobrava só mais um cigarro antes de ir. Como agora, vou só fumar um cigarro antes de ir. Só não o cobro a ninguém.

O que eu gosto de ouvir isto... 
Ao fim da tarde dá o mood certo e amolece o cansaço, 
de manhã faz-nos sonhar pela noite e adocica a pele.
Adoro a sensação que me transmite...

Is it alright to breathe now?
Cause you keep taking my breath away 
with all these things you do and say
and I just wanted to ask
Is it alright to breathe now?
Is it alright for me to breathe now? 
Cause I can't hold it back much longer... 
And holding back the thought 
that you might actually be my eternity... 
I feel I'm asking myself really 
after all these things that we've been through
 and all the times you've hurt me 
and all the times I've hated you 
could it really be?
the thought of it as gotten me dizzy

terça-feira, 13 de junho de 2017



[foto de Patrice Forsans]


e a minha mão
desceu o teu rosto
num movimento
de coisa que parte

e tu disseste:
porque é que as mãos
dos que amámos
nos acenam vazias?

mas não
na minha mão
havia uma lágrima enorme
e azul
que tu
já não sabias ver


gil t. sousa


[foram tantas as vezes que a minha mão desceu o teu rosto, tantas quantas as vezes que o teu rosto partiu, indiferente à minha mão que chorava, vazia.]

segunda-feira, 12 de junho de 2017


... e se o meu mal não tiver nome? 
...se me naufragar em terra e de pé seco?
como peço socorro? há socorro?
...e se o meu mal for um náufrago da minha vida de que não me posso socorrer, ainda que tenha nome? 
...ainda que atravesse mares a nado por nada, 
... ainda que por mim tenha passado sem que nunca tenha por mim dado um passo...
...se nunca o chamar tenha sido sempre um instituto da minha vida,
 sobre que assento a ruína dos pilares que nada seguram mas tudo suportam, 
quem chamo?
Quem chamo se as janelas estão fechadas e as portas trancadas com a voz por dentro, 
e eu trago disfarçado nos pés um passeio alegre?





O resumo muito resumido do fim‑de‑semana.
... fartei-me de andar, apanhar sol, rir, dizer disparates, ouvir disparates de vários géneros (cheguei à conclusão que agora deve ser moda os desconhecidos pedirem beijos e acharem que se podem dar bem... e ainda me ri para dentro com isso)
... perdemos o primeiro concerto, tive bom feitio com'ócaraças,  dancei e tive (outra vez) uma boa desculpa para comprar um livro. 
... ainda pus o pé na areia e molhei os dedinhos, esplanei sem pressas, tal como comi sem horas marcadas... tudo ao sabor do momento, o que se viu viu-se o que não se viu ficou para ver doutra vez, mas tudo se fez sem correria, programa ou horário, só na espontaneidade e vontade do momento... e isso é coisa que me descansa o espírito, solta-me a disposição. 
...Tirámos fotografias giras, conversámos tontices e debatemos coisas que surgiam na mistura de tudo, mandaram-me calar porque alguém estava farta de ouvir o debate... 
...Gozaram comigo, recebi um telefonema a dizer que agora dou nós cegos a amigos dos meus amigos... lá me obrigaram a contar a história que não tem história... o que deu nos conselhos do costume: não podes fechar a porta, conhecer melhor alguém não faz mal nenhum, podem-te surpreender, etc etc... nem vale a pena tentar dizer que o moço não é moço para mim ou eu para ele. Cheguei. Acharam-me morena e eu achei-me bem disposta. 
E é isto. Devia fazer isto mais vezes para espairecer a cabeça e soltar o riso ao sol. Faz-me bem, afasta-me a cabeça e a alma do que quero bem distante do meu presente e do meu por dentro. Não tivesse eu de fazer contas tantas vezes, e havendo boa companhia que alinhasse, e eu arrumava o tempo nos lugares certos, arranjava espaço para o futuro e encontrava no tempo um recanto para o coração sarar.

sexta-feira, 9 de junho de 2017






Adoro a primeira destas músicas, mas detesto ouvi-la - daqueles paradoxos que a vida nos tece e ironiza. 
Há um anúncio de televisão que tem a música e eu sempre que a ouvia alternava entre um sorriso ácido nos lábios e o encolher do coração ao tamanho duma ervilha. Nenhuma das duas eu conseguia evitar, era uma reacção, um instinto, alguma coisa me ligava um botão que dava uma ou outra coisa. O que nunca me deixava era indiferente, a música puxava os cordelinhos da memória e eu respondia qual marioneta nas mãos duma qualquer crueldade requintada auto-inflingida e inconsciente... ressoam-me coisas... foi um concerto bom, muito bom, intimista, a que não fui nem fiz falta, como em tudo aliás. Quando pude ir ver e ouvir também não fui, iria estar demasiado presente onde nunca estive ou fui querida, recusei-me a ir e a bilheteira esgotar deu-me a desculpa ideal a quem perguntou se não queria ir... Não fui. Depois esta coincidência de passar a ouvir a música na publicidade, e eu ter esta mania estúpida de achar que o que custa recordar deve ser recordado à exaustão, até vencermos a dor pelo cansaço ou pela teimosia, recordar até não haver mais o que recordar ou a recordação de tanto escarafunchar a ferida ela simplesmente deixar de doer. Comprei há algum tempo o CD na net, e agora todos os dias o vou ouvindo a caminho do trabalho. Estas são as músicas que mais gosto. E aquela - a Nemesis -, talvez o nome tenha tudo a ver, talvez um dia possa haver uma justiça qualquer que equilibra tudo, que vinga tudo, em que todo o mal se transformará em bem e toda a dor e mágoa em felicidades que as apagarão, ou as tornarão apenas indiferentes à recordação. Essa será sempre a melhor vingança: o não precisarmos dela.

quinta-feira, 8 de junho de 2017


O tempo corre-me tão depressa como a este homem aqui sentado, sem saber que o tempo passa enquanto segura uma senha na mão à espera que chegue a sua vez (esperamos todos). Só o esperar já traz tempo dentro, mas ele não sente porque o tempo só conta se trouxer coisas dentro para guardar nos bolsos de dentro da alma. Quando dos dias nada resta para guardar não se sabem contá-los: pode ser uma semana, um ano, uma década (o que aconteceu no último ano?? não faço ideia...). Não há senha que nos dê vez. 
Eu com a senha numa mão, escrevo com a outra, mas espero enquanto entretenho as letras do tempo. Espero a minha vez.

quarta-feira, 7 de junho de 2017

...stá!! 
ehehehhe
(as coisas de que se lembram bbbalhamedeusss!!)

[foto @pickledgoose]

Ando com a cabeça ocupada, parece que me fujo, que não me quero pensar. Tenho a sensação estranha de estar a viver a minha vida pelo lado de fora, quase uma espectadora, que vai desempenhando, mecanicamente e sem alma, sem por dentro, o papel a que assiste. Como se um qualquer botão, que liga o por dentro ao por fora, tivesse sido desligado. Como se me tivessem despido da minha pele.
Se sempre fui metade razão e números e outra metade alma e palavras - com todo o caos que esse equilíbrio desequilibrado em metades que pouco se tocam, e às vezes se repelem, traz -, agora há metade de mim que parece adormecida. O fiel da balança não hesita, como se tivesse sido esmagado pelo vazio duma metade. Digo adormecida porque espero que não morta, espero sem certezas, como todas as esperas se vestem.
Tenho pouco para dizer, e quero dizer pouco ou nada, mas falta-me essa magia das palavras em que se paira, mergulhando em mim como mãos que me vão buscar ao fundo da inexistência, ou desta existência regular, repetida e mecânica. Às vezes parece que estou longe de tudo - não distante, mas longe - como se a luz do dia me iluminasse, mas a visse apenas percorrendo um longo túnel, como se a visse cravar-se quente na pele, sem que a sinta por dentro. Entedio-me com quase tudo, não me apetece quase nada. Vou fazendo a manutenção dos alicerces que mantém a vida como quem respira sem saber, sem querer. Mergulho a atenção nas coisas como se o oxigénio me asfixiasse, e só submergindo pudesse continuar a respirar sem a dor de saber que não sinto o ar, que já não sinto. Às vezes, sem saber como ou porquê, num momento qualquer que suspende o tempo, emerjo e respiro fundo o peito cheio de ar, saem-me palavras sob pressão como quem se desenrodilha por jacto. É quase um instante, e logo me afundo outra vez. Esqueço-me que sequer precisei de ar, volto à mesmice sem sentido, onde o mundo é líquido e a pele se dissolve - nunca chego a perceber porque precisei de ar. Apago-me outra vez.
Ainda agora, quase me obriguei a abrir isto, a começar uma frase que sei que se a começo algo sempre se desenovela. A primeira frase é só a ponta do fio que puxa o resto. Não sei porque me obrigo, talvez para me lembrar que tenho de querer respirar e sentir, que não me quero deixar morrer adormecida, queria adormecer só quando morta, que não me quero só metade de mim, mesmo que às vezes ache que bastaria, tanto como o nada que me chegam as duas - afinal, por viver fica exactamente o mesmo... Tudo um esforço inglório roubado ao sono, tentando não deixar adormecer em mim a fina réstia de vida que me trazem as palavras que desenterro da alma e espalho como quem desenha a sua pele. Estes bocadinhos de noite são os únicos onde procuro estar comigo, onde as palavras cosem o por fora ao por dentro e me fazem pele, onde sou fronteira de mim mesma e me contenho, extravasando-me.

terça-feira, 6 de junho de 2017

[foto @_georgemayer]


Quando os olhos pousam as mãos virgens 

no seu primeiro arco-íris de vida 

acordam cores que nunca sentimos.



(abraçar com as mãos o rosto de quem se ama é uma viagem assim, 
poder enche-lo de beijos é o tesouro no fim do arco-íris - aquele que dizem que não existe.)

... há dias em que acredito que sim, em que respiro recomeços sem regressos, 
que talvez venha a ter tudo, outra vez, mas doutra forma,
 diferente mas boa e com outro fim... ou melhor ainda sem fim.
...nos outros acredito que sou só parva nos dias em que acredito.
...entre uns e outros vou sendo eu todos os dias, entre mim e eu.


não me fales mais
dessa solidão de papel

eu ainda tenho a sede das oliveiras
a paciente sede
dos rios que nunca chegam
dos rios avistados
que não se podem tocar

eu ainda tenho a dor da terra queimada
a fortíssima dor
das chuvas que não voltam
das raízes que morrem
sem poder gritar

o teu nada
é só mais um perfume!

e eu
eu tenho sangue na voz
tenho no peito o grito do lobo
a imensa tristeza de uma lua
que o céu não quis

gil t. sousa

[a minha solidão não é de papel, como eu não sou de papel, sou de pele aquecida de sangue quente, que esquenta e ferve, esse sangue que me mata e asfixia porque corre e corre por ordem do coração - esse lobo solitário que em noites de luar uíva a tristeza de que não se desprende, do sangue que esquenta, ferve, mas não estanca. quando estancar morreste. morreste-me, e não sei se me morrerei também, não sei o que de mim sobreviverá. o que restará sem ponta de sangue, de calor, de luar? Eu não serei de certeza, será alguém que te acena um cumprimento, mas não te reconhece. Um fantasma apenas. Uma lua de papel.]

(e tornou-se verdade o que escrevi numa outra vida " alguém que te acena um cumprimento, mas não te reconhece". do papel da lua não sei, parece-me apenas um papagaio da lua que me banhava corpo e alma de vida, lembra-me sempre certos fantasmas que se esqueceram de crescer)

segunda-feira, 5 de junho de 2017

[foto @moniblanco]

A realidade tem a mania de mudar sem nunca nada ter mudado, como uma luz que deixa de iluminar, deixando os olhos cegos para tudo o que permanece igual, assim como o seu contrário - quando a luz incide sobre o que estava oculto sob o manto da escuridão. Tudo permanece igual, só nós vemos diferente. E se às vezes a escuridão traz o medo pela mão, outras é a luz que nos faz temer. O conforto é sempre uma ilusão de ausência de confronto com o que não esperamos. 
Escrevo isto e percebo que ganhei medos por um dia se terem iluminado partes de mim que não conhecia, não o poderia esperar, para depois se terem de conformar com uma nova escuridão: esquecermos o que fomos, o que tivemos, o que sonhámos, até aquele dia em que despertámos. Nesse dia acordamos a perguntarmo-nos se sempre fomos assim e não sabíamos, ou se só somos assim pela luz de alguém que nos ilumina e nos dá sentido. Mas se for assim, então como podemos nós perder uma parte de nós que não é nossa? Que nunca foi? Como é que nos falta uma parte de nós que nunca fomos nós? Que é território estranho a que se chega só por alguém que é ponte para uma margem de nós.
Continuo a ter perguntas que só se vergam ao cansaço, aos vários cansaços que me vestem e isolam a pele, acumulo-os como se acumulam os anos no olhar, na desesperança no sorriso, na solidão dos dias. É curioso como no fim de contas é o cansaço que me salva de mim. De tudo o que já não sou.
Eu já fui outra e não mudei, apenas me apagaram a luz.
[foto @kat_in_nyc]

E se o tecto for feito de nuvens 
vamos subir ao telhado descalços 
e enfeitar o cabelo com grinaldas de chuva 
que escorrem sonhos de azul 
pela pele arrepiada de sorrisos beijados. 

(As nuvens a salpicar o azul do caminho fazem-me chover palavras nas mãos. às vezes temos de parar o dia para sentirmos - como agora tive de parar para escrever esta frase que me fez cócegas - e é nessa altura que o tempo avança, que o tempo não faz tempo, de resto são só ponteiros a rodar em falso, a darem horas mas a tirarem tempo. 
É quando o tempo pára que o tempo verdadeiramente conta, ainda que não o sintamos passar. É nos instantes em que ficamos suspensos no tempo que o momento cristaliza, eterniza-se. O tempo é uma qualquer variável paralela à vida que nos acontece dentro, os pontos de tangência são esses.)

domingo, 4 de junho de 2017


Miguel de Carvalho, in Neste estabelecimento não há lugares sentados

Duas páginas seguidas que me deixam presa no meio delas, a pairar entre as respostas para as ausências e o silêncio como cartografia de lugares imaginários que se revelam ponto de fuga para desencontros inconfessadamente desejados.

... e hoje acordei assim. 
Quer dizer acordei com esta vontade, ninguém me fez o pequeno-almoço, o que é pena,  porque - bolas!! - eu até merecia... mas pronto, tenho a minha varanda, uma brisa meia rebelde, cereais com iogurte (adoro e só descobri há pouco tempo), ovos mexidos e torradas, uma salada e morangos. Depois duma bela noitada nada como o dia a começar assim. Melhor só mesmo que me fizessem o pequeno-almoço/almoço, mo levassem à cama e ajudassem a comer. E nem precisam de acrescentar flores, como parte do quadro matinal, só beijos. Isso é que era!
[há qualquer coisa de promessa num dia que me começa assim, mesmo que não seja... acho que era isso que eu queria dizer]
Bom dia!

sábado, 3 de junho de 2017


[foto @_georgemayer]


Mulheres que se vestem de sombras 
para melhor se despirem.
Gosto.


O tempo corre tão veloz como a força da luz de um holofote que deixa na memória, a contraluz, intacto, o perfil perfeito e nítido, da felicidade apenas sonhada. A luz contorna-a tão perfeitamente que as arestas mais cruas de escuridão poderiam cortar a solidão. Mas se é sonhada, imaginada, irreal, como enfrenta o tempo e vence? Ou será por isso? O tempo não é a peneira da realidade? Ou é só peneirento de manias?
O tempo corre, mas contorna a memória, e só me dizem que a esbate e cura tudo.
Quero trocar o meu, a quem me queixo?

quinta-feira, 1 de junho de 2017


porque a loucura

deve ser rasgada por dentro

com as mãos cravadas numa ponte

acesa ao abismo



gil t. sousa

[... e não são todas as pontes por explorar um abismo? Um desconhecido da outra margem?... Uma loucura, ou um sonho, a rasgar por dentro, com medo mas com vontade? Se por dentro a vontade não ganha, o medo não perde - se ganha dizem que é loucura, se perde a vida não muda.
Loucura, o rasgar e ir.
Não ser feliz e não tentar rasgar o desconhecido, abri-lo com as próprias mãos, não será a loucura mais perigosa? Na outra margem do abismo pode estar o que queremos, se nesta, onde estamos, não estiver. Aqui, onde estou, não está.]


[foto @deinha_natali]

"O mundo há-de ser aquilo que se vê daquela janela para fora."

Tenho o péssimo hábito de anotar no telemóvel as palavras que o movimento do carro, das paisagens, das pessoas nos carros por que passamos, da música que nos vai brincando nos ouvidos e no corpo, me traz. É péssimo porque é perigoso, claro está, e é péssimo porque muitas vezes com o corrector automático em acção, chego ao fim da viagem e quando vou tentar ler o que escrevi, perdi metade, porque a atenção estava obrigatoriamente mais no caminho que no andar escrito das palavras. 
Li o post do Impontual antes de arrancar mas aquela ultima frase ficou-me a fazer cócegas ( ou qualquer coisa do género, cócegas não, senão não dava para conduzir ou o que fosse, não me podem fazer cócegas que me desarticulo completamente). Quando cheguei aqui o que consegui recuperar, ou o que resta dos gatafunhos do corrector foi :

O mundo é o que está da janela para fora, visto pelo que temos da janela para dentro. Por isso há tantas realidades para os mesmos factos e tantas janelas para o mesmo mundo, que nunca é o mesmo para cada um. Talvez gostemos, ou não, das pessoas pelo mundo que vêem, que nos apresentam, que nos mostram, visto da sua janela. 
Talvez nos apaixonemos por paisagens.


E agora fiquei a pensar que há coisas estranhas que me podiam parecer coisas que na verdade não podem ser, que não haveria maneira de poderem ser, nem lógica, nem razão, mas fica-me uma sensação estranha, como em tanta coisa fica mas que não é nada, que depois passa e leva a estranheza na correnteza dos dias. Aprendi a não querer pensar nelas, ou ando a aprender. Porque não são estranhas, estranha sou em estranhá-las, por de repente me lembrarem outras que já morreram, mas que, mais vezes que gostaria, me surpreendem em saudades do que sei que nunca existiu. Do que existiu mesmo -  da realidade que se me cravou na pele até à alma -, não tenho saudades. Talvez tenha saudades do sonho e de o sonhar, como de uma droga que nos mata mas nos extasia de vida, que sabemos sugar-nos em dobro do que dá.
Hoje o cansaço e as chatices vergaram-me, nem a varanda me puxa, e o cigarro já me mora nas mãos enquanto a bicha me habita os pés, como todas as noites enquanto me sento aqui. Talvez o dia, tão acelerado e amargo, me tenha levado as palavras, ou talvez eu fuja delas por comodismo, não sei. Sei que quero dormir e com o fechar dos olhos desligar do dia, de mim, de tudo o que não chega a ser nada. E depois percebo que tudo é nada, todos os dias.