segunda-feira, 31 de outubro de 2016

Translating:
Be stupid enough to 
accept being broken before breaking

Sentou-se à espera do que não se espera,
do que não se espera alguma vez esperar.
Sentou-se e procurou o que não se procura,
o que se procura nunca procurar.

Porque os encontros não se procuram
e os desencontros não se esperam.

Um dia, sem estar à espera,
quando já não procurava,
deu por si a esperar 
não ter encontrado o que procurava.
Porque só sabia esperar o que não se espera
Só sabia procurar o que não se procura

Ninguém lhe ensinou
 o encontro inesperado.
Aquele que nunca se aprende

domingo, 30 de outubro de 2016


Parei em frente ao portão fechado, oiço por trás de mim uma voz meiga a dizer: "fechou às cinco, amor". Virei-me, "..,às cinco? Não sabia, obrigada." Sorri por trás dos óculos escuros, dum sítio qualquer, a que respondeu "fala com o segurança, pode ser que ainda deixe entrar um bocadinho." Foi o que fiz, de flores na mão, margaridas rosa e aquelas flores brancas pequeninas de que, segundo a minha mãe, herdei da minha avó o gosto. Prometi serem só quinze minutos, que era rápido, como se naquele sítio a pressa não fosse um absurdo mais absoluto que a morte. Entrei pelos caminhos sossegados, dos lugares com flores novas, frescas, e dos outros, com a morte desabitada, quase abandonada, como se certas partidas não fossem o derradeiro abandono. Não critico quem não vela a morte pela visita. Os nossos mortos velam-se apenas pela presença diária duma ausência para a eternidade. Não são os que lá são desabitados que têm a alma esquecida, vivem enquanto nos estiverem nos dias, nas memórias, na repetição do que nos deixaram em momentos, em palavras, em pequenas eternidades embrulhadas em certos instantes que não se desvanecem.
Gosto de lá ir em dias de datas desassinaladas, ou das que eu assinalo, gosto de ir sozinha e sem ver gente, de estar sozinha com quem me deixou mais sozinha. Não consegui, não tive tempo de me sentar naquele banco, onde vejo o rio e o céu e o tempo de quem já não o vê. Não tive tempo para ter tempo com quem já esgotou o seu nesta terra feita chão onde outros caminham. Deixei as flores, mal arranjadas mas bonitas, as que gosto. Aquelas, que estas mãos arranjaram, mesmo que mal, num ramo que mistura o que sou, o que me fizeram, o que fiz do que me deixaram nas veias a correr. Parei cinco minutos a olhar pelo vidro, voltei a pôr os óculos quando o céu já não sabia do sol, fiz o caminho de regresso que para alguns já não é caminho, porque não há regresso. Há ausências de que não se regressa que nos acompanham para sempre o caminhar.

Essa coisa de acharem foleiro uma mulher chamar a pessoa que escolheu para a vida de "meu homem". Essa coisa de a mesma palavra designar género e relacionamento: nascida mulher e mulher de um marido. Essa coisa de o homem poder ser homem e marido, ou só homem ou só marido. Essa coisa de separarem umas coisas e não outras. Essa coisa de acharem que as éguas são cobertas e isso ser coisa inferior, como se ser fêmea fosse estrato mais rente ao chão do que macho. Como se o que decorre da natureza fosse humilhante, como se ser coberta por macho, que a fêmea aceite e escolha, desse primazia ao macho porque cobre, ainda que depois de ser aceite. A mulher é fêmea, eu sou fêmea, e não acho que dizê-lo seja diminuir-me, como não acho que dizer macho superioriza alguém. Ou diminui. Embirro com as feministas que diminuem a fêmea, ser fêmea, quando a sua maior força é essa, e isso ser diferente - tão diferente e a beleza de tudo estar precisamente aí - de ser macho, mas de só assim as coisas fazerem sentido, encaixarem, serem o seu papel. A Marilyn tinha frases estupendas, duma inteligência a que poucos chegavam perdidos no caminho do loiro platinado. Como esta, ou como quando dizia que uma mulher querer ser igual ao homem era falta de ambição, porque, na verdade, este não lhe é superior na sua diferença. É apenas diferente. A cada um o seu papel, mesmo que um seja cobrir e o outro seja escolher querer ser coberta, ou não, por aquele macho. Acho bonito - acho mesmo lindo, daquela beleza natural que volta ao intocado e irracionalizado e deseducado - alguém dizer de quem escolheu para a vida ser o seu homem, ser a sua mulher, independente dos rótulos, das relações, do estrato social, educação ou ponto geográfico. Porque ser o meu homem é ser a minha escolha para tudo, dentro de todo o género masculino, independente de qualquer relação, laço ou designação. Nunca resignação. É a ligação pura, essencial, crua. Coberta de razão do que é natural, descoberta de rótulos e preconceitos.



[foto @lovepaperplane]

Passava lá maior parte do tempo. Diziam, com toda a razão, que não jogava com o baralho todo. Nem percebiam sequer ao que jogava ou que cartas precisava ou quais lhe faltavam. Não conheciam os seus jogos, ela jogava com o baralho que tinha. Diziam que não era todo, que não estava completo. Tinham regras para tudo, até para o número certo de cartas, sem perceberem que depende do que se quer jogar. Ou se se quer jogar.
Quando não sabiam onde parava iam encontrá-la invariavelmente na estrebaria. Ultimamente passava lá dias quase inteiros, ou melhor, em todos os momentos inteiros do dia. Estranhamente saía de lá sempre com um sorriso de alma inteira e uma margarida a desenhar-lhe os jeitos do cabelo. 
Ela agora parecia dedicar-se a escovar um enorme animal, de porte majestoso, de pelo brilhante, de temperamento indomável, musculatura de campeão, altura de rei, mas que parecia gostar de ser escovado por ela enquanto ela falava, contava histórias, ria-se, gargalhava até. Andava para cá e para lá, alimentava-o, brincava, tinha medo dele, de cair, de ele fugir, de ele não sossegar para ela o escovar. De ele desembestar mundo fora, para longe da estrebaria onde ela se sentia segura - onde guardava as suas coisas, onde fazia casa -, de tão inquieto sentir ser o bicho. 
Ninguém percebia o que fazia ela tanto tempo naquela estrebaria vazia, sem vivalma, a falar sozinha como se não estivesse, a viver como se sonhasse outros mundos, a viver noutros mundos como se este não fosse sequer sonhado. Diziam que não jogava com o baralho todo, procuravam cartas onde ela via histórias, procuravam animais onde ela cuidava dos seus sonhos.

[sim, não jogo com o baralho todo, não é novidade e não foi por falta de aviso essa surpresa...]
(foto @oxy.to.cin)

Caminhava despreocupada entre o formigueiro de gente que se movimentava como quem tinha um sítio marcado onde chegar. Parecia que só ela observava, só ela, andando, estava parada naquela engrenagem infernal. Viu um rosto que lhe lembrou alguém. Procurou nas memórias sem sucesso, não se lembrava quem aquela cara lhe lembrava, ou quem sabe, até seria. Sentaram-se numa esplanada, ele ao lado dela a olhar para algum lado que ela não via, que ela nunca via, e ele parecia nunca a ver, ou procurar ver para onde ela olhava, senão talvez se encontrassem. De repente lembrou-se: era a cara dum familiar afastado que não via há muito tempo, há muito que não sabia nada dele. Pegou no telefone ligou à irmã, descreveu-o, perguntou-lhe o nome. Desligou o telefone perplexa. Tinha morrido há vários anos, não podia ser ele, ou sendo, só o seu fantasma. Chegaram os cafés, ela aqueceu as mãos na chávena e por instantes fechou os olhos para aquecer o olhar. Quantos dos que se vêem serão fantasmas? Se não soubermos se morreram ou não, são gente como nós... pensou com um sorriso cego que lhe morreu nos lábios e que nunca ninguém viu. Quantos de nós já estarão mortos? Quantos saberão disso? Abre os olhos e, pela primeira vez naquele dia e não sabe há quantos dias, olhou-o nos olhos, disse-lhe: "era um fantasma". E ele, atónito, repete em pergunta: um fantasma? E ela sente um arrepio que vem da terra, que lhe sobe pelos pés, que chega à boca para lhe responder, respondendo-se a si mesma tantas perguntas por fazer que agora ali se respondiam, quase antes de feitas. 
-sim, morreu há anos mas não para mim porque não sabia... se calhar, se não soubermos, as pessoas não morrem, até as vemos noutras pessoas, ou então são fantasmas. As ruas podem estar povoadas de gente que já morreu e não se sabe, e, para quem não sabe, estão vivas ou é como se estivessem. Parecem vivos, mas são fantasmas. - semicerra os olhos, metade em desafio, metade com cara de miúda traquina, e acrescenta - "percebes?"
-que disparate... fantasmas?... só dizes disparates.
-disparate? Estás a olhar para um... morri para ti há anos e tu não sabes, nunca quiseste saber, talvez tenha morrido por causa disso. Morri para ti, mas o mundo nasceu-me, outra vez, agora.
Levanta-se e mistura-se na engrenagem do mundo. Deixa para trás aquela máscara, aquela armadura, aquela pele endurecida naquele tempo de vida que serviu apenas para chegar àquele momento, àquele arrepio, em que volta à sua pele, ao que é, ao que sempre foi. Desistiu de desistir de si mesma. Naquele momento regressa-se e reconhece-se. Por baixo daquele tempo e daquela pele sempre fora assim, ela, apenas andou anos a tentar esquecer-se porque ninguém se (a) lembrava dela.
Pergunta-se, enquanto se levanta, se saberão que agora ela está viva para o mundo?... que deixou naquela mesa os despojos duma pele e duma vida que não era sua, que já não queria, que não era ela, nem dela. Soltou-se para agarrar a essência. Não era um fantasma.

sábado, 29 de outubro de 2016


Um tempo maravilhoso, o sol quente, as nuvens de transparência fina, um sábado sossegado, para mim... Sorrisos que vão aparecendo, mágoas que se querem desaparecidas. Um pequeno almoço que segue um banho lento, dos que podiam lavar a alma se a água chegasse tão fundo... A preguiça estendida em cima da cama, enrolada molhada numa toalha cada vez menos seca. A luz a entrar pela janela, de esguelha, à procura do ângulo para se estender na parede, à minha frente, cheia de circunstância e nenhuma pompa. Cá em casa não entra pompa e há circunstâncias que saem a correr.  Mas não a circunstância de tirar a toalha e enfiar um roupão leve em cima da pele, essa circunstância prolonga-se num pequeno almoço grande, que faz de almoço sem enganar ninguém. O sol quente mergulha na pele, dá umas braçadas na alma, onde nada mas não há pé. 
Olho para a mesa, no tabuleiro a circunstância do café com leite ser ainda leite e café, em camadas. Sobreposto, não envolvido, não misturado. Só de olhar não sabemos se se misturam, se se podem misturar de tal forma que depois já não se saiba dividir um do outro. Distingui-los sequer. Às vezes só de olhar não se vê. É preciso saber do que se é feito para fazer o que não pode ser desfeito. E para isso, muitas vezes, tem de se desfazer muita coisa.
E agora comer e vestir para tomar um café... Gosto destes sábados devagar, com o vagar de domingo que lhes quisermos dar.




Um beijo que se manda
Mas nunca chega

Um beijo dado
Que nunca adoça a pele 

Um beijo com sobrenome de vontade
Beija-nos por dentro da pele, 
a cada viagem que promete fazer

Um beijo que ficou por dar
Sentindo-se essa ausência 
É um beijo devolvido
Daquele que nunca chegou.
É a viagem de volta do que nunca partiu.

Bom diaaaaa ronhaaa....

sexta-feira, 28 de outubro de 2016

Havia um canteiro de papoilas em casa do meu avô, e eu gostava de passar por ele, sempre que ia e vinha de casa dele - de brincar com ele e com as papoilas. Papoilas: vermelhas, e sempre tão estranhas, não sei se bonitas, mas têm aquele aspecto selvagem, de quem não precisa de muitos cuidados, porque o seu maior cuidado é ter ganas de sobreviver, e sobrevivem. Sozinhas vão-se sustentando dia a dia, têm a sua força nessa vontade selvagem de ser, de nascer e aguentar-se de pé. Nem bonitas nem feias, mas com uma graça frágil, simples, natural e ao mesmo tempo cheia duma força quase sobrenatural. 
(publicação original de Março, 2012)

....volta e meia volto às papoilas da minha infância, e à mão que procurava para agarrar a minha, uma mão forte, quente em ternura e protecção. Não eram mãos bonitas - de tão esquisita que sou com as mãos -, mas eram umas mãos que me faziam sentir bem. Mãos que tantas vezes espreitei, de soslaio, noutras que me faziam lembrar essas, que me levavam no tempo e no sangue até elas. Também essas já não me amparam, não me seguram, não me protegem, levaram com elas a protecção, o sentir que há mãos que se podem procurar para nos agarrar, para não nos deixar cair - ou melhor ainda, não precisar de as procurar... tudo isso acabou. Alguém me devia ter avisado que eu devia ter crescido antes disto. Procuro nessas mãos da memória a memória duma segurança que não tenho, mas que tento agarrar no vazio das mãos que perdi. E colo, esse colo que me ampara e repara de todos os males, que os faz desaparecer como num passe de magia para crianças que crêem, enquanto me semeia dentro, um sorriso que já não sei sorrir, mas em que creio.
Tenho saudades, saudades de tudo, de tanta coisa que é o meu tudo, de tantas pessoas que me são e que me faltam... tenho saudades de estender a mão e procurar uma mão, como a minha filha procura a minha quando caminhamos lado a lado, e mesmo sem qualquer perigo aparente, encontra-a, e segura-a. Seguro-a. 
Seguro-a sempre, será que ela sabe?
Alguém me devia ter avisado que eu devia ter crescido quando as papoilas morreram naquele canteiro.

Saramágica - chama-me ele porque me falta a pontuação, porque não sei pôr as virgulas, os pontos, os travessões, esses cruzamentos bastardos que são os ponto e vírgula... mas os pontos nos i´s não me falham. Sei que tem razão, que a cabeça se esquece de pontuar, que às vezes até se esquece de dizer como escrever o que passa a uma velocidade desnorteada, capaz de cruzar a mesma esquina duma ideia, em sentidos opostos, ao mesmo tempo. Tem vezes que até a mim me dá um nó cego nos sentidos, oriento-me pelos sentires - sempre - e tento deslaçar as palavras sem perder o laço, enquanto deixo, descuidada, cair as regras da pontuação, como quase todas as regras da vida nesta vida. Como hei-se agarrar a pontuação se estou afogueada a tentar não deixar escapar a essência, a ideia, a imagem, o que me aparece em monólogos internos e inteiros e inquietos. E tontos tantas - quase todas - vezes. Quero que me ensine, que me abrande sem me travar, que me ponha as vírgulas nas pontas dos pensamentos e nos momentos certos, que em dois pontos me declare o impossível, que me puxe as orelhas entre parênteses, que me perceba sem qualquer ponto e vírgula, que me sussurre sem travessões e me queira sem pontos finais. Não gosto de pontos finais, prefiro a magia dos ritmos que não sucumbem a pontos finais. posso gostar de pequenas pausas em que os recomeços não são fardados de maiúsculas de pompa e - principalmente - circunstância, (tão à moda, que gosto, do Hugo Mãe). Os parágrafos são-me difíceis, como todas as mudanças de tema, de história, de personagem, de mudança imposta que não cai no ritmo. No meu ritmo despontuado, desregrado e intensamente desregulado. Só os tolero se forem desculpa para descanso merecido depois de maratona ofegante, de história dentro da história, que nos prende o fôlego e faz correr galopante o sangue ao coração. Daquelas histórias que Saramago escreveria num parágrafo mágico, enorme, a que não faltaria ritmo, ainda que às vezes nos faça faltar o ar ( e tenho para mim que é quando nos falta o ar que melhor nos respiramos). Esses recomeços bons são continuações apaziguadas que adiam fins sem fim, sem perder o fio à meada, só o ar de vez em quando: como quando nos fazem exclamar de surpresa boa e nos fazem interrogar se a vida tem, ainda e sempre, nalgumas pessoas, luz dentro da escuridão. Dessa luz das searas que faz a vida acontecer nas suas mãos. Magia sem vírgulas.

quinta-feira, 27 de outubro de 2016







Impor, obrigar, não toca: empurra.
A alma não pode ser empurrada.
A alma vive da vontade, dos nossos quereres mais fundos, que não controlamos, que somos, antes de tudo o resto à volta existir em consciência. É o que mais nos faz.
Nem a razão controla a vontade.
Não entram imposições nem controlos onde a terra é dos sentires. A alma só é tocada se sentir, e não se sente por imposição, apenas, eventualmente, é-se empurrado para a mentira.
A alma é livre - é, talvez, a dimensão única da liberdade pura.

[por isso nunca quis ninguém obrigado. sem alma, nem o corpo é presente... nem a pele prenda.]



Suster alguém numa qualquer paragem que o tempo parou de sustentar. 
Suster alguém num instante sem assustar o tempo que galopa no coração dum puro sangue.
Viajar num beijo por uma vida inteira por acontecer
Que não pára de acontecer a cada encontro por agarrar, 
a cada desencontro de vida que se quer falhar,
sustendo no tempo, no espaço, no impossível, 
um encontro inevitável.
de sustentável imobilidade.

quarta-feira, 26 de outubro de 2016


Há uma ternura avassaladora que a alma desprende
que enjaula, doido, o desejo debaixo da pele

Há um desejo ardente a queimar a pele
Que arde na alma sem se consumir

Há um desejo selvagem
que só se solta quando a alma chega a casa.
Yet.
Socorroooooo!!
Enfiem-me numa casa de doidos que hoje nem dou pela diferença
 e sempre me chateava menos.
E dormia mais.



Primeiro foram as mãos que me disseram
que ali havia gente de verdade
depois fugi-te pelo corpo acima
medi-te na boca a intensidade
senti que ali dentro havia um tigre
naquele repouso havia movimento
olhei-te e no sol havia pedras
parámos ambos como se parasse o tempo
parámos ambos como se parasse o tempo

é tão dificil encontrar pessoas assim bonitas
é tão dificil encontrar pessoas assim bonitas

atrevi-me a mergulhar nos teus cabelos
respirando o espanto que me deras
ali havia força havia fogo
havia a memória que aprenderas
senti no corpo todo um arrepio
senti nas veias um fogo esquecido

percebemos num minuto a vida toda
sem nada te dizer ficaste ali comigo
sem nada te dizer ficaste ali comigo

é tão dificil encontrar pessoas assim bonitas
é tão dificil encontrar pessoas assim bonitas
(...)

Pedro Barroso

Há coisas que leio que me deixam tão pouco por dizer, que roubam as palavras por devolverem o sentido dos sentidos, do sentido querer. Do querer tão sentido. Do desejo que se bebe na pele, duma sede que nasce por baixo da pele. Nasce e morde-te, acorda-te, emaranha-te numa revolução sem mote. As mãos agitam-se de vida errante, mas de verdade, quando, das verdades certas perderam o sentido do Norte que se esquece de sentir. Mãos que se querem boca e pele e sol. E beijo, um só, que se faz sede e dá de beber. Sobram palavras quando os olhares gritam, soçobram os sentidos quando a pele sente por dentro o que toca por fora, desperdiça-se silêncio quando nele não cabe um beijo dado de corpo inteiro, entregue numa palavra que não precisa ser dita. 
"É tão dificil encontrar pessoas assim bonitas", mas se encontramos é inevitável que o tempo perca o seu papel, que um minuto possa ser uma eternidade inteira, que um beijo tenha corpo e asas e sonhos. Que se poise esse beijo nuns lábios como se a vida fosse um breve instante à espera de voar.

terça-feira, 25 de outubro de 2016

Cura tudo que se pode curar e adoece-nos de vontade de beber a vida num trago 
quando se ri a pessoa certa, com a piada certa.
Ou a piada acerta-se porque a pessoa é certa. Nunca acerto com isto...
Bom Dia

sexta-feira, 21 de outubro de 2016


A luz brinca, entra por todos os recantos, ri-se em sombras. Abraça, agarra o tronco como quem puxa uma cintura, passa as mãos por ramos e galhos como quem passeia levemente por braços e pernas, passa e abana as folhas como se passasse os dedos sedosos pelos cabelos de luz. Faz tudo como se não fizesse nada. Brinca como se não fosse o sol a emaranhar-se nas árvores, brinca como se brinca à vida que não fica por viver. E às vezes fica. Tantas vezes fica.

[escrito no caminho de regresso do Alentejo, descoberto agora nas notas do telefone porque faltava a foto. E hoje apetecia-me Alentejo, estradas sem norte, curvas sem esquinas, dourados que afagam. apetecia-me esquecer-me, deixar de ser-me, ter-me como uma sombra se fecha numa mão. Em vez disso fecho-me num escritório e sonho num dia em que me abra numa seara.]

quinta-feira, 20 de outubro de 2016

Sim, como quando se sabe que é aquela pessoa que queremos. 
Não é porque nos conseguimos imaginar o resto da vida com ela... 
é porque não nos conseguimos imaginar sem ela dia nenhum da nossa vida. Nem queremos.
Era bom poder sentir uma coisa dessas, acreditar, e depois poder ficar com essa pessoa, não só imaginá-la, não apenas sonhá-la, vivê-la -  sabê-la certa. 
Confiar.

terça-feira, 18 de outubro de 2016



Talvez se eu aumentar a minha latitude não dê pela tua longitude. Talvez o medo não seja instinto seja pele que veste a pele para não sentir a alma que guarda nos limites vertiginosos do equador do ser. Talvez não acreditar seja acreditar que é melhor não crer, que querer não basta e que nunca sabemos do querer do outro lado da fronteira. Somos sempre estrangeiros quando saímos de nós, somos sempre refugiados quando o sentir nos expulsa as fronteiras do mapa que nos segura, e nos vemos espalhados por mundos que não governamos, que não são para ser entendidos, mapeados ou pacíficos. Talvez não sabermos a Terra que pisamos nos faça sonhar céus onde as nuvens não são nossas, mas onde a chuva nos refresca a vida e nos lava os dias como nossos. Céus onde o azul nos aquece o olhar e o sol nos tinge a pele sem licença, queimando o medo que o sol despreza. Talvez o medo se amedronte quando o sol abre os braços mas é tudo o que resta quando o abraço anoitece. Talvez se eu diminuir a minha latitude acredite que a tua longitude não se mova do impossível e todas as coordenadas estejam condenadas.

terça-feira, 11 de outubro de 2016


... E ela apanhou o cabelo enfeitou-o com uma flor de sonho, 
sorriu como quem veste a pele de sol e a alma dum dia por nascer.  
Sabendo que o ocaso é um acaso que se pode esquecer, por querer ou só por acaso.
[recebi esta foto e diziam-me para a pôr no cabelo, que ficava giro... Saiu-me isto.]

sexta-feira, 7 de outubro de 2016



A aproveitar os últimos cartuchos. Daqui a nada banho e estrada até à vida de todos os dias. Ainda não pensei no caminho, mas não o quero direito nem directo, quero saborear o tempo, lamber com os olhos as vistas que dão de comer. Quero parar e guardar momentos, quero música o tempo todo, quero vidro aberto e o vento a passar. Quero o sorriso a vestir a alma e quero gargalhadas que dispam tudo. Mesmo sozinha quero tudo inteiro e completo. Quero o azul no longe da linha do horizonte e até lá o dourado que será fogo ao entardecer. Quero arder nesses tons. Quero não pensar e ter tudo pensado. Quero mais que tudo, não querer nada. E tê-lo.