"Depois do Natal vem o domingo da Família... da Sagrada Família. Será a família uma coisa sagrada? Hoje fala-se de famílias alternativas. Sociólogos e psicólogos falam-nos de famílias mono-parentais, co-parentais, sem filhos, com filhos de outros, com pais de outros... Em tudo isso onde estará o Sagrado? O Sagrado é o Amor, o que equilibra e faz crescer: é o que humaniza. O mundo precisa de espaços sagrados e de relações sagradas: deseja famílias que o sejam. O resto parece, mas disfarça mal a violência que esconde."
Vasco P. Magalhães
É nestas alturas - ou particularmente nestas alturas - que sinto como a minha família é estranhamente disfuncional, ou seja, funciona à sua maneira, mas é uma maneira estranha de funcionar. É também nestas alturas que a sinto mais minha, que sei que só esta poderia ser a minha família, que esta disfuncionalidade faz parte de mim, e explica-me em muita coisa, talvez fosse a única que poderia combinar comigo. Feitios complicados para onde quer que nos viremos (menos para mim, claro... ), maneiras de lidar com a vida diferentes, ainda que com sensibilidades parecidas, e veladas. Silêncios que dizem o mesmo e conseguiriam conversar entre si longas horas sem faltar assunto... e talvez conversem. Pensei um dia poder amenizar esta disfuncionalidade trazendo à família pessoas mais normais, tornando-me mais normal por casamento, mas talvez eu tenha dificuldades em adaptar-me à normalidade formatada e lisa (e a casamentos que não têm o que eu quero). Estes formatos planos apenas escondem melhor as arestas das relações, as contradições, as naturais idiossincrasias de cada um , e de todos enquanto família. A disfuncionalidade começa onde a transparência, ou a falta de parcimónia assaltam os momentos. E aí, o sangue que nos junta, que nos une, que nos faz um, é curiosamente o que não é dito, é o que se sente, porque sentimos com o mesmo ADN maluco e disforme: disfuncional, talvez. Quanto mais lugares vazios na mesa há, menos parcimónia se senta connosco. E mais eu penso que não haveria outra família que pudesse ser mais minha, onde eu encaixasse tão bem as minhas desreguladas intensidades desperdiçadas, ainda que tantas vezes me apeteça umas férias desta. Mas ainda assim, há uma coisa que não se consegue duvidar, é o que temos de sagrado e que equilibra o desequilibrado caos. Sagrado, porque faz o impossível, nada mais o conseguiria. Só o Amor faz milagres, não há porque disfarçar o óbvio.