Sentada a apreciar um pequeno almoço vagaroso, depois de levar a miúda, e a fazer-me jurar que vou direita para a banheira... Nem ponho os olhos na cama. Não posso, não posso mesmo, tenho de ir para o escritório sentar-me direitinho, feito menina bem e comportadinha para fazer uma serie de coisas sem falta... Gaita. Tenho de despachar-me... Ai que a cama não olhe para mim com aquele ar, senão ainda lhe salto para cima... Com vontade.
Às vezes tenho a sensação estranha de ser feita de duas metades que não comunicam, há dias em que sou só números, em que uma pedra é uma pedra, como dizia Adélia Prado, outras, por muito que me esforce, não consigo ver só uma pedra, vejo tudo o que poderia ser, tudo o que não deveria ser, divago, sonho e levo com a pedra na tola, mas nada de conseguir fincar as ideias no chão. Hoje uma pedra parece uma pedra. Olho-a, pego-lhe e sinto-a fria... Só isto. Não imagino quanto pesa, quanto de si são sonhos, quanto deu de si ao que lhe amansou as arestas, quantas mágoas guarda e quantas tentou expulsar sendo atirada no vazio ou a alguma coisa, pego-lhe e o meu braço sustenta-lhe o peso apenas, por cálculos instintivos que não sei fazer. Sinto o frio que guarda da noite e não penso que guarda em si o frio da noite e o calor do dia de que se vai libertando aos poucos ao longo das horas. Não penso que dependendo da sua natureza, do seu tipo, guarda mais ou menos temperatura, é mais ou menos imune ao que a rodeia, nem penso que é exactamente como as pessoas, umas guardam o frio e o calor durante muito tempo, outras quase só sentem a temperatura do agora, essas normalmente gostam de estar sempre ao sol. Olho-a e não procuro ver o seu rosto, rosto de pedra é diferente de rosto que precisa de oxigênio. Pedra quanto menos vincos mais velha e mais mole, quantas mais arestas menos o tempo a magoou ainda, quanto mais lisa e macia mais de peixe terá, não tem vontade mas segue as vontades do que a rodeia, mas que não se confunda com não se impor, porque se impõe muitas vezes, obriga toda a gente a contorná-la, ou a subi-la para depois a descer, precisando dela para passar... Há quem diga que só o amor a pode mover, mas dizem que é modo de dizer, ou melhor, de pensar, ou de sonhar. Mas hoje não estou em modo de sonhar, não há registo disso, hoje é só um modo de dizer coisas que se querem pensar.
Não sei onde descarrilei, as palavras brotam donde não as plantei, duas linhas transformam-se num emaranhado que me embrulha as mãos... Tenho para mim que deve haver fusíveis que queimaram à nascença, e outros depois disso... Aiiiiii......banho!! Directo, sem portagem nem paragem, e já!!
ResponderEliminarEna! Escreves e perdes-te a pensar e a desvendar os segredos de uma pedra e que bonito! Gostei especialmente da versão da água a moldar e a contornar a pedra. Nem sempre "água mole em pedra dura" a destrói ou fura. E ainda bem.
:)
Beijo, Vi.
Nanda
É verdade, às vezes perco-me com as palavras e pensamentos que me borboletam a existência... :)
ResponderEliminar