Com o último cigarro do maço entre os dedos, olho pela janela que chove por fora. Tudo acontece por fora e a vida toda trancada dentro, amarrotada para caber.
Detesto ficar sem cigarros, tenho sempre a sensação que vou querer mesmo fumar um cigarro e não vou ter. Não gosto dessa sensação, mas muitas vezes acontece, e tantas outras em que acontece querer coisas e não poder tê-las. Mas estou aqui, assim, entre a chuva de fora e a sede de dentro, e ponho-me a pensar sem chão, nas coisas que se querem e não pertencem às nossas mãos. Realmente já fui mais do que sou, já fui mais alma, já senti demais, e entre as palavras com que escrevi o demais havia talvez esperança e alguma fé no amor, nas pessoas, na verdade, e isso fazia tudo sair mais intenso, mais forte, mais sentido, com mais vida a correr por dentro, com uma força que se sentia por trás das palavras escritas a gritar muda uma certeza paralítica. Agora não, agora é talvez resignação, reflexões dispersas, pensamentos salteados, cigarros que falam monólogos... Incertezas esquizofrénicas. Eu já fui muito mais, muito mais que isto, mas não soube fazer isso sobreviver em mim, sobreviver a mim, morreu quando tive de matar gente dentro de mim, e quando me morreu gente de dentro. Se calhar amarguei, tudo aquilo que realmente queria evitar... se calhar foi isso, ou então não amarguei mas perdi a doçura, estou assim naquele ponto do não ser nada, nem doce nem amarga, uma coisa a meio caminho de lugar nenhum, só isso, uma encruzilhada de caminhos sem norte. Não gosto de olhar para trás e perceber que perdi tanto de mim, coisas que gostei de descobrir, que eram minhas mas que não estão, não estavam, nas minhas mãos, afinal. Porque as perdi sem querer perdê-las de mim. É o custo a pagar por queimar pontes, e eu paguei-o: apaguei-me. Perdi os caminhos para me chegar.
"Perdi os caminhos para me chegar."
ResponderEliminarÉ precisamente por isso que nada se perde. Há sempre algo que (sobre)vive, como as sementes que são largadas à beira do caminho.
Um bom dia, Olvido :)
Estar a meio do caminho já é qualquer coisa, Olvido.
ResponderEliminarPois, eu não posso mesmo ficar sem cigarros. Fico insuportável...:)
"Agora não, agora é talvez resignação, reflexões dispersas, pensamentos salteados, cigarros que falam monólogos..." compreendo-te, se compreendo, alias, esse texto poderia ser eu mesmo a escrever.Faz tanto sentido hoje na minha vida!
ResponderEliminarfica bem
boa tarde
-___-
Será Miss Smile?... às vezes sinto-me tão perdida de mim, tão sem caminho para o que fui, para o que sou se calhar, sem me chegar, sem chegar lá. E se o que sobrevive é só a sobrevivência? os dias úteis, as obrigações, o respirar sem sentir o ar... a sobrevivência é uma agonia de luxo, apenas. Não gosto da vida assim, a saber a nada. Mas há dias, e noites, melhores que outras. Um dia passa, se calhar.
ResponderEliminarBoa tarde, Miss :)
Laura,
ResponderEliminarEstar a meio do caminho que se sabe onde vai parar talvez seja alguma coisa, agora a meio caminho de nenhum destino é coisa para gente perdidinha dos neurónios ;)
Eu também não consigo ficar muito tempo com o maço vazio, até pode nem ser para fumar, mas tenho de saber que se quiser, está lá. Tipo rede anti-ansiedade. :)
Moonchild,
ResponderEliminarÉ estranho quando coisas sem grande sentido nos fazem sentido, não é? Mas nem tudo o que é sentido faz sentido...
boa tarde :)
"Mas nem tudo o que é sentido faz sentido..."
ResponderEliminarmesmo!
mas sente-se!!!
boa noite
-__-
O único sentido que o sentido deve fazer é ser... Parece-me.
ResponderEliminar;)
Boa noite