quarta-feira, 4 de janeiro de 2017

Com o último cigarro do maço entre os dedos, olho pela janela que chove por fora. Tudo acontece por fora e a vida toda trancada dentro, amarrotada para caber. 
Detesto ficar sem cigarros, tenho sempre a sensação que vou querer mesmo fumar um cigarro e não vou ter. Não gosto dessa sensação, mas muitas vezes acontece, e tantas outras em que acontece querer coisas e não poder tê-las. Mas estou aqui, assim, entre a chuva de fora e a sede de dentro, e ponho-me a pensar sem chão, nas coisas que se querem e não pertencem às nossas mãos. Realmente já fui mais do que sou, já fui mais alma, já senti demais, e entre as palavras com que escrevi o demais havia talvez esperança e alguma fé no amor, nas pessoas, na verdade, e isso fazia tudo sair mais intenso, mais forte, mais sentido, com mais vida a correr por dentro, com uma força que se sentia por trás das palavras escritas a gritar muda uma certeza paralítica. Agora não, agora é talvez resignação, reflexões dispersas, pensamentos salteados, cigarros que falam monólogos... Incertezas esquizofrénicas. Eu já fui muito mais, muito mais que isto, mas não soube fazer isso sobreviver em mim, sobreviver a mim, morreu quando tive de matar gente dentro de mim, e quando me morreu gente de dentro. Se calhar amarguei, tudo aquilo que realmente queria evitar... se calhar foi isso, ou então não amarguei mas perdi a doçura, estou assim naquele ponto do não ser nada, nem doce nem amarga, uma coisa a meio caminho de lugar nenhum, só isso, uma encruzilhada de caminhos sem norte. Não gosto de olhar para trás e perceber que perdi tanto de mim, coisas que gostei de descobrir, que eram minhas mas que não estão, não estavam, nas minhas mãos, afinal. Porque as perdi sem querer perdê-las de mim. É o custo a pagar por queimar pontes, e eu paguei-o: apaguei-me. Perdi os caminhos para me chegar.

8 comentários:

  1. "Perdi os caminhos para me chegar."
    É precisamente por isso que nada se perde. Há sempre algo que (sobre)vive, como as sementes que são largadas à beira do caminho.

    Um bom dia, Olvido :)

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  2. Estar a meio do caminho já é qualquer coisa, Olvido.

    Pois, eu não posso mesmo ficar sem cigarros. Fico insuportável...:)

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  3. "Agora não, agora é talvez resignação, reflexões dispersas, pensamentos salteados, cigarros que falam monólogos..." compreendo-te, se compreendo, alias, esse texto poderia ser eu mesmo a escrever.Faz tanto sentido hoje na minha vida!


    fica bem

    boa tarde

    -___-

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  4. Será Miss Smile?... às vezes sinto-me tão perdida de mim, tão sem caminho para o que fui, para o que sou se calhar, sem me chegar, sem chegar lá. E se o que sobrevive é só a sobrevivência? os dias úteis, as obrigações, o respirar sem sentir o ar... a sobrevivência é uma agonia de luxo, apenas. Não gosto da vida assim, a saber a nada. Mas há dias, e noites, melhores que outras. Um dia passa, se calhar.
    Boa tarde, Miss :)

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  5. Laura,
    Estar a meio do caminho que se sabe onde vai parar talvez seja alguma coisa, agora a meio caminho de nenhum destino é coisa para gente perdidinha dos neurónios ;)
    Eu também não consigo ficar muito tempo com o maço vazio, até pode nem ser para fumar, mas tenho de saber que se quiser, está lá. Tipo rede anti-ansiedade. :)

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  6. Moonchild,
    É estranho quando coisas sem grande sentido nos fazem sentido, não é? Mas nem tudo o que é sentido faz sentido...
    boa tarde :)

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  7. "Mas nem tudo o que é sentido faz sentido..."

    mesmo!

    mas sente-se!!!

    boa noite

    -__-

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  8. O único sentido que o sentido deve fazer é ser... Parece-me.
    ;)
    Boa noite

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