quinta-feira, 19 de janeiro de 2017

a dizer outra vez
se não me ensinares eu não aprendo
a dizer outra vez que há uma última vez
mesmo para as últimas vezes
últimas vezes em que se implora
últimas vezes em que se ama
em que se sabe e não se sabe em que se finge
uma última vez mesmo para as últimas vezes em que se diz
se não me amares eu não serei amado
se eu não te amar eu não amarei

Samuel Beckett


[não gosto de últimas vezes, não gosto de fins. nem de todos os meios para um qualquer fim.
haverá um fim para os fins?
será que algum dia podemos descansar sem o peso do fim que se espera, mas ainda não chegou? o peso de saber que vai chegar, que vai doer, que vai matar, mata muito e aos poucos. mata, matou, matará ainda.
Gosto de primeiras vezes, gosto de começos, gosto de recomeços que começam outra vez, mesmo sabendo que já começaram antes, mas que um dia novo é um dia novo. um recomeço é uma continuação dum começo que se quer continuar a começar, começar sempre e insistentemente, sem se insistir nisso: todos os dias com um novo, e sempre mesmo, sorriso, gostar, calor na (da) alma. Tudo. Gosto dum coração cheio de primeiras vezes que se repetem e se sentem pela primeira vez, como se não houvesse primeiras vezes, nem fins.
Sorrir sem nenhum fim, viver sem nenhum começo, como se fosse sempre a primeira vez que sentimos vida dentro.
Dentro dos dias, dos nossos dias. Os dias dentro de nós e nós dentro dos dias. Nossos.]

2 comentários:

  1. e se por se gostar muito de inícios, ficarmos viciados neles?

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  2. Ficamos? Não somos já viciados neles? Não foi por isso que resolveram dividir o tempo em 365 fatias e chamar-lhe ano? E ao novo ano chamam recomeço, folha em branco, toda uma nova oportunidade para se fazer o que não se fez?
    Os inícios dão esse entusiasmo e força anímica, depende, se calhar, de saber equilibrar isso numa estabilidade e não torná-lo num viver aos soluços. E apesar de se dizer que cada fim é um começo, não gosto de fins, mas sei que às vezes não há como fugir deles. Prefiro a sensação de coisas novas, que se vão mudando, que entusiasmam mas que são uma espécie de evolução na continuidade (como dividir o tempo em anos afinal), e não uma revolução.
    Bom dia, Manel
    (O meu poder de síntese é espantoso hein? Não há maneira de me explicar em duas linhas...)

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