sábado, 28 de janeiro de 2017


Disse poucas vezes que amava alguém. Tive muitas vezes vontade de dizer que amava alguém. Houve alturas na minha vida em que o podia dizer, e disse, das vezes que tive vontade de dizer, necessidade de o dizer, mas foram poucas. Das muitas vezes que tive vontade de o dizer, necessidade mesmo, quase física, tranquei-o por dentro da boca, cosi-o por dentro do peito, deixei-o sair em todos os gestos que podia, gritei-o em todos os silêncios onde o amor era tão denso que quase me cobria a pele, quase que o sentia tocar-me, ser-me, alimentar-me e, paradoxalmente, calar-me. Nunca o pronunciei em nenhuma dessas vezes. Confessar-se o amor a quem se ama precisa da vontade de o dizer e de vontade de ser ouvido. De ser ouvido de braços abertos, precisa doutro coração onde se aninhar uma confissão tão intensa, gritada baixinho dum coração em brasa. Dizê-lo, sussurá-lo, ou até gritá-lo, para o vazio não aconchega esse amor, o eco não o reproduz, o eco é o vazio a devolver-nos palavras, as nossas palavras, talvez o nosso próprio amor (próprio), nada mais. Ainda que pronunciado doutra boca. Nunca quis eco, nunca disse para ouvir o retorno em vazio. Mas só o disse quando acreditei que o sítio onde se aninhavam essas palavras ouvidas era também onde guardavam as palavras que me queriam dizer do mesmo amor - quando as bocas eram diferentes, as palavras, os gestos, as vozes, mas o amor tinha um mesmo tom. O eco so não é vazio quando é devolvido doutra boca no mesmo tom de amar, ferido dum igual amor. Sem isso mais vale trancar as palavras para não se gastarem no vazio. Para não chegarmos a perguntar-nos... "Dizer que nos amamos? Para quê?"
Quando será que as pessoas deixaram de acreditar no certo ou errado, quando será que deixam de o saber distinguir? Quando será que deixa de importar o certo e o errado, e só importa o que dá mais jeito fazer e ter? E fazermos disso o certo, mascarando tudo, porque dá mais jeito? A quem dará jeito não amar? Ou dizê-lo apenas para ouvir um eco de onde ressalta um "amo-te" dito porque dá jeito que isso seja o certo de se fazer? De se dizer. Mesmo que a vontade não tenha qualquer necessidade de o dizer? 
Quando é que as palavras deixaram de falar para apenas calarem o vazio da falta de retorno? 
Não há retorno, não há troca, há partilha dum mesmo amor pronunciado a duas vozes sob uma mesma vontade, ou então, não há nada. Nada que esteja certo.

2 comentários:

  1. essa palavra "amo-te" devia estar debaixo da pele e saltar cá para fora quando fosse mesmo sentida. :)

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  2. ... e só assim.
    Só assim como dizes faz sentido, me faz sentido. Tem de ser sentido.
    Bom dia, Laura :)

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