[foto @txabe_ss]
"De vez em quando deus me tira a poesia.
Olho pedra, vejo pedra mesmo."
Adélia Prado
De vez em quando abro os olhos
e não acordo
De vez em quando olho
e não vejo
De vez em quando falo
e as palavras são só letras mudas
De vez em quando respiro
e não inspiro
De vez em quando o dia nasce
e não amanhece
De vez em quando a margarida fecha por falta de luz,
mesmo que esteja cheia de cor aos olhos dos outros.
Há dias em que a cor me foge do olhar para dentro do negro dos meus olhos. Fica por lá, navega, reduz-se, paira, chega a afogar-se sem se dar conta dela. Por isso, dentro dos meus olhos negros, de vez em quando, vejo a vida a duas dimensões: sem profundidade. Sem poesia. Como quando a vida fica em vácuo.
Hoje uma pedra é uma pedra, mesmo que amanhã não possa ser outra coisa que não a certeza - absolutissima e mais que definitiva- de ser um coração à espera de acordar, de ver, de inspirar, de amanhecer.
Hoje a pedra enterrou a poesia. Ninguém sabe porquê.
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