terça-feira, 6 de junho de 2017


não me fales mais
dessa solidão de papel

eu ainda tenho a sede das oliveiras
a paciente sede
dos rios que nunca chegam
dos rios avistados
que não se podem tocar

eu ainda tenho a dor da terra queimada
a fortíssima dor
das chuvas que não voltam
das raízes que morrem
sem poder gritar

o teu nada
é só mais um perfume!

e eu
eu tenho sangue na voz
tenho no peito o grito do lobo
a imensa tristeza de uma lua
que o céu não quis

gil t. sousa

[a minha solidão não é de papel, como eu não sou de papel, sou de pele aquecida de sangue quente, que esquenta e ferve, esse sangue que me mata e asfixia porque corre e corre por ordem do coração - esse lobo solitário que em noites de luar uíva a tristeza de que não se desprende, do sangue que esquenta, ferve, mas não estanca. quando estancar morreste. morreste-me, e não sei se me morrerei também, não sei o que de mim sobreviverá. o que restará sem ponta de sangue, de calor, de luar? Eu não serei de certeza, será alguém que te acena um cumprimento, mas não te reconhece. Um fantasma apenas. Uma lua de papel.]

(e tornou-se verdade o que escrevi numa outra vida " alguém que te acena um cumprimento, mas não te reconhece". do papel da lua não sei, parece-me apenas um papagaio da lua que me banhava corpo e alma de vida, lembra-me sempre certos fantasmas que se esqueceram de crescer)

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