Ando com a cabeça ocupada, parece que me fujo, que não me quero pensar. Tenho a sensação estranha de estar a viver a minha vida pelo lado de fora, quase uma espectadora, que vai desempenhando, mecanicamente e sem alma, sem por dentro, o papel a que assiste. Como se um qualquer botão, que liga o por dentro ao por fora, tivesse sido desligado. Como se me tivessem despido da minha pele.
Se sempre fui metade razão e números e outra metade alma e palavras - com todo o caos que esse equilíbrio desequilibrado em metades que pouco se tocam, e às vezes se repelem, traz -, agora há metade de mim que parece adormecida. O fiel da balança não hesita, como se tivesse sido esmagado pelo vazio duma metade. Digo adormecida porque espero que não morta, espero sem certezas, como todas as esperas se vestem.
Tenho pouco para dizer, e quero dizer pouco ou nada, mas falta-me essa magia das palavras em que se paira, mergulhando em mim como mãos que me vão buscar ao fundo da inexistência, ou desta existência regular, repetida e mecânica. Às vezes parece que estou longe de tudo - não distante, mas longe - como se a luz do dia me iluminasse, mas a visse apenas percorrendo um longo túnel, como se a visse cravar-se quente na pele, sem que a sinta por dentro. Entedio-me com quase tudo, não me apetece quase nada. Vou fazendo a manutenção dos alicerces que mantém a vida como quem respira sem saber, sem querer. Mergulho a atenção nas coisas como se o oxigénio me asfixiasse, e só submergindo pudesse continuar a respirar sem a dor de saber que não sinto o ar, que já não sinto. Às vezes, sem saber como ou porquê, num momento qualquer que suspende o tempo, emerjo e respiro fundo o peito cheio de ar, saem-me palavras sob pressão como quem se desenrodilha por jacto. É quase um instante, e logo me afundo outra vez. Esqueço-me que sequer precisei de ar, volto à mesmice sem sentido, onde o mundo é líquido e a pele se dissolve - nunca chego a perceber porque precisei de ar. Apago-me outra vez.
Ainda agora, quase me obriguei a abrir isto, a começar uma frase que sei que se a começo algo sempre se desenovela. A primeira frase é só a ponta do fio que puxa o resto. Não sei porque me obrigo, talvez para me lembrar que tenho de querer respirar e sentir, que não me quero deixar morrer adormecida, queria adormecer só quando morta, que não me quero só metade de mim, mesmo que às vezes ache que bastaria, tanto como o nada que me chegam as duas - afinal, por viver fica exactamente o mesmo... Tudo um esforço inglório roubado ao sono, tentando não deixar adormecer em mim a fina réstia de vida que me trazem as palavras que desenterro da alma e espalho como quem desenha a sua pele. Estes bocadinhos de noite são os únicos onde procuro estar comigo, onde as palavras cosem o por fora ao por dentro e me fazem pele, onde sou fronteira de mim mesma e me contenho, extravasando-me.
Se sempre fui metade razão e números e outra metade alma e palavras - com todo o caos que esse equilíbrio desequilibrado em metades que pouco se tocam, e às vezes se repelem, traz -, agora há metade de mim que parece adormecida. O fiel da balança não hesita, como se tivesse sido esmagado pelo vazio duma metade. Digo adormecida porque espero que não morta, espero sem certezas, como todas as esperas se vestem.
Tenho pouco para dizer, e quero dizer pouco ou nada, mas falta-me essa magia das palavras em que se paira, mergulhando em mim como mãos que me vão buscar ao fundo da inexistência, ou desta existência regular, repetida e mecânica. Às vezes parece que estou longe de tudo - não distante, mas longe - como se a luz do dia me iluminasse, mas a visse apenas percorrendo um longo túnel, como se a visse cravar-se quente na pele, sem que a sinta por dentro. Entedio-me com quase tudo, não me apetece quase nada. Vou fazendo a manutenção dos alicerces que mantém a vida como quem respira sem saber, sem querer. Mergulho a atenção nas coisas como se o oxigénio me asfixiasse, e só submergindo pudesse continuar a respirar sem a dor de saber que não sinto o ar, que já não sinto. Às vezes, sem saber como ou porquê, num momento qualquer que suspende o tempo, emerjo e respiro fundo o peito cheio de ar, saem-me palavras sob pressão como quem se desenrodilha por jacto. É quase um instante, e logo me afundo outra vez. Esqueço-me que sequer precisei de ar, volto à mesmice sem sentido, onde o mundo é líquido e a pele se dissolve - nunca chego a perceber porque precisei de ar. Apago-me outra vez.
Ainda agora, quase me obriguei a abrir isto, a começar uma frase que sei que se a começo algo sempre se desenovela. A primeira frase é só a ponta do fio que puxa o resto. Não sei porque me obrigo, talvez para me lembrar que tenho de querer respirar e sentir, que não me quero deixar morrer adormecida, queria adormecer só quando morta, que não me quero só metade de mim, mesmo que às vezes ache que bastaria, tanto como o nada que me chegam as duas - afinal, por viver fica exactamente o mesmo... Tudo um esforço inglório roubado ao sono, tentando não deixar adormecer em mim a fina réstia de vida que me trazem as palavras que desenterro da alma e espalho como quem desenha a sua pele. Estes bocadinhos de noite são os únicos onde procuro estar comigo, onde as palavras cosem o por fora ao por dentro e me fazem pele, onde sou fronteira de mim mesma e me contenho, extravasando-me.
Sabe Vi, é curioso como por vezes também sinto o que descreve neste Post:)
ResponderEliminar:))... é uma porcaria... eu ando farta de o sentir, quero mudar isto!!
Eliminarnão gosto nada de ser espectadora da minha vida...
ResponderEliminarNem eu... mas é a sensação com que ando há algum tempo. Não gosto.
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