domingo, 5 de março de 2017


[foto @1davidmiranda]


Aqui da minha cama, deitada, vejo a luz da varanda do vizinho. Uma luz ténue, amena, quase gentil. Ontem à noite adormeci com a luz a entrar-me no quarto pela janela, virei-me de costas para ela, a parede parecia iluminada de luar brando. Mas eu sabia que não era da lua, que era só o candeeiro da varanda do vizinho de trás. Gostei na mesma de ver a luz pintada na parede, como que me acalmou e guiou o adormecer, mas eu sabia que não era o prateado da lua que me banhava o quarto. Há quem depois de ver o candeeiro continue a dizer que é a lua, a negar a existência do candeeiro, a fechar os olhos à realidade. Eu não, eu gosto de ver a realidade, de saber as origens e os porquês, e depois gostar ou não. Da realidade. A luz do candeeiro do vizinho também é bonita na maneira como se desenha na minha parede, gosto dela, e gosto mais de saber que gosto dela, mesmo que não seja a mítica e apaixonada lua a entrar-me, perfeita, com os seus véus diáfanos de luz pelo quarto dentro. Gosto de saber que gosto da realidade, tenho um fraco muito forte pela verdade. Gosto de saber a verdade sempre, depois decido se gosto dessa verdade ou não, mas negá-la, disfarçá-la, escamoteá-la, menti-la, para me permitir gostar, não é gostar do que se tem ou vê, é gostar do que não se tem e não existe. É um desperdício vazio. Há quem vendo uma luz goste de saber donde vem, e também há quem goste tanto de dizer que é a luz romântica e doce da lua, que fecha os olhos a saber das suas origens, e se, por acaso, não os fecha a tempo e vê, finge que não. Que não viu, que não é. Dizer que é o luar que nos embala o sono parece muito mais bonito... A mim parece-me que não sabem gostar nem do luar que a lua vaidosa nos derrama, nem da simplicidade duma qualquer luz que nos aconchega o adormecer. Parece-me que misturar tudo, fazer como se tudo fosse o mesmo, enganar, falsear, é não saber gostar de luz nenhuma afinal. É não saber distinguir nem apreciar cada beleza. E não saber isso é não saber nada de beleza. Nem de verdade. Nem de gostar. A beleza é sempre uma verdade, mesmo que nem toda a verdade seja beleza.
E por causa do candeeiro do vizinho e disto tudo lembrei-me duma frase: " depois de se abrir os olhos nunca mais se consegue fechá-los da mesma maneira. Nunca mais é como antes de se ter aberto os olhos." Mas é mentira, há pessoas que depois de os dizerem abertos dizem a seguir que afinal nunca os tiveram fechados, fica tudo como dantes... Afinal o luar é tão bonito a estender-se na parede dos quartos, enquanto nos embala os sonhos que o sono nos cede quando fechamos os olhos. 

6 comentários:


  1. Que bonita imagem essa do candeeiro!
    Sim, depois de se abrir os olhos, podemos até ver tudo ou quase tudo de olhos fechados se mantivermos, obviamente, o senso da realidade.
    Querida Vi, gostei muito do texto, dos detalhes e do percurso dos teus pensamentos. Deu até pra ver os arabescos de luz e sombra projectados na parede:)
    Beijo,
    Nanda

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  2. ... É verdade o que dizes, nanda, depois de abrirmos os olhos somos capazes de ver as coisas até de olhos fechados, como se então já as conhecêssemos... Mas então para quê fechá-los, ou fingir que os fechamos, e que nada mudou, que tudo está exactamente como dantes? Para quê dizer que é luar se já vimos o candeeiro? Seremos mais felizes se nos enganarmos? E seriamos mais felizes se a nossa luz fosse luar? Quando tão poucos, se calhar, as sabem distinguir?... Muitas perguntas, demais e diferentes... Com tantas interpretações... Nunca nada se sabe verdadeiramente... Só sabemos verdadeiramente quando estamos infelizes... talvez, nem isso é certo se calhar.

    Beijo :)

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  3. mas a luz do luar nã é uma verdade... apenas uma reflexão :)

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  4. Manel, então e uma reflexão não pode ser uma verdade? Essa é a verdade: é uma reflexão da luz do sol, é o luar. É uma verdade!.. não?

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  5. Enganamos a nossa mente tão bem...mas tão bem, que até ficamos parvos como o conseguimos fazer...continuo a ver a Lua todos os dias, lá no alto, mesmo sabendo que está noutro canto do mundo!

    boa noite

    -___-

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  6. Hummm... Tu não a vês lá, tu sente-lá lá ;)
    eu não gosto de me enganar, quando ando enganada, ando mesmo, genuinamente. Posso até fazer figuras tontas, posso até escolher ser estupida, posso até dizer que a luz do candeeiro me serve melhor o adormecer, que gosto mais, que nao preciso, nem quero, a lua, mas conscientemente, é escolha minha.
    Acho que não faço isso de me enganar como modo de olhar, e detesto que mo façam, porque tiram-me a liberdade de escolha, enganam-me... E isso é coisa para me virar ao contrário...
    Boa noite, Moon :)

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