sábado, 24 de dezembro de 2016

Hoje foi o dia que te despi de mim
Que te despi do calor da minha pele
Como uma segunda pele
Hoje foi o dia em que, vendo-te,
Mal te olhei e não me vi
Não me encontrei
Vi-te despido onde eu nunca fui pele
Nem calor, nem amor,
E no frio da noite em cinzas
Sozinha no silêncio dum cigarro a fumegar
As palavras, a queimar,
soltaram-se da boca
Alto e bom som,
Para ninguém ouvir,
Senão eu e o cigarro a consumir-se pelas mãos do coração,
O que sempre quis pensar sem ter coragem de sentir
Despi-te de mim em palavras
Quando despi as tuas palavras em actos
Que ninguém ouviu
A não ser a minha vida
Desgarraram-se de repente e sem aviso
Num baptismo nocturno que me nasceu na boca,
e disseram o que és,
o que sempre foste,
sem nunca querer acreditar chamar-to com vontade e propriedade
Desejei que morresses todos os dias um bocadinho,
Não, não de repente, não de vez,
apenas o suficiente para que sintas inteira
A morte lenta da vida e do calor
Nos dias que se comem uns aos outros
sem alimentar ninguém, 
Nas rasteiras da vida que mordem os calcanhares
Que fazem perder todas as guerras
Quero que sintas a asfixia de cada respiração, 
quero que morra todos os dias um bocadinho de ti
Como me mataste da minha própria pele
Como me mataste de mim
Como me mataste a esperança em mentiras aguçadas,
Como me enganaste a cada morte que ressuscitaste 
para me agonizar outra vez
Não, não é ódio,
é só a tua nudez das velhas mentiras,
Cozinhadas  em fogo e temperadas de doce de amora.
É a tua nudez e a minha.
Despi-te de mim
como se atira ao chão o que trazemos vestido
mas não precisamos.
A nossa pele chega.
Para mim chega.


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