terça-feira, 6 de dezembro de 2016

[foto de Hossein Zare]

A vontade é o enorme e profundíssimo abismo que separa a sobrevivência do viver. Para sobreviver basta ir respirando, comendo, fazendo o necessário. Cumprindo o instinto. Para viver é preciso o desnecessário, o inútil... e a vontade. Curiosamente a vontade vem, por norma, dessas coisas desnecessárias e inúteis para continuar a respirar, mas não para perder o fôlego, para respirar fundo, para encher o peito e o dia, dando-se conta que a alma é o que mais oxigena e nunca expira.
O que mata muito da vontade são as pequenas (e as grandes também, pois) frustrações, as injustiças, a sensação (e a prova, como estocada final) de que a corrente é demasiado forte para o nosso esforço de batê-la. Dormir começa a parecer um idílio celestial, uma pausa num esforço inglório, onde os olhos se desligam e a cabeça se fecha, onde não a deixamos fugir em devaneios - dores ou sonhos, o que for, vai tudo desaguar no mesmo mar, na mesma sobrevivência quase amorfa.
Preciso sair deste rio, evaporar-me e chover-me noutro lado, regar outras plantas, desenhar outras margens, navegar outras curvas onde me perder e me afogar. Preciso de mudar tudo para poder continuar a ser-me sem me perder.
Quero um monte no alentejo, um alpendre cheio de tempo com horizonte cosido a todas as vistas, quero perder-me nas searas, encontrar-me na sombra duma árvore, adormecer com o por do sol dourado nos olhos, quero beber os tons de fogo que ensopam a terra, que acalentam por dentro, mas não queimam.
Quero fugir-me para onde eu estiver. 
Estou cansada, farta, mais uma chatice, desisto, façam-me desistir porque este ano foi demais, não me quebraram, não me dobraram, mas desfizeram-me a vontade e a força, dobraram-me doutra maneira. Não sirvo.
Curiosamente já não tenho medo, não tenho medo do julgamento, não tenho medo do que eu possa pensar de mim, nada pode piorar, estou quase tranquila, entregue à vida num futuro em que não acredito, confio-o nas mãos dum destino sempre por cumprir, sempre desdito ou contradito, sempre vida que fica por viver - sobrevivência. Ler e escrever-me, talvez a única coisa que me resta, e não tenho medo disso. O medo não sobrevive à esperança.


6 comentários:

  1. Grilhetas pesadas, as da «sobrevivência». Não há nada pior que a esperança, esse provérbio que indica que já se perdeu tudo ou quase tudo.

    (Recolhi aqui matéria que me daria posts até ao Natal. A propósito: Quando é o Natal?)

    Um abraço.

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  2. A esperança é uma miragem, serve para o mesmo. E nunca concordei que fosse a última a morrer como se costuma repetir, e sobreviver-lhe tem tanto de bom como de mau... como quando deixamos de acreditar no Pai Natal. Por falar em Natal, umas vezes atrasa-se outras adianta-se, mas a altura certa talvez seja quando não esperamos, mas ao que parece, para o Impontual, foi hoje... matéria para posts até ao Natal?? (mas também não sabemos quando é o Natal, não é meu caro?) eheheh... o que uma hora de almoço solitária rende, sim senhor ;) fiquei curiosa quanto a esses próximos posts, de certeza que não os reconhecerei entre as brumas das ironias de compasso metafórico.
    beijo

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  3. Revi-me tanto neste teu texto, Olvido. A esperança também é um veneno. Mata vagarosamente.

    Tenho que agradecer ao Impontual por mostrar-me o caminho da tua casa. Obrigada. :)

    Deixo-te um abraço. :)

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  4. Alaska,
    Pensei o mesmo ontem quando visitei a tua casa :))
    Sim, a esperança é uma droga que nos faz andar, caminhar, com um meio sorriso nos lábios, mas sem destino nem razão... e o desmame é tramado, mas uma vez feito há uma liberdade dura que tem um gostinho agridoce.
    retribuo esse abraço ;)

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  5. Que bom que o Impontual me trouxe até aqui!

    É por estas e outras que tanto gosto da blogosfera. :)

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  6. :)) sim, o Impontual é cheio de surpresas, aquele post foi uma verdadeira surpresa...
    Obrigada, Laura.
    Bem vinda!!

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