"Confiança, orgulho, ternura, contentamento, um quebranto de cansaço e também um desejo reacendido só de pensar nela e não de pensar no que fizera com ela: tudo isso eu sentia, me dava um andar leve, quase dançado, e era inteiramente novo. Eu já sentira, noutras ocasiões, um pouco disto ou daquilo; não sentira porém, tudo e tão intensamente (...) Era como se, na vida, nós, de vez em quando, após uma experiência nova, descobríssemos que ainda crescíamos, que ainda não tínhamos deixado de ser crianças. E que havia, dentro de nós, possibilidades infinitas de plenitude. (...) Mas não era que deixássemos muitas vezes de ser crianças, não. Nem uma experiência nova. Não tinha sido afinal uma experiência nova. Tinha sido, pelo contrário, a mesma experiência de sempre, como nova. E nisso estava toda a diferença. (...) de cada vez que acontecia uma experiência destas, era como se um novo grau de consciência e de sensação nos relegasse a uma memória distante e imprestável tudo o que antes, igual experiência tivesse sido. Todavia, distante e imprestável, não por inútil, e sim por superada."
Jorge de Sena, in Sinais de Fogo
[Quando de repente tudo o que está para trás parece reduzir-se a nada, a um mero caminho até aqui, agora, onde percebemos a possibilidade da plenitude em cada poro. E o depois, onde voltamos ao nada que encontrámos, depois de tudo, no antes. Voltamos ao antes sem nada ser como dantes. De repente os vazios substituem o que entendíamos por bom, por razoável, por normal. Agora é tudo nada, o normal é nada, é pobre, é anormal.]
Havia alguém que me dizia que eu devia ser das únicas pessoas que conhecia que mal acabava de ler algo, era capaz de me pôr a falar, ou a escrever, do que tinha lido, entendido e sentido. E foi um hábito, ou uma espécie de ritual de encerramento da leitura, que ganhei há anos. Muitas vezes, depois de acabar de ler um livro, vou rever as partes que marquei, que me fizeram parar e mastigar devagar, porque me disseram mais que o resto, porque me falaram mais ao ouvido do coração, porque talvez fossem mais minhas. Por vezes vou registando esses trechos ao longo da leitura, outras espero acabar o livro (como desta vez, na maior parte dos excertos) para então me dedicar aos que quero deixar registado para a minha memória futura. Deixo-os aqui, como tantas das coisas que me tocam ou me passam pela cabeça ...