quinta-feira, 4 de maio de 2017


Não tenho mais palavras
Gastei-as a negar-te...
(Só a negar-te eu pude combater
O terror de te ver
Em toda parte)
Fosse qual fosse o chão da caminhada,
Era certa a meu lado
A divina presença impertinente
Do teu vulto calado
E paciente...
E lutei, como luta um solitário
Quando alguém lhe perturba a solidão,
Fechado num ouriço de recusas,
Soltei a voz, arma que tu não usas,
Sempre silencioso na agressão.
Mas o tempo moeu na sua mó
O joio amargo que te dizia...
Agora, somos dois obstinados,
Mudos e malogrados,
Que apenas vão a paz na teimosia.

Miguel Torga

Gastei as palavras, gastei, mas nunca a negar-te. Não me gasto a negar-te, seria negar-me.
Tento que as minhas palavras sejam sempre filhas da minha verdade e a minha verdade nunca foi mentir-te em mim, porque mentir-me seria. Nunca. Gastei as palavras, verdade que gastei, gastei-as a amar-te, gastei-as a entender-te, gastei-as para que entendesses as minhas verdades em ti. Agora estão gastas, as verdades e as palavras, faltam-me, rolam-me para dentro da boca, caem no vazio que me tornei, caem para dentro de mim, onde tudo se perde e eu tudo guardo. Resvalam como pedras lisas e macias que a água amaciou e agora escorregam quando não as agarramos firmes, com vontade de as ter nas mãos. Nunca as oiço bater no chão, nunca, não sei onde páram, mas oiço-as ainda, às vezes, quando o silêncio me invade... Estranho não é? ouvir palavras no silêncio? e não deixar de ser silêncio?... Como uma companhia que não nos afasta da solidão. 
Agora não quero as palavras fora de mim, não essas, as gastas, as tuas, as que me chamam com o teu nome. Quero-as engolidas pelo vazio com que fiquei. Percebo que então as palavras somem, fogem-me de debaixo da língua para a escuridão da asfixia sem mãos - sem passar pelas mãos, sem passar por as dizer. E sem as desdizer. Gastas apenas. Cansadas de ti. Ainda não aprenderam outro caminho até às minhas mãos, estas mãos que as negam vezes sem conta.

4 comentários:

  1. Só por esta vez... deixa essas palavras que tanto negas deixa- as fluir pelos teus dedos. liberta-as! talvez até as ouças falar contigo ali no espaço entre os teus dedos e o silêncio.

    beijo menina linda


    (só pra dizer que é doce e triste isto que escreves)
    nanda

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  2. Ahh oiço-as muitas vezes pelos dedos do silêncio :)
    mas preferia outro silêncio ... Seria menos triste parece-me
    Beijo, Nanda

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  3. lindo, Olvido.
    li os 2 textos quase de um fôlego...

    bom fds, beijinho

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