quarta-feira, 1 de fevereiro de 2017

Os carris por baixo de mim, como intactos corações que batem compassadamente gastos de caminhos feitos, ficam para além das viagens de quem lhes passa por cima. 
A viagem debruçada sobre o silêncio faz-nos ouvir, nos carris compassados, os corações desenfreados bater à porta de almas por abrir. A paisagem negra do vidro, é às vezes esventrada por salpicos breves de luz. Dão-lhe o contorno, a textura, a fronteira da escuridão. Sem luz a escuridão descobre que não é negra, descobre-se apenas nada. Sem luz a escuridão não existe, não é, não se define. Às vezes é o contrário que nos afirma, e tantas que nos confirma.
A luz surge e logo foge. Foge-nos do quadro, foge-nos da vista, como quem escapa de nós a alta velocidade, deixando pégadas vazias na escuridão. Nós nunca escapamos de vê-las, de tê-las visto, e de terem fugido.
Não escapamos nunca.
Ninguém é esventrado incólume.
Ninguém se descobre ficando na mesma.

7 comentários:

  1. quando os carris andavam por debaixo de mim estava, talvez, num dos melhores momentos da minha vida afectiva. Já não percorro essas linhas de ferro há algum tempo...talvez no dia em que o faça, me venha à memória a alegria que sentia no passado e, nesse momento, talvez, também diga, apenas uns carris passam por debaixo - porque o coração deixou de bater!


    bom dia Olvido

    fica bem


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  2. Fiquei a ouvir o eco de "ninguém se descobre ficando na mesma".
    Muito bom, Olvido.

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  3. Adoro encostar a cabeça ao vidro, nos comboios e ver as luzes a pintarem formas fugidias.

    dia bom Olvido

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  4. Moonchild,
    Aquele som pareceu-me mesmo um coração a bater, acelerado, em vão...
    Fiz uma viagem grande em cima de carris há pouco tempo, ao longo dessa noite fui assaltada por palavras duas vezes, às vezes as palavras assaltam-nos e temos de devolver-lhes o que é delas. às vezes chego a pensar que é só mesmo delas, o resto é ilusão. Será possível as palavras serem mais reais que a realidade?... perguntas e mais perguntas... bahhh

    Bom dia, Moonchild

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  5. Inpontual,
    Obrigada.
    Há muitas leituras para essa frase, e ela também me ficou a ecoar (talvez) por isso mesmo. Viciam-me um pouco as coisas com múltiplos sentidos, leituras, perspectivas...
    Bom dia :)

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  6. Laura,
    Eu encostei a mão, percebi que o horizonte plasmado no vidro não se agarra, nem aquele que nos ficou nos dedos, de outras viagens... mesmo que ainda oiçamos o roer dos carris por esse comboio. As luzes mudaram, a escuridão é diferente: descobriu-se, mutou-se. Não se regressa daí.

    Resto de dia bom, Laura :)

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  7. Olvido: lá voltamos à idade dos porquês! Com uma diferença...agora ficamos sem a maior parte das respostas!


    boa noite

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