sábado, 4 de fevereiro de 2017

A menina corria há anos, corria como quem corre atrás da vida que não sabe onde encontrar. Corria até sem procurar, corria à espera que as forças lhe falhassem, que as pernas se cansassem, que um dia o dia não chegasse ao fim. Um dia esbarraram-se, vários dias se esbarraram. Aqueles olhos redindos de mel gostavam de a ver correr, talvez lhe encontrasse uma graça de garça, talvez o emaranhado dos seus cabelos a enredasse num sorriso. Um dia esbarraram-se o suficiente para se olharem nos olhos, num olhar que mediava kms do norte ao sul. Havia um calor doce vindo do Norte que aqueles olhos que não viam traziam agarrado. As mãos afagaram-lhe os cabelos enovelados, mãos que cheiravam aos frutos bons que a terra pode dar, que sabem alimentar vida, abrir caminhos. Sentaram-se no muro que falava silêncios, e falaram sem abrir a boca conversas cheias de palavras sussurrantes de confidências caladas. A menina sentiu perto, mais perto, aquele cheiro de frutos maduros e coloridos, que pedem para serem colhidos para não caírem; as mãos abriam caminhos naquele novelo fechado de cabelos negros, desfiavam com paciência os nós que lembravam raízes emaranhadas, enterradas no tempo, pelo tempo, naquela cabeça inquieta de menina que corre o tempo sem sair do sítio, como se o mundo fosse redondo, como se o tempo fosse infinito. Como se soubesse que se nada mudar tudo é infinito. A cegueira, a dor, a esperança, a vida.
Lentamente, aquela rede intrincada era desembrulhada e a menina, pouco a pouco, como um véu que o olhar despia por dentro - lá onde lhe nasciam os nós que asfixiavam os olhos -, foi vendo a luz ser destapada. Como se o céu só se tornasse azul porque as nuvens fugiam. Sob aquela luz crescente e paciente, os frutos cheiravam a vida, a sol, a nuvens que pintam azul, a doçura que alimenta, a carinho que respira com vagar, até no silêncio falado dos desconhecidos. 
Talvez o mundo seja redondo, talvez o tempo seja infinito, para os nós abrirem caminhos às mãos que não trazem a humanidade extinta. Para sermos gente.

[nanda, foi esta história que o teu mail teceu e eu desfiei para te dizer o carinho :) ]

2 comentários:


  1. :)
    Só tu
    A menina com olhos de luz deixa um beijo doce nos teus dedinhos mágicos
    Querida Vi :)

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  2. ... Eu só fiz o meu possível para desfiar o que tu teceste...

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