[sacado no primeiro do Quarteto de Alexandria - Justine, Lawrence Durrell]
Estive para começar a lê-los no início do ano passado, depois achei que ainda era cedo, devia deixar passar mais luas sobre tudo, mas fiquei curiosa com algumas coisas que me disseram acerca da personagem, da sua intensidade, sensualidade, profundidade de alma e alguma coisa de feitiço, coisas vagas mas vastas, coisas que guardei e me intrigraram. Este ano, achei que era tempo, já não sinto que o tempo precise de mais tempo - o que o tempo tinha a fazer já fez, e estava há demasiado na calha dos livros a ler.
Já com cem páginas volvidas, sem saber bem porquê, volto atrás para reler “Para Eva estas memórias da sua cidade natal”, a que sorri da primeira vez que por ali passei, e é aí que atento na página exactamente anterior, uma das primeiras, e leio isto... Acontece que, sem estar a contar, solto uma gargalhada. Valeu-me não estar vivalma à vista... Se calhar não devia, pois, se calhar não é bonito, mas não foi gargalhada teatral, pensada ou premeditada...aconteceu e não fez mal a ninguém, e quando assim é, e solta por vontade genuína raramente dá tempo a freios, nada a fazer. Como, relendo pensei, nada haverá a fazer aos espíritos fracos, com as argumentações fáceis e rápidas, cómodas e tantas vezes emprestadas - conforme der mais jeito na altura. Assim como há gente que, por muito que até se esforce, nunca conhecerá certa estirpe de “crimes” como os de alma que atravessam o corpo em cumplicidades e profundidades múltiplas. Que vão até às raízes do ser e não só do estar. Que têm a vileza de deixar transpirar felicidade em demasiados momentos fugazes, eternamente fugazes. Crimes, sim, parece-me talvez uma boa denominação, não aspirantes a grandes crimes que não passam de pequenas fraudes, breves, superficiais e incapazes de qualquer grandeza... coisa de pequenos burlões, ganhos mesquinhos e inconsequentes. Talvez a única consequência seja impedi-los de ser completamente infelizes, de os entreter, à imaginação e aos dias, de lhes garantir a mediocridade assegurada, o assim-assim, o comodamente seguro, o assim é que deve ser - de serem o que a minha mãe chamaria de ”desinfelizes”. Ou seja, uma garantia de que não serão felizes. Mas não há nada como uma garantia... talvez um dia destes também me renda aos encantos das garantias, quem sabe? Ou talvez eu guarde para sempre uma alma criminosa... em quem, qualquer coisa, a ser, que valha a pena, até porque, se calhar, mais tarde ou mais cedo, tudo se paga (dizem, mas disto não há certezas nem provas empíricas... mas, pelo sim pelo não...)