sexta-feira, 29 de setembro de 2017


Say hello and wave goodbye

Esta sexta foi tão rápida, há coisas tão rápidas, que mal se diz olá já estamos a dizer adeus... Mas esta frase, duma música que gosto muito, lembra-me que para ter umas coisas não se podem ter outras. Há coisas que se podem acumular, outras não, as que se podem acumular não têm de se escolher. Se se escolhe uma coisa, abdica-se de outra. Se se diz adeus a algo, fica-se na sua ausência. Não se pode querer tudo, ficar com tudo, não abdicar de nada. Escolher uma coisa e achar que, ao mesmo tempo, escolhe também não perder a outra.  Não se pode ter tudo, por isso se escolhe. Não vale escolher e querer também o que não se escolheu, como se não houvesse escolha - como se não tivesse havido uma escolha.

Say hello and wave goodbye

quinta-feira, 28 de setembro de 2017



O horizonte parece estar hoje feito por camadas, faixas de cores que se sobrepõem como que riscados quase a régua. À medida que o tempo se curva as diferenças vão-se esbatendo, até tudo ser apenas um manto escuro que abraçará as estrelas e em si as prenderá. O rádio despeja música e eu oiço-me em silêncio. Faço desta janela de tempo a ponte para a escuridão da noite. Deixo o dia repousar e o sangue abrandar. Não me surpreende o silêncio, as palavras recolhem-se, guardam-se em pensamentos já mastigados que não alimentam ninguém.
Há um gato branco sentado no muro, virado de costas para o dia a despedir-se... se  um gato preto dá azar, será que este dsará sorte? E a quem?

I did. 
Mea culpa.
(...mas toda a gente se engana de vez em quando...)

quarta-feira, 27 de setembro de 2017


Aqui à minha frente, a pintarolas e os seus fenomenais penteados de orelhas... e a meiguice, a traquinice, o olhar que fala, o procurar os meus pés para abrigo e almofada, tudo isto é ela... Nunca ninguém ficou tão contente de me ver, nunca me fizeram uma festa tão grande só de me avistar. E no entanto estou sempre a dizer-lhe para não me saltar porque me arranha toda, e dou-lhe uma palmada quando resolve ir buscar uma meia nos dentes para me presentear a chegada. Sou uma bruta, isto de ter de a educar às vezes é duro, tenho de ser mais dura do que sou, senão tornar-se-á um desatino viver com ela. Agora, a olhar para ela e a fazer-lhe umas festas antes de irmos dormir, dei por mim a pensar que foi dos melhores conselhos que me deu, para arranjar um cão, e foi a melhor coisa que eu fiz. Mas, ao mesmo tempo, é um nó que aperta a alma, olhava para ela e pensava: se lhe acontece alguma coisa não vou querer mais nenhuma. Nenhuma será assim, nenhuma terá a história que já temos, por nenhuma mais vou dormir duas ou três noites no sofá da sala porque ela não se calava e não sabia ficar sozinha - ainda agora é um martírio... Depois desta não vou querer mais nenhuma. É uma chatice gostar-se de alguém. Roubam-nos partes que não sabíamos que tínhamos, trazem-nos dentro, recantos nossos que nos revelam e descobrem, como há tempos escrevi. Esta já é um recanto meu, doce e difícil, mas já é meu, não quero mais cantos meus desalojados de mim. Se tudo correr normalmente há-de a minha filha sair de casa e esta pintas ainda me ficar a roer as noites aos pés. E depois? Quando esta me abandonar também não quero mais nenhuma. É tão difícil arrumar recantos cheios de coisas nossas, coisas que gostamos, que cresceram em nós, que se fizeram nós. Nós que depois perdem o caminho do desatar. Serei assim em tudo? Quando encontro algo que sinto único trato-o como único? E não sei ainda como substituir únicos, só aprendi a viver sem eles. Não quero coisas únicas que fazem ninho em mim, quero o que não me entre dentro porque não sei deitar fora... A não ser, talvez, a vida. Essa deito fora para manter o que tenho dentro. É uma chatice e não serve para nada. Mas as coisas mais bonitas nunca têm utilidade, senão sentirmo-las bonitas e isso nos fazer sentido em todos os sentidos, menos no ter de ter um sentido.
[foto @brotherside]

De vez em quando
o direito e o avesso confundem-se. 
De quando em vez
o avesso é o direito, 
e o direito o seu avesso.

terça-feira, 26 de setembro de 2017

[foto @_georgemayer]

Ele dizia-lhe que ela era inteligente, racional e lógica, mas depois, depois tinha uma parte ilógica, irracional e estúpida... mas linda. Ela, de rajada, respondeu-lhe que essa era a parte nela dele, e viu-o desconcertado, sem perceber ao certo o que o tinha atingido.

(essa parte era a parte brilhante, resplandecente, sol de qualquer sombra, a parte que não tinha margens, a que podia mudar o mundo dela e dele se ele quisesse, a que não se submetia, a louca, a sã, a que sabia ser feliz, a única que podia ser infeliz, a parte que era o todo, que estupidamente se sobrepunha a tudo, ou quase)

Ela ficava a pensar em tantas coisas que já lhe tinha ouvido, das que doem e das que moem felicidades passadas em gravilha debaixo dos pés descalços, mas não o odiava, e dizia-o a si mesma, repetindo a frase que a ele lhe ouvira vezes sem conta "eu não a odeio"... mas a ele ela tinha-lhe raiva muitas vezes, algumas muito tempo, tinha-lhe raiva pela única coisa de que não era culpado: não a amava. E agora, olhos na sombra, postos na linha do horizonte, ficava a pensar que nunca descobriu se essa parte, essa raiva, era racional porque tinha (muitas) razões, ou apenas outra forma de o amar (de)mais, fruto dessa insanidade sem tréguas de amar estupidamente e longe de qualquer razão.

Dedicado a todos os optimistas que acham que realismo é pessimismo, e que tentativa de gestão de expectativas " é atrair o mal" e que se só pensarmos coisas boas e positivas só acontecem coisas boas e positivas (no limite)... este (com muita piada) é para vocês... giraç@s ;)))

segunda-feira, 25 de setembro de 2017

palavras que caem entre os lábios de um beijo
beijando o abismo da felicidade sem nome,
 dos voos sonhados sem pé
que trazem o amor pela mão

[foto @in_somnia_]
De todos os feitios e cores, há para todos os gostos.
Pendurar o Outono no estendal e esperar que seque. Que aconteça. Há coisas que basta esperar, outras, esperando apenas, nunca acontecem.... era bom pendurar a vida na corda e ficar à espera que ela acontecesse, mas não funciona assim ( eu sei disso mas ando a fazê-lo há tempo demais, já não sei o que fazer à vida nem ela o que fazer comigo..)

Bom dia

domingo, 24 de setembro de 2017



Dia de sol, dia de começar livro novo, dia de vestir se calhar pela última vez  vestido de verão, leve e quase esvoaçante. 
Ontem li no  xilre que "toda a uva está cheia de vinho",  fiquei a pensar nisso, tudo o que poderemos vir a ser já faz parte de nós. Não era esta a conclusão ou a ideia do post, mas foi o que me ficou a marinar nos momentos parados, como conclusão minha. Cada uva pode tornar-se vinho. Pode acontecer que aconteça ou que não aconteça, mas nunca seremos algo que não temos já dentro. O que quer que sejamos um dia já estás em nós, adormecido, escondido, por descobrir, por desenvolver, maturar ou fermentar. Mas está cá. Ainda assim, toda a uva está cheia de vinho, mas algumas só chegam à mesa com casca e comem-se com as mãos. E há as uvas para quem isso chega e haverá aquelas que se não forem um dia servidas em fino copo, não percebem o sentido de terem nascido. 
Tudo o que eu vier a ser já sou hoje, tenho-o cá dentro de alguma forma, como aquilo que sou hoje já o guardava de antes. Como se fossemos descobrindo gavetas da alma que vamos abrindo, não sei se depois as conseguiremos fechar sem perder o sentido de a vida as ter aberto e vivido e mostrado, para, no fim disso tudo, ficarem fechadas. Mas a questão é que a nunca conseguimos fazer casa que não em cima das nossas fundações, dos nossos pilares, do que somos e queremos, nada disso tem alterações de fundo (as pessoas não mudam muito, ou não mudam de todo). O que viermos a ser, na verdade, já o somos, nós vimos sempre ao cima de nós próprios, mesmo que o tentemos contrariar, ou abafar. Só temos de nos reconhecer, depois disso, continuar a insistir em contrariá-lo, é asfixiarmo-nos em infelicidades várias. E isto é uma conclusão chata para mim, só vos digo.

sábado, 23 de setembro de 2017


[Um dia de cólera, Arturo Perez-Reverte (diálogo entre participantes da revolta que foram abandonados pelo resto dos militares e compatriotas fiéis aos invasores, para serem fuzilados)]

... o livro é violento e por demais repetitivo, porque não é ficção nem romance, é o que foi a realidade - com nomes intermináveis e factos por romancear - e mostra-nos o que gente determinada e corajosa, quando espezinhada e humilhada, sabe ser digna e forte, com um sentido de honra que poucos diriam ou sonhariam ter... A questão é que quando nos pisam os calos a sério, quando somos injustiçados, ou quem nos é próximo, achamos que já nada há a perder, e as pessoas mais perigosas são as que não têm nada a perder. É assim a história de 2 de Maio em Madrid, Um dia de cólera, como o intitula Perez-Reverte, o meu padrinho de baptismo... que relata a sequência de factos que um punhado de gente com tudo no sítio - militares e civis, homens e mulheres - iniciou batendo-se pelo que acreditava, pela sua dignidade, honra e independência. E pronto, isto raramente corre bem para os bons, morrem todos, ou quase,para depois ficarem heróis, até hoje, e para servirem de exemplo ao resto do país que depois começa a guerra da independência, tanto que até a nós depois nos chegou... e dum lado e doutro lá levaram um chuto no cu os francius emproados. E é assim, morre-se mas serve-se de exemplo, o que deve ser um grande consolo, realmente... mas a questão, a questão é sempre a mesma, há alturas em que não se sente alternativa possível (mesmo que haja, não se sente como possível, exequível), e vai-se com tudo o que se tem, porque chega-se ao ponto de que viver, ou assentir em viver, de determinada maneira é contra natura e, ou se batem para viver como querem, ou nem gente se acham no espelho. E então sentem não ter nada a perder. Não ter nada a perder é o gatilho mais forte e perigoso do ser humano, é a sobrevivência.

[foto @zynp]

Cenários de fim de semana, luz que não fere, cores que não gritam, um tempo que corre ao som da música que relaxa e faz o corpo, de quando em quando, acordar num movimento que o desperta. Ainda nos lençóis, com a cabeça enfiada entre as páginas dum livro a acabar (que não me prendeu e se arrastou, mas gosto de acabar o que começo), porque há uma decisão de amanhã começar outro, porque houve outra, que não a deixou descansar, a dizer que isto de não ter tempo, ou disposição, para ler não pode ser; já há uma calha cheia de livros para me dissolverem a vidinha noutras vidas em que mergulhar e vibrar. Faltam 30 páginas... é um tirinho agora. Acabam-se daqui a pouco na esplanada do costume a aproveitar as tardes que ainda são boas sem ser frias... mas antes um banho e roupa de fim‑de‑semana que é um conceito tão aconchegante, livre, bom.

Bom dia

sexta-feira, 22 de setembro de 2017


Se prendermos o sol atrás dumas grades, ele deixa de brilhar?

Se empurrarmos o sol horizonte abaixo, ele deixa de arder?

Se não o encontrarmos à noite, ele deixa de existir?

O sol brilha, arde, porque é a sua essência, mais do que mera existência.

A essência é o que, apesar de tudo e qualquer coisa,

resta sempre, permanece, define para lá da existência.

É o infinitivo que nos decompõe em pequenos finitos muito pessoais.



[imagem @jesuso_ortiz]

...Outono!!!... ahhh coisa boa vestida de lobo mau... 
Os príncipes encantados, o tempo sempre quente, o sol radioso...
 são sobrevalorizados, só vos digo ;))))

Bom dia!

quinta-feira, 21 de setembro de 2017



Houve uma altura em que simplesmente se rendeu, deixou-se escorregar pela vontade até ao desejo, à tesão que domina o momento e o inflama - cedeu ao que lhe apetecia. Esqueceu tudo o resto que não lhe apetecia, apagou o resto do mundo entre um sorriso e um murmúrio de prazer - esse abismo estreito e sem fundo em que os dois mergulharam -, sucumbiu a si mesma, ao que ainda tinha dentro, no espanto e susto de saber que ainda tinha aquela força, aquela estupidez tremenda... por afinal descobrir, entre ternuras e carinhos que lhe apagavam a memória, que se estava a marimbar se ele gostava ou não, se a amava mesmo ou só a brincar, porque, ali e agora, ela tinha a certeza de que tinha falhado redondamente em convencer-se de que já não o amava, de que "aquilo" nunca voltaria a ser mais forte que ela. E foi talvez nesse momento, nesse preciso momento que teve de coser a boca para não lhe dizer que o amava, porque lhe apeteceu dizê-lo, apeteceu-lhe gritá-lo e calar o silêncio das folhas que cantavam brisas do lado de fora - mas não disse e, sim, achou que não o devia ter dito, mesmo depois de o ter deixado por dizer... Ao menos isso fez bem- confessou-se - ou talvez não, concluiu logo a seguir. Afinal o que melhorou com isso?, perguntou-se já no esfriar do momento que lhe rebentava as veias duma vida que ainda a implodia. Entre uma fumaça e outra do cigarro, sentenciou, falando silêncios seus: "Nada. Foi só uma vontade que colei ao céu da boca. Mais nada. Não há mais consequências disso, como não haveria se o tivesse dito. Como nada do que fizemos tem"... e depois, já falando por fora da boca, para que se ouvisse, para se ouvir  "...porque tudo isto afinal é nada."
... Nada, era só o seu sítio, donde parece que nunca chegou a sair quando já se julgava longe e segura, mas onde não há lugar para ela, e ela sabe-o. O sabor amargo que lhe trinca a boca a cada dia que começa, a cada dia que acaba, que não lhe deixa nenhuma dúvida para sonhar. E ela já trincou todos os sonhos - eram amargos.
O cigarro ainda dura, e olha-o queimar-se lentamente na sua mão, o fumo enrola-se como os pensamentos à volta dele, ele era o seu sítio, o lugar certo para ela ser, mas nele não tinha lugar. Para ele ela era um lugar onde ia e voltava, sempre sem regresso e sem volta, ela era o seu passeio, a sua viagem, até o seu regresso eterno, mas nunca casa. O sítio dele não era ela. As geografias que não têm coordenadas geográficas neles não coincidiam, os mapas não se conseguiam alinhar num só norte. A direcção perdia-se de amor, mas não no amor.
E agora, antes de se levantar e restar naquele cinzeiro apenas cinza, pensa em tanta coisa que lhe queria perguntar e dizer, em tudo o que ficou por dizer, tendo-lhe mostrado tudo o que não disse - o que lhe ficou colado ao céu da boca. "Também eu fiquei", diz entredentes, mordendo silêncios penosos e recordando uma das últimas frases dele "Continua linda, por dentro e por fora, e cada vez mais" - e de repente o céu pareceu-lhe um lugar pequenino ao pé disso. E enquanto se afastava, e dizia quase com raiva a si mesma que aquele não era lugar para ela, alguém jura ter-lhe lido nos lábios  "Se ao menos fosse verdade, o único sítio onde viver seria a nossa vida."


« ‘Li e achei que gostarias’, 
‘visita, se alguma vez lá fores’, 
‘se fosses tu, como farias?’, 
‘contigo, não tenho medo de ser ridículo’, 
que cor é esta que só tu e eu vemos?’ 

Afinidades: linhas paralelas que se cruzam antes do infinito. »

(como sempre, mas este, para mim, particularmente delicioso )



[foto @_georgemayer]

Havia nela uma escuridão
que luz nenhuma tapava, 
como uma réstia de noite
que nunca amanhecia. 
Estava-lhe nos movimentos desabridos
onde se fechava, 
no andar ligeiro que lhe pesava,
até no riso franco que nunca sorria...
como que uma dor muda
em cada encanto. 

quarta-feira, 20 de setembro de 2017

[imagem do filme Pierrot le Fou, de Jean-Luc Godard]

"As respostas que dava a Diotima eram muitas vezes deste tipo. Quando ela falava de beleza, ele falava do tecido adiposo que suporta a epiderme. Se ela falava de amor, ele falava da curva estatística que indica as subidas e descidas automáticas da taxa de natalidade. Quando ela falava das grandes figuras da arte, ele lembrava a cadeia de empréstimos que ligava essas figuras entre si. Tudo começava sempre com Diotima a falar como se, ao sétimo dia da Criação, Deus tivesse feito o homem como a pérola que colocou na concha do mundo, ao que Ulrich lhe lembrava que a humanidade era um montículo de pontinhos sobre a crosta de um globo anão."

Robert Musil, in O Homem sem Qualidades

Oiço muitas vezes que as pessoas não comunicam, e acho que será verdade, mas muitas não comunicam porque os diálogos são afinal monólogos à vez de dois egoístas, e um egoísta tem muita dificuldade de sair do seu próprio umbigo para seguir as palavras até ao outro. Quando dois egoístas falam, nenhum ouve o outro, nenhum ouve para entender o outro, mas tão somente para responder-lhe, e responde do alto do seu umbigo, claro. Curiosamente, se apenas um for egoísta a comunicação dá-se, num sentido; há alguém que entende e alguém que é entendido, há um que sai da sua pele para tentar entender o que estará sob a pele de quem quer entender (é preciso isto, aliás é fundamental, querer entender, conhecer, decifrar o outro), mas nunca as posições se alteram, até ao ponto, até ao extremo, em que um pensa entender o outro e o outro nada sabe de quem o ouve, de quem segue religiosamente as suas palavras até ao seu eu, onde o procura beber ao mesmo tempo que lhe mata a sede, quem o vai vendo e desvendando. E o paradoxo aqui é irónico, quem nunca dá nada, quem nunca se afasta um milímetro de si mesmo e das suas razões, e da sua vida, dá-se inteiro, entrega-se sem saber, porque lhe amparam o ser, porque o ouvem, porque o vêem. Quando deixarem de falar, só um perde - o que me lembra uma frase antiga duma blogger que lia muito "perde sempre mais quem dá menos"... e é tão verdade.
A comunicação não é dizeres palavras a alguém e esse alguém te responder com palavras. Comunicar, conversar, é tentar fazer alguém entender o que pensas ou queres ou sentes, é fazeres chegar ao outro um pensamento, vontade ou sentimento. Do lado de quem ouve a intenção não é meramente ouvir, mas tentar perceber o que lhe querem transmitir, é muitas vezes seguir as palavras que ouve até à boca que as proferiu e daí para a pessoa que nos tenta dizer algo, com a cabeça ou com o coração (ou da confusão das duas). A comunicação é a ponte onde dois que se querem encontrar se encontram, nem sempre a meio caminho, nem sempre sem algum esforço, é certo, mas é onde ambos têm de entrar para se poderem aproximar do outro, sem isso, são apenas dois loucos, cada um em sua margem a ganhar raízes, a berrar para o vazio e a ouvir o seu próprio eco.

A comunicação quando existe, às vezes nem precisa de palavras, porque a comunicação é entender o que o outro nos quer fazer entender. E tantas vezes as palavras soçobram, outras ainda, apenas estragam.

[foto @projetoamoramora]

"O sexo de bom tom, 
aquele em que amor e foda são tão sincronizados que mal se nota a diferença,
aceita o impropério e bebe dele."

... a lembrar-me conversas bem dadas.


terça-feira, 19 de setembro de 2017

[ foto @scrapval]

Talvez não haja receita, talvez a receita se vá fazendo. Juntando isto e aquilo que se gosta, que apetece experimentar, e que no fim se quisermos repetir não saberemos tudo o que fizemos, como o fizemos, qual foi o detalhe que resultou na delícia que não sabemos como aconteceu, ou no tremendo desastre em que se tornou a mistura de tanta coisa que se gosta, mas que não resultou bem.
Há coisas que não se repetem, ficam guardadas, imaculadas, intactas em recantos de nós que nem sempre queremos revisitar, mas queremos repovoar de coisas boas que se vivam a cada dia: as que não têm receita, as que se improvisam ao som do coração, as que vão saindo das mãos, e da alma, sem estratégia, as que nascem sem previsão. Talvez um resultado de nos lambuzarmos e lamber os dedos tenha sempre o condimento da imprevisibilidade, da surpresa, da espontaneidade que nos arranca duma rotina que parece roubar na memória do passado os desejos futuros - aqueles que um dia quisemos e acreditámos, e se foram diluindo em banho-maria num dia a seguir ao outro, sem surpresas.  É a surpresa, aquele brilho do voo que esquece o chão dos pés, o atravessar o que estava riscado, é arriscar tudo de novo de mão solta e atrevida, essa que nos dá de presente o agora - a consciência de estar presente no agora, e sermos sempre agora - que faz do tempo momentos, porque os arrancamos à linha dum dia que se afunda no marasmo de todos os outros. 
O momento que fica cria um sítio onde sabemos que estivemos, que estamos, que a partir daí somos e seremos. 
Que se cozinhe a vida sem receita, sem medida e sem tempo e que o tempo se faça assim, desfazendo-se a cada esquina da rotina, a desafiar a surpresa a rédea solta. Não, não é difícil, é só de vez em quando esquecer os planos, mandar a receita às urtigas, fechar os olhos e deixar os cheiros abrir, abrirem-nos, guiarem-nos os sentidos rumo à vontade de novos paladares que costuramos às escuras, à medida da vida que gostaríamos de ter, sem saber como resultará, mas acreditando que quando se faz algo com amor tudo acabará num sorriso, mesmo que, às vezes, de barriga vazia... mas bolas... de alma inteira, temperada com vontade de trincar e ser trincada.

segunda-feira, 18 de setembro de 2017


Verdade, tão verdade.
Nem "recíporco", como se dizia na brincadeira, nem sentido, nem vale a pena. 
Só vale a pena o que nos entregam espontaneamente, de vontade. Não se pode forçar amor, consideração ou respeito - cobrar é só mais uma forma de forçar o que não há.

Bom dia.

domingo, 17 de setembro de 2017


[foto @me_and_orla]

A luz de domingo que entra em ternuras pela janela, que nos dá uma sombra branda, como uma penugem que nos protege sem esconder. E o café sabe à languidez dum dia que começa muito antes de despertar, no morno dos lençóis, depois do fervilhar do sonho que nos despedaçou, e agora apenas nos vagueia, sem pressas, no olhar. Como esta luz, como estas sombras. 

sábado, 16 de setembro de 2017


Caminhos cheios de sol, dum lado e doutro, até entre dentes, em oferenda quase tímida, num tango sem faca e alguidar e com patas a mais  :))

sexta-feira, 15 de setembro de 2017


Às vezes na vida cruzo-me com criaturas que me fazem lembrar uma frase que ouvi a um conhecido, que, de tão verdadeira, não mais esqueci: "há pessoas na presença das quais basta estar calado para brilhar". E é verdade.
[mas a verdade é que também não quero brilhar tanto, já chega... ;) ]


Encontrava-se quando a procurava para fugir de si mesmo. 
Desse vazio fez o seu sítio. 
Estimou-o como a um lar, decorou-o como as flores embelezam o cabelo. 
Do vazio fez felicidade que não se procura e de que não se foge. 
Nunca mais o viu.

quarta-feira, 13 de setembro de 2017

Quando a pintarolas está noutra zona da casa
 e não vem quando a chamo, fazendo-se de surda,
 e eu estou preguiçosa, abro a porta do frigorífico e ela aparece logo. 
... O som do frigorífico fala mais alto que eu, só pode. 
Ou a surdez é selectiva... ou ela tem a mania que tem vontades, sei lá...


Há alguém no mundo, não sei onde,
ou antes sei,
mas prefiro esquecê-lo,
que me despe só com um olhar
e me sonha vestida de princesa.
Alguém com quem não posso resistir
a arder debaixo do duche.
Alguém com quem se torna inevitável
suar dentro de um iglo.

Amalia Bautista

...alguém com quem se partilhar uma rede de emoções sem rede, 
alguém com quem o tempo não se define nem se conta, parece que nem passa, 
alguém que me veste de desejo com o olhar e me despe de pudor com a boca, 
alguém que me chama baixinho, em sussurros de pescoço arrepiado, 
alguém que me chama em sonhos quando não estou, estando sempre, sendo-me.
alguém que me chama princesa mas me trata como mulher. 
Inteira. Sua.
...alguém que sei, que sabe, mas que prefiro esquecer.

(gosto tanto destas redes, e dos sonhos que embalam em palavras guardadas)

terça-feira, 12 de setembro de 2017


E depois de, como fotógrafa oficiosa do fim de semana, descarregar as fotos e me rir um bocado, escolho esta para o resumir - uma das últimas que tirámos (que se tirou sozinha, na verdade) onde estamos todas na palhaçada -, e volto à minha varanda, ao céu mais pequeno e recortado de telhados, à manta que me enrola e ao mesmo ritual do último cigarro. A época de férias, de verão, de praia, está a acabar ou poderá já ter acabado.... No domingo ainda deu para pôr o pé na areia e experimentar o Atlântico só um bocadinho, o regresso à terra da normalidade (pouco normal) fez-se aos bocadinhos, saltitando praias, mas já com menos conversa, o cansaço já nos amassava o corpo e a perspectiva de mais uma semana "normal" afundava-nos quase todas as palavras leves e risonhas...
Cheguei a casa e a bicha, tão doida de contente, lá me deu mais uma unhada na perna... nunca ninguém ficou tão genuinamente feliz de me ver, a cada dia é como se chegasse da guerra e a minha sobrevivência fosse uma benção, mas por causa das coisas resolveu comer a sandes que trazia no saco de praia (desembrulhou o papel e tudo... uma limpeza), mal me apanhou desprevenida e distraída... o raio da bicha é matreira como tudo, ralhei-lhe e ela aninhou-se de olhos baixos, com a perfeita noção que tinha feito asneira, mas que a sandocha ganhava largamente ao meu discurso e lhe aconchegava agradavelmente a barriga ...  mas fez aqueles olhinhos meigos e indefesos, e lá me levou na cantiga e em mais umas festinhas... danada da criatura, qualquer dia é outra que faz de mim o quer (desde que eu também queira...)
Agora estou assim, no meio de instantes passados, sem vontade de um amanhã de trabalho que (ainda) não me apetece... ficava aqui esparramada nas paletes, debaixo do calor da manta que é apenas meu, e deixava-me anoitecer assim. Só deveria acordar quando me amanhecesse. Com a vida em rotina chegam-me outras coisas que quero afastar. Os sítios estão impregnados de coisas a que dificilmente se consegue fugir, memórias pousadas que o compasso do coração não deixa assentar. Mas enquanto há forças renovadas vai-se tentando e, às vezes até, conseguindo, o pior é depois. Mas o depois pensa-se depois. Agora tenho de pensar em sacudir a preguiça e levantar-me daqui... e apetece-me deixar isso para depois... falta o sol nascer-me na vontade.

segunda-feira, 11 de setembro de 2017


...será? Será que pode? 
Outra vez mas de outra maneira?...
Era bom. Mas de volta não se tem nada, cada segundo é irrepetivel - já dizia kundera na sua insustentável leveza, que cada segundo tem o peso da eternidade... e é verdade. A boa notícia é que enquanto respirarmos estão sempre a nascer novos segundos... pela primeira vez.

Bom dia

domingo, 10 de setembro de 2017




... receitas caseiras... ou só para embrulho... 
porque há doces sem receita possível, 
o irrepetível não tem receita.
Já a última parece-me bem, principalmente se o caminho for acompanhado de Portishead (que apelidaram de meu ritmo e eu tendo a concordar, a sonoridade tem muito a ver comigo). É viver a vida, sem receita e dispensando papel de embrulho, mas parece-me que isto de se ser feliz não deve ser só fazer bolos (senão estou tramada, diga-se...), digo eu.
Bom dia!




sábado, 9 de setembro de 2017


...acordar já com olho na preguiça do alpendre. 
... tomar o pequeno almoço e comer com os olhos. Pensar em um dia mudar de vida e lambuzar-me assim todos os dias, sem cerimónias, sem tempo regateado, sem ânsia por horizontes largos. Talvez um dia, talvez qualquer dia, talvez num onde qualquer, um lugar que se torne o meu sítio. E esta palavra continua a balancear-me por trás do olhar, a dançar-me entre pensamentos, fintando instantes vazios, à procura da medida certa da sua definição. Sítio, o lugar certo para alguma coisa ou alguém, não tem coordenadas, porque não é das geografias mas dos afectos, pode ser gente, pode ser parentesco de coração ou de sangue, pode ser a história que vestimos de um lugar que se torna parte de nós, pode ser qualquer coisa onde nos sintamos pertencer, onde nos sintamos em casa, em que percebemos sentir a nossa inteireza. Só nos apercebemos da importância da inteireza quando nos vimos partidos sem saber o que (re)fazer dos cacos. Talvez o nosso sítio seja onde formos capazes de curar e renascer. Esquecer quem nos despedaçou e lembrar só que podemos quebrar. Preservarmo-nos, conservando o olhar, de dentro e de fora, em sítios onde sentimos beleza, agora e nos agoras que já foram.


... except in the morning.... then it will happen naturally...
(... a parte do enfurecer, claro, e a outra também, mas para tomar banho...então se for sábado a estas horas ui ui)
Bom dia!


A lua estava esplendorosa no caminho, 
sentia-se o seu olhar sem nunca levantar os olhos. 
Como que uma presença constante e brilhante em todas as coisas, 
forte e sedutora, que em tudo se insinua sem se mostrar. 
Duma sensualidade suave sem ser branda.

sexta-feira, 8 de setembro de 2017

Não precisas de ver o caminho, o teu caminho sou eu... 'tás a olhar p'ra onde pahhh??
[...se nos estamparmos a culpa é tua, claro :))))) ]

... é mesmo isto...
(... e só me encontra quem vai comigo - espero eu...  ;))

quinta-feira, 7 de setembro de 2017

[foto @davidbenolielphotography]

O amor comeu a minha paz e a minha guerra,
o meu dia e a minha noite, o meu inverno e o meu verão.
Comeu o meu silêncio,
a minha dor de cabeça,o meu medo da morte.


João Cabral de Melo Neto


[Depois de se sobreviver a um amor que morreu, percebemos que morreu também a diferença do dia para a noite, que se resolve num interruptor, que a paz e a guerra é uma diferença de ruídos, o inverno difere do verão só em camadas para despir, o silêncio esvazia-se e a cabeça, como o resto, não se sente. Percebemos que o amor levou tudo, até a morte.
Depois de nos comerem a vida e o depois roer os ossos, já não se sente a morte.]

quarta-feira, 6 de setembro de 2017


"Lembro-me bem do filme, mas não me lembro daquele limão ali..."

 - é do carteiro não é????

 - não. esse só tocava duas vezes... Ou estava a falar do limão ser do carteiro? Isso já não sei, não conheço nenhum carteiro com limões... eheheh

- é para a limonada depois, sede sabe?

- pois deve ser... não tinha pensado nisso...

[há sentidos de humor que encaixam tão perfeitamente em nós, que às vezes tocam-nos - não como o carteiro, sempre duas vezes, seria uma sorte serem tão poucas -, à porta da existência sobrevivente, vezes sem conta. 
Volta-se sempre aos sítios onde fomos felizes, mesmo que não queiramos, mesmo que não saiamos do lugar, amarrados que estamos ao que nos falta (sem perceber que a falta é uma coisa nossa, que só temos se a aceitarmos assim).]

... as noites de varanda e janela aberta não durarão muito mais. Noites amenas em que a brisa lava o cansaço dos corpos, e as estrelas desfazem os nós dos dias. Venham as lareiras crepitantes e o fogo que arde em sombras lânguidas que dançam nas paredes nuas. 
As noites boas só têm de despir o frio da alma que chega a casa.

terça-feira, 5 de setembro de 2017


[ foto @_georgemayer]

despimo-nos inteiros 
quando entregamos as nossas sombras 
à luz de alguém

segunda-feira, 4 de setembro de 2017

Reconheci aquele gesto... Numa fila interminável de trânsito a caminho do mar, o retrovisor trouxe-me à flor da pele o passado que não sei se existiu. 
Reconheci aquele gesto que vi acontecer dentro do carro atrás do meu, repetiram-mo tantas vezes, repeti-o tantas e tão menos do que gostaria. Repeti-o na memória, ali, sem tempo conjugado, entre um nada e outro, como quem cai no abismo do tudo. Reconheci naquele gesto um carinho, uma festa na cara do outro, que encontra aconchego entre o ombro e a face, moldando-se como quem quer guardar o carinho e devolvê-lo no beijo que deixa naquela mão. Enterneceu-me... a doçura, o saber dar e receber, a naturalidade de tudo - sempre estes pequenos nadas me deixaram o por dentro em turbilhão, no meio de tudo que me faz o todo. Repeti aquele gesto tantas vezes e ainda tão poucas, num lado ou outro da mão, num lado ou outro do beijo... Dei por mim a perguntar se também estes gestos, estes nadas, pedaços inteiros de tudo, se também estes não resistirão à hipocrisia... se ele mais logo vai dizer que não a suporta, que já não a pode ouvir, que até os barulhos que faz a dormir o irritam, ou se já se empurraram alguma vez no calor da raiva, se a acha ridícula quando ela se acha sensual, se se odeiam a maior parte do tempo longe dos olhos do mundo, fechando entre quatro paredes, aquilo de que as paredes os deveriam proteger. Será? Será que não há gestos resistentes à hipocrisia? À prova de hipocrisia, que só surgem genuinamente doces, ternos, naturais, sentidos, aconchegados nos momentos em que sentimos perfeitamente o avesso da pele quando paramos para recordá-los. Na altura não os pensamos, desenrolam-se ao sabor do que se sente, só - pensá-los é já o começo duma hipocrisia, duma intenção de razão calculada. 
Reconheci o gesto, seria o mesmo?
... e não há óculos para isto!!
... há quem, por isso, prefira ir apalpando o terreno... 
e vai daí, há desculpas piores  ;)
(para quem precisa de desculpas, isto é...)

Bom dia!

domingo, 3 de setembro de 2017


... de vez em quando o meu sol põe-se a norte. E a luz, a luz não é tão mansa na despedida, mas parece saber-me igualmente doce. Talvez esta doçura menos mansa, duma graça menos delicada, tenha um encanto doutra força. E eu gosto. E gosto de ouvir as conversas com pronúncia, de muitas expressões, do assobio de alguém para chamar o homem dos chapéus porque ouviu a conversa de quem não sabia assobiar alto e bom som, das pessoas sempre cheias de coração na boca, e normalmente com o coração a bater no sítio certo. 
Às vezes o sol põe-se a norte. E às vezes é o sítio certo.

sábado, 2 de setembro de 2017



'Tá bem. Combinado!
 É só questão de te arranjar uma fotografia e pores na mesinha de cabeceira...
ihihih ;))


Bom dia!!

sexta-feira, 1 de setembro de 2017

[foto @stevemccurryofficial]

A casa inteira deu conta, minha filha chegou, e de repente a casa deixou de ter cantos. O silêncio subiu paredes ou rastejou pelas frestas, sumiu. Suponho só o voltar a avistar lá para a noite, se o o meu sono resistir ao dela e a tanto... já tinha saudades... (mesmo que goste e precise do meu tempo sozinha, dos meus cantos e do silêncio)