terça-feira, 24 de setembro de 2019

Primeiro você me azucrina,
Me entorta a cabeça
Me bota na boca
Um gosto amargo de fel
Depois vem chorando desculpas
Assim meio pedindo
Querendo ganhar
Um bocado de mel
Não vê que então eu me rasgo
Engasgo, engulo,
Reflito, estendo a mão
E assim nossa vida
É um rio secando
As pedras cortando,
E eu vou perguntando:
"Até quando?"

São tantas coisinhas
Miúdas, roendo, comendo
Amassando aos poucos
Com o nosso ideal
São frases perdidas
Num mundo de gritos e gestos
Num jogo de culpa
Que faz tanto mal
Não quero a razão
Pois eu sei
O quanto estou errada
O quanto já fiz destruir
Só sinto no ar o momento
Em que o copo está cheio
E que já não dá mais pra engolir

Veja bem, nosso caso
É uma porta entreaberta
Eu busquei a palavra mais certa
Vê se entende
O meu grito de alerta
Veja bem, é o amor
Agitando meu coração
Há um lado carente
Dizendo que sim
E essa vida da gente gritando que não

[grito de alerta, Maria Bethânia]

Tantas relações assim, tantas vidas assim. Quanto tempo assim?
Tempo que vai passando sem saber se se perde ou se se ganha. Sem saber o que resta ou sequer o que temos. 
Já tive a minha dose de pessoas a desfiarem desculpas, a dizerem o quanto se achavam estupidos ou burros, a dizer muita coisa, em busca, se calhar, de não perder o que não sabiam sequer se queriam guardar para si, em si, mas num conforto que queriam assegurar a qualquer custo. Abdicar custa, deixar de ter as botijas de oxigénio à disposição assusta, e o lado carente aperta tanto por dentro, enquanto as desculpas são tão fáceis e inesgotáveis. Como os pedidos de desculpa sempre tão, tão sentidos. Até à próxima vez. 
Já tive a minha dose de portas entreabertas, de destruição silenciosa e interior, já tive a minha dose de me deixar ser menos do que sou. Deixou de ser só a vida a dizer que não. A certo ponto, que talvez não tenha sido no ponto certo, eu também disse. 

[há coisas que lemos, e quando voltamos a ler percebemos que há pessoas que as podem ler na primeira pessoa e depois na outra, conforme a altura da vida, ou para onde apontamos o holofote... 
numas alturas as desculpas são de um, noutras são eles a dá-las a alguém... nuns reclamamos atenção e noutras ouvimos reclamar. Tantos alertas que não alertam ninguém, até não haver nada que valha a pena salvar.]

4 comentários:

  1. Cada vez mais, viver é a coisa mais rara do mundo...a maioria das pessoas apenas existe.

    Olá, Vi:)

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Bom verdade, Legionário, Wilde bem o pensou e melhor o disse.

      Boa noite, agora :)

      Eliminar
  2. Bem... Concordo com quase tudo, excepto o "não haver nada que valha a pena salvar".
    Mais que não seja, vale a pena salvarmo-nos a nós mesmos... Salvar o nosso amor próprio... A nossa sanidade mental. E já não me parece pouco!
    No meu caso (ah pois, faço parte dessa "estatística") valeu a pena ter salvo os meus filhos! E por eles faria tudo de novo. Mas mais cedo...

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Touché Mafy :) disseste tudo.
      Realmente penso que se pode chegar a um ponto em que a única coisa que se pode salvar é a sanidade mental, o amor próprio, nós mesmos, porque nada mais resta do resto. E quanto mais demorarmos a vê-lo menos resta de nós para salvar. Há quem passe vidas inteiras assim e não salve nada, de nada.

      Eliminar