sábado, 14 de setembro de 2019



Ainda toda quente da roupa tirada
Fechas os olhos e moves-te
Como se move um canto que nasce
Vagamente mas em toda a parte

Perfumada e saborosa
Ultrapassas sem te perder
As fronteiras do teu corpo

Passaste por cima do tempo
Eis-te uma nova mulher
Revelada até ao infinito.

Paul Éluard
(Tradução de Egito Gonçalves)


Quando de olhos fechados, de olhar quente e nu, se ultrapassam as fronteiras do corpo, o infinito desfia-se e nunca mais a existência cabe inteira no corpo. Uma ponte que se atravessa com outro corpo, mas não com qualquer corpo, qualquer existência. Há que depor as armas todas, inteiros, sairmos do corpo, entregá-lo e recebê-lo na forma de outro. É ser mais e ser além, é estar e ser nação inteira de alguém, principalmente de nós. Ser casa e ser viagem, por instantes que seja. Para sempre, quase sempre. 
Uma viagem de que não se regressa. O momento em que, ainda presos, somos a coincidência deliciosa de corpo e existência. Nunca seremos tão livres ou mais inteiros. 
Passa a faltar corpo, ou sobrar existência.  
O tempo passa a medir-se a eternidades, incomensurável. 
Pequenas eternidades como reticências em cada parágrafo. Sempre à espera do fim, ou do principio... ou de ser o fim e o principio de algo sem fronteiras, sem tempo.

[a chuvada que se abateu há pouco na cidade, como uma paixão desenfreada, e que me colou o vestido leve de verão à pele que cobria, acorda-me os sentidos  como o sonho a vida. Visitam-se memórias como futuros. Perdendo-nos pela cidade em sítios onde nos encontramos. Chovem sorrisos e a chuva abranda enquanto ainda escorre pela pele e pelos cabelos, esmorece depois de acordar.]

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