quinta-feira, 25 de janeiro de 2018


[foto @jeannoirphotography]

"Dentro de cinco minutos, acrescentou de súbito baixando o tom de voz - inclinara-se um pouco na direcção dele, com os cotovelos sobre a mesa e os dedos entrelaçados, olhando-o com desenvoltura -, quero que vamos até ao hotel, que faças amor comigo e que me chames de puta. Capisci?
(...) necessito com a máxima urgência que me abraces com uma violência razoável mas contundente e deixes em branco o conta quilômetros do meu cérebro. Ou que o partas. Tenho prazer em comunicar-te que és muito bonito, Faulques. E estou nesse ponto exacto em que uma francesa passaria a tratar-te por tu, uma suíça tentaria averiguar quantos cartões de crédito trazes na carteira e uma norte americana perguntaria se tens preservativo. De modo que- olhou para o relógio - vamos para o hotel, se não vês inconveniente.
(...) levantou-se para se aproximar da janela e, olhando para a fachada desguarnecida e escura de San Frediano in Cestello pronunciou as únicas dez palavras seguidas que Faulques ouviu naquela noite: já não há mulheres como a que eu queria ser."

Perez Reverte, in O Pintor de Batalhas


Sinto assim também - não há mulheres como a que eu queria ser, a não ser em livros ou filmes, fruto da imaginação de alguém, e também da minha. Um pouco como esta que aqui se lê - foi o que pensei quando li a frase que associa o seu estado de espírito a francesas, suíças e americanas... fez-me sorrir pela inteligência malandra, e pela maneira como francamente se diz indirectamente que se quer alguém com vontade, muita vontade sem vergonha de a ter. Quando o li pensei que gostava de ser um pouco esta mulher (ainda antes de ler a única frase completa que numa noite de amor ela proferiu), com presença de espírito, uma pitada de humor inteligente maravilhosamente encaixada, sem falsos pruridos, vergonhas hipócritas ou acanhamentos toscos, sem filtros e sem medo. Com a dose certa de segurança, independência e alguma doçura ao mesmo tempo. Doçura, ternura e meiguice, sem ter medo de ser, ou parecer, fraqueza - de pedir.
Há alturas em que chego a pensar que, por dentro, não estarei muito longe, mas falta-me um contraponto para descobrir tudo o que posso ser, para fazê-lo respirar e sentir-se. Para ser plenamente, afinal. E então percebo que estou longe. A mulher que queria ser não precisa de contraponto para saber que é - o que é-, sabe e ponto final. Falta-me também isso.

4 comentários:

  1. Uma mulher sem "papas na língua".

    Bom dia, Vi:)

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    1. :))
      uma mulher que sabe o que quer e não tem medo de o dizer.

      Bom dia, Legionário :)

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  2. Saberes quem és, é o mais importante. O problema está na nossa sociedade. Verbalizar o desejo de uma forma mais direta, sem receios de chocar não é visto com bons olhos, sobretudo se certas palavras sairem da boca de uma mulher. A vida são literalmente dois dias. O melhor a fazer é aproveitar sempre da melhor forma que conseguires.
    Bom dia Olvido :)

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  3. Depende dos olhos a que revelamos ou queremos revelar os nossos desejos, mas tens razão há muita hipocrisia na sociedade, muito falso pudor, por um lado, e muita coisa escancarada não por vontade, mas precisamente para chocar, para ser diferente, não por se ser realmente assim. Eu acho que podermos ter o à vontade de dizer o que nos vai na alma e no desejo sem o medo de chocar tem tudo a ver com a relação que se construiu, e como nos entregamos ou não, como nos mostramos ou não, como nos defendemos ou não. Se virmos no par de olhos que nos vêem em intimidade a sociedade, a relação não é a dois.
    O problema muitas vezes não é não sabermos quem somos mas se os outros nos querem saber realmente, o medo, a haver, talvez seja principalmente esse...

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