A dar um mimo extra para minorar os ciúmes da mais pequenita. Os bichos são como nos em tanta coisa... nunca a deixo subir para os sofás ou para a cama, mas ela devagarinho e com jeito, vai pondo uma pata, depois outra, sorrateiramente em pouco tempo está toda empoleirada no fofinho. Hoje deixei, precisa de mimo e eu também :)
Quase com o livro seguinte a acabar e sem marcas nas páginas, estive a passar pelo que deixei marcado neste do “em tudo havia beleza” que acabei há umas duas semanas, mas ainda pára aqui na minha mesinha de cabeceira... fiquei a pensar numa passagem que marquei, e reli agora, que me faz pensar na culpa e no que eu já tinha pensado sobre a culpa, as suas várias facetas e ferramentas. De como é usada como instrumento tantas vezes - de manipulação, fazendo sentir culpa para levar ao fim que alguém procura; outras vezes como desculpa, para se fazer ou não fazer algo, porque depois a culpa nos consome, ou antes, não sei, é coisa a que normalmente não me dedico... Mas para mim uma novidade, que me apercebi há algum tempo... é usar a culpa como escudo, como prova de boa formação do espírito, naquela lógica de: se eu sinto culpa é porque não sou má pessoa, senão ser-me-ia indiferente, mas como não é, e sinto culpa por isto ou aquilo que magoou ou fez mal a alguém, portanto não posso ser má pessoa. É cómodo, é até lógico se usado só uma vez, já repetidamente não serve; nem mesmo alegar que não foi vontade própria, que se foi arrastado para esta ou aquela situação, que não queria e não faria, mas não conseguiu evitar, impor, contrariar.... mas até por isso se sente culpa, esgrimindo-a mais uma vez. A culpa é pau para toda a obra, e uma moeda de troca - sinto culpa recebo imunidade contra acusação de maldade pura, ou indiferença, ou o que for que na altura der jeito... Mas a culpa que é verdadeira, e não um instrumento, muda os comportamentos, não se cai no mesmo, talvez porque a culpa leve ao arrependimento e esse - mais uma vez - só existe genuinamente se levar a mudança de comportamentos, ou a, pelo menos, não se repetirem esses.
Este livro trouxe-me uma nova perspectiva da culpa, que eu nunca tinha pensado: quando nos defendem, quando alguém nos defende e protege livra-nos da culpa, está a dizer-nos que a culpa não é nossa, que o problema não somos nós, que não devemos sentir culpa, que não temos por que sentir essa culpa, que estamos sim, do lado da razão. E é verdade, e eu nunca tinha pensado nisto. Nos últimos anos habituei-me por um lado, a encarar a culpa, irónica e paradoxalmente, como desculpa, e por outro a percebê-la como instrumento de manipulação. Muitas vezes defendi que nem em tudo haveria culpa, mas como a culpa não era real, não surtiu qualquer efeito, e de todas as vezes que a culpa era justificada por conscientemente se magoar alguém, nunca isso também mudou... também aí não era culpa. Acho que a culpa mais pesada e mais vincada é aquela de que não se fala, não se pronuncia quase por respeito, a que se carrega, mas não lhe sabemos o nome ou o rosto. A verdadeira culpa, penso muitas vezes que é a que só se torna nítida e consciente postumamente aos assuntos que a geraram.