sábado, 14 de dezembro de 2019


Tobias, Malhadinhas, Flash, Romeu, Blackie, Double, Spoty, Van Gogh, Cueca e Alentejano, todos os que nasceram e a que demos nome. Todos por uma razão que os identificava. Faz amanhã dois meses. Todos lindos, nascidos cheios de vida, vivacidade. Só chegarão a fazer dois meses quatro deles, a tristeza é grande e ressente-se. Sente-se mais ainda quando os damos à terra, que tem uma fome de vida desenfreada e cruel. A vida vai-se fazendo um fio cada vez mais fino, cada vez mais afiado, cada vez mais frágil. Vêmo-lo, dia a dia, entrar-nos pelos olhos e ressentir-se nos dias, no cansaço sem paga, paga-se a vida com vida e a morte com morte também, em nós. Faz-se tudo o que se pode e a impotência ri-se, triunfante, de nós. Temos a morte ao colo e sabemos que o tempo tem arranjinhos com ela, e nós damos colo, horas de sono e de vida, porque não podemos dar mais nada. Ontem enquanto tinha o Spoty ao colo pensava em tudo isto, em como às vezes dá raiva de uns serem saudáveis e outros terem nascido condenados, só porque sim, ou porque não. Pergunto-me se as mães que têm filhos saudáveis e filhos que não o são, conseguem não sentir isso que senti, essa espécie de raiva, revolta de incompreensão, que enquanto quatro brincam e saltam e destroem tudo, porque têm vida de sobra nas garras, o outro estava ao meu colo a desfiar os seus últimos tempos, e ninguém tem culpa, mas por que é que uns me tiram do sério e da paciência e o outro não tem nada, só o meu colo que não consigo, ou posso, negar-lhe. Como aos outros antes dele. E lembro-me do título do livro “em tudo havia beleza”, quando o pouso para fazer o jantar ou alguma coisa, vejo a irmã dele a sentar-se à frente dele, e a não deixar que a correria maluca dos restantes chegue aquela criatura que nasceu da mesma mãe e tem menos (muito menos) de metade do seu tamanho, e que com um olhar meio triste o protege, e nem sabe bem porquê, mas fá-lo. Como dizia o meu irmão (e ele sabe demasiado bem do que fala), há seres que nascem para tratar de si e outros que nascem para cuidar dos outros antes de si, sempre. Talvez também isso seja uma espécie de condenação.

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