(...) Eu tivera a Mercedes e perdera-a. Mas perdera-a por tê-la tido, ou tivera-a porque, já antes ela estava perdida para mim? Pensara eu, alguma vez, e autenticamente em casar com ela? Desejava possui-la por amor e por sentir o seu amor por mim, ou porque a vira, com todos os preconceitos do mundo em que vivia, como acessível? E ela, entregando-se-me, amara-me de facto, ou quisera destruir em si mesma o próprio amor que me tinha e não sabia que tinha? Ou sabia?"
Jorge de Sena, in Sinais de Fogo
As pessoas revelam-se aos nossos olhos tanto quanto os portugueses descobriram o Brasil. Já lá estava tudo, nós é que não sabíamos e por isso não víamos. O mundo mudou aos nossos olhos, ganhámos terra que não conhecíamos, mas nada (na morfologia do mundo) efectivamente mudou, a não ser a nossa perspectiva, e os mapas para nos orientarmos. A vida surge-nos e descobre-nos, vai-nos revelando, faz vir à tona, o que não sendo usado, pensávamos não existir. Descobrimos quando algo em nós é despertado e reage. Umas vezes é bom, descobrimos termos coisas boas, descobrimos até como podemos e conseguimos ser felizes, como a vida pode ser maravilhosa, outras vezes descobrimos facetas nossas que estavam camufladas e preferíamos continuar a pensar não as ter.
As pessoas não mudam, não na essência, não nos seus pilares fundamentais, nós é que demoramos para descobrir toda a extensão dessa essência e as suas pequenas grandes nuances. Há pessoas que por muito que quisessem nunca conseguiriam fazer certas coisas, e outras que perante algumas situações nem chegam a pensar fazê-las, simplesmente as fazem, saem-lhes naturalmente. Às vezes é maravilhoso, outras é uma miséria humana.
Os acidentes, os imprevistos, as contrariedades, só permitem que as pessoas surjam como são, mas antes não tiveram razão para ser.
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