Não sei qual a conclusão a tirar, ponho-me a pensar em toda a história do filme e não consigo perceber se o erro fatal é ter alguém por garantido, se o problema é que há um ponto a partir do qual não se consegue perdoar quem se amou por ter tido outra prioridade que nos relega para segundo ou terceiro plano. Depois, nada, nunca mais, apaga o facto de alguém ter preferido arriscar perder o nosso amor por outra qualquer coisa que considerou mais importante (dinheiro, estabilidade, estatuto, carreira, o que for)- , ou se afinal a conclusão é que afinal há homens que não são adeptos da máxima "cada um luta com as armas que tem" (seja elas quais forem), porque vêem nesses comportamentos um carácter que depois não conseguem amar, pela mesquinhez, pela falta de grandeza de espírito (e são poucos estes seres - homens ou mulheres - parece-me). Quando ela percebe que ele se pode apaixonar pela rica e inocente e boa moribunda, já o arriscou, e ele já se sentiu secundário, já sentiu que era mais importante o dinheiro, o estatuto, tudo isso, do que ficarem os dois, era mais importante o dinheiro do que o risco de atirá-lo para os braços de outra mulher. Já percebeu e sentiu que a prioridade daquela mulher não era o que sentia por ele. Depois, quando ela percebe e tenta desfazer tudo, afastá-los, com as armas que tem, faz alguém, já às portas da morte, sofrer muito, e é aí que ele percebe que gosta dessa mulher que sofre e detesta o sofrimento que lhe estão a provocar e para o qual ele contribuiu (engraçado perceber que é pelo sofrimento que causa que percebe que gosta dela, parece uma conversa que tive há tempos...). E ainda que com a morte no corpo não lhe morreu a dignidade, nem a grandeza de espírito, tão diferente da mulher que ele sempre amou, afinal. Ela morre e deixa-lhes parte da sua fortuna, aos dois, fortuna que ele recusa terminantemente, e ela, tentando desfazer tudo o que fez, dispõe-se também a dispensá-la se ele ficar com ela (ainda) por amor. E ele já não consegue, de alguma forma já não a ama, ama aquela que morreu. Aquela que perdeu. Aquela para quem ele era a prioridade, para quem ele era tudo o que importava, que o amou assim, dessa forma, e que tentou que ele a amasse, simplesmente. E parece que no fim aconteceu. Apaixonou-se pela mulher que conheceu e que lutou por ele só com o amor por arma e a dignidade por escudo, que o conquistou com a sua inocência, e que morreu.
Talvez a conclusão não seja nenhuma destas, talvez seja que há coisas que não se conseguem desfazer depois de feitas, não se conseguem reverter depois de subvertidas. Tomou-o por garantido, arriscou-o achando que não o fazia, ou achando que havia coisas mais importantes, mostrou nas atitudes o fundo do seu carácter, depois percebeu o erro, a inversão de prioridades, o risco, tentou desfazer tudo, mas há coisas que depois de mostradas, sentidas, deixam um travo no olhar que talvez não se dissipe facilmente. Já não a olhava nem via da mesma maneira.
Ela perdeu tudo. Ele ganhou dois amores mortos.
E isto é coisa que me dá para pensar e pôr a cabeça em remoinho, tanto que tive de o escrever, para assentar o turbilhão, e por causa disso lembrei-me de alguém me dizer que devia ser das poucas pessoas que conhecia que quando lia alguma coisa era capaz de, logo a seguir, escrever sobre o que tinha lido e o que me ficava disso, ou via nisso. Em filmes parece que também, este chamava-se "Nas asas do amor" - o amor não tem gaiolas, não se controla, nem se pode ter preso, suponho que só podemos tentar sempre que queira, a cada dia, voar para nós. De resto não controlamos nada, nem temos ninguém, nunca, garantido.
[tinha este texto escrito nos rascunhos há uns tempos, mas por causa dum comentário ontem lembrei-me dele - há coisas que depois de subvertidas não se podem reverter. quando sabemos que não fomos a prioridade de alguém, e quando o sabemos repetidamente por várias vezes sem margem para dúvidas das tantas dúvidas que têm, há um ponto em que deixamos de querer. É talvez a diferença entre sentir falta de algo, e ainda assim já não o querer. Porque sabemos que queremos mais. Queremos que não nos arrisquem e que não nos tomem por garantidos. O que tomamos por garantido não valorizamos. Há uma altura em que os desvalorizados percebem. ]
A fotografia deste filme é um espanto. ;)
ResponderEliminarE aqui, tenho que dizer, lê o livro (porque se gostaste do filme o que acharás do texto que o inspirou :) )
:)) ainda bem que te tenho a ti para me dizeres essas coisas, eu perco-me e fico-me na história, nas personagens, na vida das vidas... acho que noto essas coisas quando a história não me agarra pelo lado de dentro dos olhos...
EliminarQuanto ao livro, não gosto de ler o filme ou ver o livro no cinema... é sempre uma descoincidência que acontece na minha cabeça. Gosto de ler e ver sem saber. Senão perde a piada... :))
Poderia ser eu a escrever o teu final, poderia!!!
ResponderEliminarboa tarde agora Olvido
:)) esse teu comentário faz-me apetecer dizer-te para escreveres então o meu final... como seria isso? que escreverias? :))))
Eliminarmas percebi-te podias ter escrito o que escrevi... mas em qual final? no do post original que descansava nos rascunhos? ou o final que escrevi quando reli agora por causa dos nossos comentários de ontem?
![tinha este texto escrito nos rascunhos há uns tempos, mas por causa dum comentário ontem lembrei-me dele - há coisas que depois de subvertidas não se podem reverter. quando sabemos que não fomos a prioridade de alguém, e quando o sabemos repetidamente por várias vezes sem margem para dúvidas das tantas dúvidas que têm, há um ponto em que deixamos de querer. É talvez a diferença entre sentir falta de algo, e ainda assim já não o querer. Porque sabemos que queremos mais. Queremos que não nos arrisquem e que não nos tomem por garantidos. O que tomamos por garantido não valorizamos. Há uma altura em que os desvalorizados percebem. ]!
Eliminarpoderia ter sido Eu a escrever!
Então era esse final ;) é uma aprendizagem que ainda que difícil, é boa...
EliminarEste teu final diz[me] muito. E hoje, já não dói.
ResponderEliminarBeijo, Olvido ;)
E eu não sei o que me dói, ou se me dói, ainda.
EliminarBom entardecer, agora, Perséfone:)
"Queremos que não nos arrisquem e que não nos tomem por garantidos. O que tomamos por garantido não valorizamos. Há uma altura em que os desvalorizados percebem."
ResponderEliminarBoa tarde Vi, como eu te entendo:)
As duas ideias que me ficaram do filme que me obrigou a escrever este texto depois de vê-lo, foi a de que quem se arrisca a perder o outro não o valoriza realmente, e a ideia de que depois de algo ser subvertido não ser possível reverter, desfazer essa subversão, riscá-la, apagá-la. Depois de te arriscarem perder, como se afinal pouco valesses, depois de te secundarizarem assim, depois de o sentires, não há como reverter isso, não há, talvez, forma de o compensar, de o fazer esquecer... e foram estas duas ideias que me fizeram ir pescar isto aos rascunhos, face a uma pergunta que me fizeram aqui nos comentários.
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