quarta-feira, 27 de junho de 2018

[imagem @hey.luisa]

Escrevo coisas estranhas, frases que me aparecem por dentro, imagens que me nascem na cabeça, coisas que nem gosto, mas que me são fortes e se desfiam quando as escrevo, quando as repito silenciosamente depois de me surgirem do nada. Como que para as entender, as dissecar. Vou puxando o fio e outras imagens surgem, outras frases se desenrolam de mim pelo que sinto. Depois é o ritmo ou o som das palavras que brincam entre si e se enredam umas às outras - como cerejas, talvez seja a cabeça que é de cereja, não os lábios, não a boca, como alguém dizia. E agora saem coisas que não gosto, mas que escrevo para quase me livrar delas, não tanto porque me transbordem mas porque quase me incomodam, porque não sou assim, ou não quero ser. Sou sombria talvez, mas não sou negra. Sombria sempre fui, mas havia uma doçura, acho, uma pureza que não me deixava cerrar as sombras ao ponto da escuridão absoluta. Sombra é luz algures, sem luz não há sombras; escuridão é ausência completa de luz. É diferente. Estou diferente, mas sinto que não sou assim. Tenho esta sensação duma tranquilidade que nada espera, dum alívio que me pesa nos ossos e os verga, esta sensação de quase paz podre que me vai, que me pode, apodrecer de dentro para fora, como quem me come o corpo pelo avesso, como quem alastra, conquistando terreno sobre mim. Que se alimenta dos fantasmas que se recusam a morrer e doem como membros amputados, sem razão - que não a memória - de terem existido, num paradoxo temporal que dá um nó num passado que nunca foi presente. E eu disseco tudo isto na minha cabeça, analiso para entender, mas entender não me faz esperançosa de luz, apenas organizada nas gavetas mentais. E tenho muitas desarrumadas. Há coisas que ainda não entendi. Lembrei-me de me dizerem que a cabeça às vezes tem truques, que prega partidas que nem o próprio percebe, e que muitas vezes o auto-sabotam. Não sei se a minha cabeça não me faz também umas partidas, uns truques que não percebo. Não sei. Sei que escrevo coisas porque os meus botões malucos mas sussurram mas não ando a gostar de as ler. Escondo-as da luz, mas saem, e eu escrevo para as poder apagar de algum sítio. Talvez de mim. Talvez da luz.
Gostava de escrever coisas luminosas, coloridas como a imaginação duma criança, com cheiros a nascentes frescas e o som salgado do marulhar do mar. Mas quando sinto alguma dessas coisas guardo-as, não as escrevo, para que não mas possam apagar. 

2 comentários:

  1. Se calhar nunca estiveste tão lúcida como estás agora! Abençoada loucura então! Quanto ao escreveres coisas luminosas, com o jeito que tens para a escrita, acredito que fizesses uns neons todos catitas xD!

    -____-

    Bom fim de tarde Olvido

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. hehehe acho que não sou bem mocinha de muitos neons, mas nunca se sabe...
      E não se é lucidez ou desorganização mental a tentar alcançá-la, o tempo o dirá. Ou não.

      boa noite, Corvo :)

      Eliminar