quarta-feira, 14 de fevereiro de 2018


Cada vez que estavam juntos era uma despedida - como se fosse uma despedida. Nunca sabiam quando iriam estar juntos outra vez, ou sequer se voltariam a estar, tal eram as voltas que o mundo dava numa vida de malabaristas ironias e desencontros cruéis. Ali juntos, entre beijos, pele a passear devagar pelas mãos, e cheiros quentes que respiravam alma, houve a força violenta de um abraço que agarra, que quer ficar, que quer prender o tempo, quer prender os dois no tempo que não foge, naquele tempo - aquele tempo antes de se despedirem. Ele abraçou-a como se quisesse fazer sua a pele dela, o cheiro dela seu, como se não fosse possível separarem-se. Como se quisesse engoli-la, absorvê-la, para que nunca pudesse ficar sem ela, porque seria ficar sem si mesmo. Essa ideia rasgava-lhe o sossego e instalava-se em medos que ainda não conhecia. Como se, para ele, ela estivesse, de algum modo, sempre ali, para abraçar quando ele fosse abraço. Para ser um momento sempre que tivesse tempo. E tentou dizer-lhe alguma coisa, com ambas as mãos a amparar e emoldurar o rosto dela, mergulhando nela com um olhar onde cabia a angústia dum abismo,  procurava as palavras para lhe entregar. Ela pôs a mão sobre a sua boca, sorriu, agarrou-o com delicadeza pelo olhar, afugentou abismos e disse-lhe que não dissesse nada. Nada. Que deixasse que fossem o silêncio, que o silêncio os preenchesse, que eles fossem silêncio em todos os silêncios. Que fossem o silêncio inteiro em cada pequeno vazio. Que fossem, e estivessem, em todos os silêncios: quando, separados, o mundo os calasse, esse silêncio eram eles, ali e assim, pele na pele; quando se calasse o mundo eles descansariam o olhar no silêncio que era cheio deles; quando falassem sem vontade, esse silêncio disfarçado era vontade de serem eles; e quando tivessem de ouvir sem querer ouvir, esse silêncio era o refúgio onde se escondiam. E juntos, sempre que não encontrassem as palavras para dizer o amor, esse silêncio, era o amor deles.

[Cada dia que não nos beijamos todas as palavras são em vão. Cada dia que não nos vemos o ruído ensandece. Encontramo-nos no silêncio. Tanto. Até já.]

6 comentários:

  1. Por vezes...o "vocabulário do amor" é restrito e repetitivo, porque a sua melhor expressão é o silêncio. Mas é deste silêncio que nasce todo o vocabulário do mundo.

    Olá Vi, boa tarde:))

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    1. :)) Eu não diria que o vocabulário do amor seja repetitivo, restrito sim - restrito a cada par porque cada par tem a sua linguagem íntima e criada a dois, é coisa que não dá para copiar ou re-usar de outras relações ( eu pelo menos acho isso horrível e até humilhante, não o quereria para mim, para mim quero só o que for meu), ou isso será indicador de falta de muita coisa, diria eu, e é também por isso que acho que não é repetitivo, porque a relação, as brincadeiras, as coisas pequenas do dia-a-dia são sempre uma fonte inesgotável de novas expressões, nomes engraçados, brincadeiras novas, palavras inventadas e próprias de quem ama e é cúmplice. Cria-se uma linguagem própria inaudível ou incompreensível para quem está de fora, quase como um silêncio, mas no silêncio entre os dois diz-se o que palavra nenhuma saberia dizer ou explicar, são coisas que se vivem e não se explicam, sentem-se ou não e ponto final. E esse sim, é o melhor vocabulário do mundo ;))

      Boa tarde, Legionário

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  2. Fui lendo nos últimos dias um livro com poesia de Al Berto que me ensinou que o silencio é o único lugar onde se pode espantar a morte. Quiçá é aí também que se reanima o amor?

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    1. Pois não é o amor o único capaz de reduzir a morte a uma distância? Enquanto se ama o outro não morre. Talvez por isso Mann (se não me engano) dizia que era o amor que era mais forte que a morte.

      (sou uma fã de Al Berto há muito, e recebi - talvez por o saberem - o livro que o Sr Impontual anda a ler pelos meu aniversário, mas ainda só folheei, ainda não me dediquei ao mergulho que é preciso para Al Berto..)

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  3. Fizeste-me suspirar Olvido e fiquei com um sorriso bom nos lábios depois de te ler. :)
    Boa tarde

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