quarta-feira, 28 de abril de 2021

 E a meio da tarde de trabalho, já com fome e cheia de vontade de mandar tudo para o sumiço, apareceu-me com um prato de panquecas, empilhadas com banana e chocolate quente. E eu fiquei quase sem reacção, sem saber bem o que dizer, sabendo bem o que me queria dizer.  E ali, ali mesmo, naquele momento, senti-a minha, tão minha, como às vezes sinto, raras mas como raios que me atingem até à espinha do ser. E é uma sensação estranha, misto de tantas coisas. Lembrou-me alguém que conheci, parece-me agora que já há muito tempo, quase irreconhecível, quase de outra vida, de tão longínquo me parecer.  E estranhamente tive medo, medo por ela, talvez pela maneira como sente as coisas, como gosta, como mostra, os gestos doces e ternos que tem, sem ter ainda de mergulhar fundo em si, sem ter de atravessar camadas e camadas, tão à flor da pele lhe estão. Tão desprotegidos ainda. É arisca, é, tenho de a obrigar a, às vezes, deixar-me dar-lhe mimo, mas depois tem estas coisas, que não são ditas e que me deixam sem palavras, porque me sentiu triste, zangada com a vida, desalentada, deu-me um abraço inteiro, tão inteiro que só se podem dar por dentro de um gesto, como certas palavras só se dizem no silêncio de alguns olhares. 

[O único problema foi mesmo que comi o prato todo, e agora que não ando a fazer o meu exercício diário à conta das minhas cruzes não deixarem e só me apetecer - também por isso -  vociferar como gente destravada, está a pesar-me na consciência e não só... aparte disso, foi das coisas mais bonitas que me aconteceu nos últimos tempos.]

6 comentários:

  1. Abraços inteiros cheios de amor dentro fazem bem à alma. Esse medo por ela aperta o coração mas estarás sempre por perto para amparar as possíveis quedas.
    Beijos Olvido :)

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    1. :) sim, mas estar por perto não evita que se magoe, e estes gestos debaixo da armadura que se vai tecendo, e não nos faz bem isso.
      Beijo para ti, JI

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  2. quando, do nada, nos surpreendem com pormenores inimagináveis mas que nos sabem por um pedacinho de céu, não há sombra que nos deva passar pela mente.

    o ideal é saborear com a alma e neste caso com a boca também :)

    saboreia o momento. agora em memória.

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    1. Sim, soube-me (tudo) muito bem ;) e há gestos que ficam na memória, alguns mesmo difíceis de apagar

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  3. Não há nada como saborear algo de que gostemos;)
    Pois é Vi, o confinamento deixou muita gente em modo de enchimento:D

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    1. Verdade, eu não ganhei peso mas sinto que me mexo muito pouco, nem caminhadas agora... mas pronto sempre adocei a alma, e no caminho a boca ;)

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