segunda-feira, 22 de fevereiro de 2021

 

Acabei o Quarteto (O Quarteto de Alexandria, de Lawrence Durrell). Deixo aqui, para mais tarde recordar e reler, os dois últimos trechos que me mereceram dobrar o canto superior da página. Este último “Clea” tem várias páginas com o mesmo tratamento.

Gostei daquela ideia de se ir mudando o penso à ferida até ela sarar. Talvez haja coisas realmente assim, e têm o seu tempo. Não se encurta, nem se prolonga além da cicatriz. Já a ideia que o futuro arranja maneira de modelar-se, nascer do vazio, acredito nisso, ou talvez não seja tanto crença, mas instinto de sobrevivência. E experiência empírica, até. E a pergunta... será que se pode gostar mais do pensamento de alguém, do que a sua presença física? Será? Que as palavras são mísera consolação, já sabemos, e acrescento outra frase, tão boa, doutra página assinalada, também deste último livro:

“As palavras são apenas os espelhos dos desenganos; 
contém em embrião todos os desgostos do mundo.” 

E eu, que gosto tanto de palavras, da sua dança, das suas imagens, das tantas mensagens que podem descoser as suas linhas, e da beleza disso tudo - de como pode ser sublime essa comunicação, esse código -, serei talvez um alvo privilegiado, facilitado. E, no entanto, curiosamente, hoje dei por mim a olhar para os bichos cá de casa, e a pensar exactamente isso. Sem palavras temos de aprender a conhecer o outro pelos gestos, pelas atitudes, pelas teacções, e através dos silêncios. A observar o outro, a comunicar com menos enganos e ruídos, duma forma mais genuína, mais verdadeira - mais reduzida ao essencial, e o essencial é o mais difícil de verbalizar, mas não de comunicar, não? Mas então à distância... não se pratica, né? O resto são ruídos... ou podem não passar disso.

Gostei mais dos últimos dois quartos do quarteto, sem dúvida nenhuma. Foi em crescendo esta leitura. Venha o próximo! Já me apetece e já sei qual ;)

2 comentários:

  1. Acho que o pensamento de alguém e a sua presença física são aspetos distintos. Pode gostar-se de um e não de outro... gostando de um, podemos começar a gostar do outro (aspeto)ou não... ou um dos aspetos que até gostávamos, fazer-nos desgostar do outro... já embaralhei tudo prontx :):)
    Relativamente à distância e à capacidade de comunicação, tudo depende dos envolvidos e da vontade de se partilharem... a distância nem sempre é má, ás vezes, faz-nos ver melhor o outro e sermos lidos mais a fundo.
    Não sei se já te disse, mas gosto imenso destas tuas reflexões contigo própria! Fico a descortinar-me por dentro e gosto disto.
    Um resto de tarde linda, Olvido ;)

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    1. É o que me acontece quando leio... fico a tentar descortinar-me :)
      A questão da distância é a de se as palavras ditas/escritas podem realmente dizer alguma coisa, dizer o que parecem dizer?, porque podem ser lidas, ou ouvidas, mas sem conhecer o outro e o que pensa, de que vale? e para conhecer o outro serão precisas palavras? acho que em muita coisa as palavras só atrapalham, são a fonte dos desgostos do mundo. Eu conheço a minha cadela pelo olhar, pela maneira como poisa o focinhos no meu colo percebo se quer subir para o meu colo(a danada) ou se quer que lhe abra a porta para ir lá fora, se está a ver um gato eu percebo pela postura do corpo e das orelhas... enfim, fiquei a pensar nisso. Se nso houvesse palavras a comunicação se calhar, Às vezes podia ser melhor... mas eu, por exemplo, nao passava tanto tempo a descortinar-me e a pensar nas palavras que leio :))

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