domingo, 31 de janeiro de 2021

 

E então? Era isso?

Só quando se tem o que se queria ter é que sabemos se realmente o queremos, ou melhor, se é o que precisamos para sermos felizes. 
Normalmente, quando desejo a alguém que seja feliz, quando acho que realmente o merecem, não lhes desejo o que querem ou pedem, mas o que precisam. Outras vezes há, em que desejo que as pessoas tenham exactamente aquilo que escolheram... que é como quem diz que tenham o que mereçam, seja lá isso o que for, como quem lava disso as suas mãos, até no que se lhes deseja diz respeito. Mas é raro fazê-lo, normalmente nestes casos não digo nada, penso e calo. Mas já aconteceu dizê-lo. 
Já eu, não tenho esse problema, raramente tenho o que quero, o que desejo, logo é difícil saber se o que quero me faria mais feliz, ou não. Ainda assim, tudo são escolhas, mesmo que escolhas limitadas ao que  está ao alcance das nossas opções, as alternativas que podemos escolher. Nem tudo está nas nossas mãos, às vezes nem o que desejamos.

(não sei se era suposto ser uma pergunta, mas quando li, foi assim que li, como questão. mas pode bem ser uma afirmação: lembra-te quando querias o que agora tens, dá-lhe valor. Também pode ser assim, mas eu talvez continue afinal uma moça de perguntas, apenas diferentes. E habituada durante tanto tempo a não ter respostas, em vez de as esperar, procuro-as na própria origem da pergunta, em mim. Quantos de nós saberão realmente do que precisam para ser feliz? Conseguimos ir além da educação que nos deram, das normas que a sociedade impõe, e que nos restringe? Do que pensamos poder escolher ou estar ao nosso alcance? Quanto do que precisamos queremos, e quanto do que queremos, realmente precisamos? Quanto do que tens, quiseste? E quanto do que queres, realmente precisas? Quem és realmente? Quantos sabem responder?)

sábado, 30 de janeiro de 2021

 "Sou jovem e tenho a vida toda pela frente. Eu sei disso. 

Não vou dar graxa à felicidade. 

Se aparecer, óptimo. Se não, quero lá saber. 

Nós os dois não somos compatíveis."

[no fim do filme (Uma vida à sua frente) em delicioso italiano, tive de voltar atrás por este bocadinho, esta meia dúzia de frases que me acompanharam num recanto do silêncio que se guarda enquanto se ouvem, e vêem, outras coisas. "Não vou dar graxa à felicidade": foi aqui que me agarrou, que se instalou pelo avesso. Parece-me uma grande verdade, quanto mais (e apenas) se quer, menos se consegue, menos nos encontra, menos interesse tem em nos encontrar. Surge quando não se procura, quando até se acha que já a trazemos. Se depois esbarramos nela, é como esta meia dúzia de frases: fica-nos por dentro, como um silêncio que se ouve sempre, até quando não há silêncio. 
a música fecha o filme, mas não o encerra. parte-lhe a casca, escancara-o. estamos sempre aqui para as pessoas que gostamos,  é talvez isso gostar delas - talvez só isso, e sempre - mesmo quando aqui não é um sítio, mesmo quando não estamos... como aquele silêncio debaixo de todos os sons, de tudo. daquela felicidade a que se dá graxa.]


quinta-feira, 28 de janeiro de 2021

 Fumo um cigarro à varanda e do outro lado da rua, um moço, dum lado para o outro, fala ao telefone, muito interessado e compenetrado. Não triste, não alegre, só com muito assunto, que isto já dura há um bocado... só me ocorre que o assunto seja de coração, que haverá do outro lado, alguém que pelo telefone, lhe agarra o coração. Já ele não aparenta o descanso ou a felicidade de saber que toca o coração de quem lhe fala, mas não posso deixar de pensar que disso tem vontade. Ainda assim, a conversa deve ser quente porque o moço, com este frio, tem só uma t-shirt em cima do pelo... ou tem o termóstato avariado ou é moço de muita quentura...

terça-feira, 26 de janeiro de 2021

 

[@ondejazzmeucoracao]

Este tempo fechado há tantos dias abre a melancolia, uma certa doçura triste, uma certa disposição para cair para dentro de tudo. De nós, do tempo que passa, do cinzento que os olhos comem quando olham pela janela. Se posso estar à lareira com um livro e tempo meu, espreguiça-me a alma, e entre páginas sorrio em memórias que não tenho, imagino passados diferentes como os futuros que não viverei. O tempo que não existe, não corre, não é vivo, torna irrelevante olhar para trás ou para a frente. Há sítios em nós que nunca terão bússola, ou sentido, ou tempo. Aí, há rios que sobem montanhas e chuva que cai do chão. É o que quisermos, é o que virmos, até um céu azul na manhã de hoje, enquanto bebo o café à janela da varanda com vista para o computador. E tudo é uma certa calma e sossego.

segunda-feira, 25 de janeiro de 2021

 


Ahahahah 

...as coisas de que se lembram, valhamedeus...

No primeiro confinamento lembrei-me do contrário, como um confinamento poderia ser um paraíso na terra para os recém-juntos, recém-(e)namorados, daquele início de paixão, ou na maturidade daquela paixão que não se gasta, mas se queixa de falta de tempo a dois, longe do mundo. Foi o que me lembrei. Tive pena de não ser essa a minha realidade... tive mais tempo para a minha pequenitates, mas pouco, porque nunca parei de trabalhar, e não mo deixavam fazer em casa...
Quando recebo isto desato a rir - ainda que este confinamento seja muito diferente do primeiro em muita coisa, e principalmente no estado em que isto está - parece que ando sempre enganada, sempre ao contrário, afinal estes tempos são difíceis para muitos casais, gente que não está realmente com quem gosta, e nota-se mais quando se fecham do mundo. Faz sentido. Há menos distracções, dá menos para esquecer que realmente o que querem não é estar ali com aquela pessoa. Mas acredito que também haja muitos, que tendo normalmente pouco tempo para estar juntos, agora aproveitem bem... devo ser uma romântica, né? 

(e temos de nos rir, vá...)

domingo, 24 de janeiro de 2021

[foto @victoria_klimenkova]

 Os dias perfeitos para gostar de estar em casa. Ontem foi dia de séries, hoje de acabar o livro que nos últimos fins de semana andou esquecido. Falta outro para acabar o quarteto. Acender a lareira, uma chávena de chá por perto, o livro nas mãos e a janela ao meu lado, eis o projecto para hoje. E o termómetro. Não, não vou votar, mas acho bem que todos que podem o façam. Eu não posso. E este ano iria, houve eleições em que não fui, recusei-me, por não me identificar com nenhuma possibilidade de voto, por achar que algumas decisões desrespeitaram o voto, por o voto em branco não ter outra consequência prevista que não análise estatística, por muitas razões. Hoje não vou porque não posso, e assim como quem pode deverá ir votar, quem não pode não deverá ir. Logo este ano, que quer exercer o seu direito, não pode ser a qualquer custo. Sejamos conscientes, sim? Já que quem nos governa não parece que sofra gravemente desse mal... com a quantidade de gente infectada, ou com a probabilidade de estar, outras - muitas - remetidas a isolamento, não terem atempadamente recalendarizado, parece-me pouco consciente. Ou acharam que aumentava a abstenção e isso não era mau (para quem decidiu, pois). Esqueceram-se que na hipótese de haver maior mobilização, o risco de contágio subiria e era previsível que nesta altura não devesse ser um risco a assumir... digo eu que estou febril e não percebo nada de nada... o que me faz, talvez, sã...

quarta-feira, 20 de janeiro de 2021

 Já não me lembrava desta sensação. Levar a miuda e voltar a casa. Fiquei até à última na cama, estava-se tão bem... já não tive tempo de tomar pequeno almoço, que é o que estou a fazer agora na mesa da cozinha. Olhando para trás - e não sei por que me deu para isso - percebo que sempre tomei por tarefa minha levar a miúda. O pai levava-a uma vez por semana, agora duas porque não estou cá duas noites, mas até aqui sempre fui eu a levar a miúda. Não foram os avós, nem o pai, que a caminho podia passar e levá-la. Não, sempre fui eu para mal dos pecados dela, porque ando sempre atrasada... o meu pai levantava-se cedo e ofereceu-se para levá-la de manhã e assim eu podia dormir mais um tico, mas nunca o aceitei. Sempre achei que era coisa de mãe (ou pai, dos pais se o puderem fazer, claro) levar os miúdos à escola. Depois com esta coisa do io-io, começou a ir, nos dias que saio muito cedo, a pé... porque “Oh mãe já tenho idade! Achasempre que sou um bebé”... e é, mas grande com’ócaraças... e lá tem ido, quando não eu não posso. Hoje em dia, nestes tempos esquisitos, já a posso levar, e acho que foi isso que me trouxe isto tudo... apesar de gostar de dormir de manhã com’ócaraças gosto que seja a mãe a levá-la... e aparentemente essa sou eu! E ultimamente tenho sido menos... porque tenho podido menos e porque ela precisa menos...

segunda-feira, 18 de janeiro de 2021

 Acabar o último cigarro do dia e do maço, sentada no degrau da minha varanda, a sentir o frio na ponta do nariz e do lado de fora da manta.  E estava a apetecer-me o ar frio da noite, em que se sente mais, se gosta mais do calor da manta que nos abriga, nos protege. Não vejo a lua, não lhe sinto o olhar poisado nas sombras, que se transformam em prata, em que deixam de ser sombra e ainda assim não deixam de ser penumbra. Há muitas coisas assim, suponho. Amanhã começa outra semana, ainda que diferente das outras, o dia não começará tão cedo e não acabará com uma caminhada fria junto ao rio. Acabará aqui provavelmente, onde estou, a pensar no amanhã que não me apetece particularmente... apetecia-me estar confinada, debaixo do vasto céu alentejano, sem ter de pensar em trabalho e em tudo que nos espera depois destes tempos. Não é pessimismo é só fruto daquele defeito que não raras vezez me apontam da fria lucidez. E para isso falta-me uma manta.  

domingo, 17 de janeiro de 2021



Então mas não sabiam ter-me mandado isto ontem???... esta informação de primeira água? Ainda indagava qual faria melhor corte, recolhia referências e fazia marcação, ali entre um Yorkshire e  um schnauzer... Ontem ainda ia a tempo, hoje já não!!... timing é tudo na vida, assim se vê!!!

(a tempo só mesmo a gargalhada :D que me acordou logo pela manhã ... quer dizer há bocado, pronto, para rir o timing é sempre certo)

sábado, 16 de janeiro de 2021

 


A minha primeira baixa deste confinamento: o corte de cabelo. Deixou de existir. Está mais curto, é certo, as pontas que me andavam a chatear de estarem a ficar secas e estragadas, também estarão reduzidas. O que não sobreviveu foi o corte de cabelo. Agora é só uma coisa assim... esquisita, é um escadeado ligeiramente esquizofrênico, mas pronto. Foi o melhor que consegui (também não me esforcei muito foi meio por instinto em frente ao espelho de cabelo seco) depois de tentar desde há duas semanas cortar o cabelo ao fim de semana, e nunca ter vaga, vai de cortar eu. Isto de andar entre cá e lá e nos dias que chego cá chegar sempre depois das oito, e nos que fico por cá só querer aproveitar o pouco tempo que tenho para mim ao fim do dia, a minha hora de paixão, dá nisto. Não dar tempo para cortar cabelo entre confinamentos. Vai daí cortei eu, prontosssss. 

Cuidem-se e não cortem o cabelo em casa se lhe tiverem algum amor ;))) ....

 


No fim, fechamos todas as luzes e reunimos o braseiro que ficou, restos de fogo que aqueceu o olhar e a pele - a casa que somos e a que habitamos. Há uma intimidade repleta de ternura nos restos do fogo, no calor que ainda dão, na luz quente e deliciosa que emanam. Combinam com o fim do dia, com o silêncio da penumbra, com a suspensão do mundo, com o desligar de qualquer movimento. Com a companhia do último cigarro nos dedos. E ajeitam-se as brasas de novo, para manter o calor, para libertar a luz delicada que ainda guardam. E o calor sobrevive, e às vezes incendeia-se de novo. Como agora.

quarta-feira, 13 de janeiro de 2021


[foto @joshjack]



Como é o teu (amor), pergunta o xilre? Não é, 
mas queria que o meu fosse aditivo: 
mais força , mais intensidade, mais vida 

E subtrativo da distância,
porque mesmo que as mãos não alcancem, nunca se está longe. 

Multiplicativo do tempo, 
agora é ao mesmo tempo passado, presente e futuro. 

E divisivo, 
divide-nos num antes deste amor e um depois.

[...bem sei que é uma grande operação ter todas as operações - é A operação -, mas de outra maneira não me serve, que fazer? amor, para mim, é assim... senão é outra coisa qualquer, e haverá muito por onde escolher, que eu sei. Só não quero (já vos disse que sou um tico teimosa?).]

segunda-feira, 11 de janeiro de 2021



 Caminhada ao frio, que quem passa por mim não parece sentir, em corrida ou em passo de canídeo com fome de distâncias. As luzes a entrarem pela água até aos pés, até onde os meus olhos caminham sem sair do lugar. Outra maneira de fazer a ponte entre o dia que acaba e a minha noite começa, já instalada no céu há muito. O mesmo ritual, outros cenários. Quase um vício de alma que o frio aquece.

domingo, 10 de janeiro de 2021

 


Café ao sol, bebericar umas crónicas para espairecer 
e para nos lembrarmos destas coisas - “como é linda a puta da vida”.  
Gosto tanto das crónicas do MEC.
Há coisas que fazemos sem saber porquê, outras sabemos exactamente por que as fazemos, outras só descobrimos realmente por que as fizemos depois, quando olhamos para trás. Temos de tudo. Eu sei de todas as razões que a razão tinha para fazer algumas coisas, e sei que fiz outras sem razões nenhumas da razão. Todas me fizeram sentido, mas doem mais as razões da razão que as outras. Não doi menos saber da razão, pelo contrário. Às vezes o que não queremos sobrepõe-se ao que queremos, ou gostaríamos, e por isso somos obrigados a fazer de tudo para afastar o que queremos, o que queríamos e nos apetecia sem quaisquer razões da razão, e fazemo-lo com todas as forças que encontrámos - a força da razão, que nos protege, ou deveria. E ainda que se saiba, de plena consciência, que é o que tinha de ser feito, a razão não consola a distância que assegurámos do que realmente queríamos. Só a distância nos protege do medo de ela não existir, mesmo que por momentos. Então fazemos, dizemos e magoamos, como e o que for preciso, para termos garantia que não chegamos sequer perto da tentação de esquecer a razão, mesmo que por momentos. Mantemos a distância que não queremos para afastar o medo dum querer sem razão. E quanto mais medo de querer, mais a alimentamos, num paradoxo que não dá paz nem sustento. Nem ausência, vezes demais.

sexta-feira, 8 de janeiro de 2021

 A minha mesa junto ao vidro, o meu chorão do outro lado da rua com os primeiros raios de luz a dourarem as folhas, os meus croissants, este meu tempo só meu, de coisas minhas como as palavras que meço comigo. O autocarro na paragem à hora certa em que eu penso na vida - esta hora nestes dias. Este tempo tão cheio de coisas minhas, tão minhas e que são de toda a gente. Toda a gente as vê? Ou cada um vê à sua maneira e às vezes isso é não ver nada? Como tantas outras vezes, noutros lados, noutras horas, eu não vejo nada, pior, às vezes não me vejo na correnteza louca dos dias e muitas vezes não acho isso pior... já é janeiro, já mudei de ano, (sem me dar conta que o fazia) já balanceei em meia dúzia de parágrafos dez anos de vida - ou de morte, às vezes parece de morte - o meu mês também já acabou, já não espero mais dele. Agora a loucura começa e eu vejo-me menos, e talvez não seja pior a loucura estar nos dias e não em mim. O autocarro parte, é a hora dele, e a minha. 

quarta-feira, 6 de janeiro de 2021



 Tudo branquinho gelado, e eu quentinho (ou a caminho disso, que o carro estava gelado) dentro do carro a olhar para isto, e a sentir o aconchego de não estar lá fora. E faz-me sorrir este calorzinho por dentro. Depois penso que há certas pessoas que nos fazem sentir assim, aconchegadas no calor de um mundo próprio, defendidos do frio, protegidos de gelar o corpo do corpo frágil, sujeito à enormidade do mundo.

terça-feira, 5 de janeiro de 2021



 -1... todo o pára-brisas é uma pele de gelo de efeitos abstractamente interessantes, mas frios com’ócaraças!!

Bom dia!



Impressionante como a roupa dentro da mala, dentro da bagageira, dentro do carro, todo o dia lá fora ao frio, ficou gelada.  A pele arrepiou-se quando a sentiu vesti-la. E eu com a pele arrepiada só penso como será possível certas partes de mim ainda não terem ainda congelado ou morrido, dentro de mim, dentro da pele dos dias, debaixo dum rigoroso inverno infernal lá fora, cá dentro. Em todo o lado. Frio, ventania, chuva; calor há séculos que não conhecem, luz nunca dura o suficiente para lhes chegar, e não morreram, não sei de quê, não sei porquê . É um enigma - ou teimosia -, diriam alguns, que não sabem explicar não saber explicá-lo. 

domingo, 3 de janeiro de 2021

 


Vir para a varanda com este frio embrulhado num nevoeiro que desenha a contraluz os braços despidos das árvores, de corpo ainda quente da lareira, é estranho. Talvez estivesse a precisar do choque, dum choque, de acordar de algum sonho mau, de tão bom. Ou só de fugir de alguma coisa que o frio possa expulsar, a neblina ofuscar. Qualquer coisa, não sei. O silêncio duma respiração que se vê é mais vazio, talvez fosse isso que eu procurasse, ou o frio para adormecer os sentidos da pele, ou a cegueira desta luz esbatida, vertida no ar e quase palpável, como borrões de cor, parceira da nitidez que nunca tivemos no olhar. o silêncio corta-se com o acender do cigarro, enquanto os dedos se sentem ao centímetro... e eu que agora só queria não sentir.

sábado, 2 de janeiro de 2021


Gosto deste resumo de ano - em livros. Ando muito preguiçosa para passar algumas das passagens que leio, e onde me fico uns tempos, para aqui. Isso e também, ou estou mais exigente, ou este ano não foi dos mais rentáveis, digamos.
Este foi o 2020 em livros, sugestões para 2021? Para compor com aqueles que já estão na calha?

Já não tenho a certeza da ordem de alguns, mas não terá sido muito diferente da que vai formando a pilha da fotografia. Do primeiro, do Houellebecq (de que adorei a "Submissão") pouco ou nada tenho a dizer, não gostei, não me ficou, nem me prendeu. Pego-lhe, abro-o para ver as páginas dobradas no canto: três em todo o livro. É um indicador. Releio essas páginas, esta definitivamente é muito boa:

[Michel Houellebecq, in Extensão do domínio da luta]

"o amor como inocência e como capacidade de ilusão" - realmente nem todos temos a mesma capacidade de amar, de nos entregarmos sem pensar nem calcular, com a inocência e a pureza que se precisa, para se descobrir uma grande ilusão, que se calhar se adivinhava que se acreditava poder não ser assim...
O livro seguinte, que me lembro li num instante, gostei, a escrita é leve e corrida, a história mistura a doçura dum velho que se deliciava com romances de amor (de cordel, vá) a contrastar a brutalidade da humanidade com que vivia na selva.

Dos outros fui aqui publicando algumas coisas, não do Siddhartha, que sendo curto me custou mais ler, embora no fim tenha gostado, não seria livro que relesse (também é certo que não costumo reler, mas de alguns livros fico com essa vontade, doutros nem me passa pela cabeça tal). As mil e uma noites foi uma desilusão, ou eu talvez esperasse algo diferente. Percebe-se a importância que pode ter tido na história da literatura, mas disse-me quase nada. Matou-me a curiosidade e pronto. Da Odisseia gostei, e muito. Aquele curso online que deveria ter sido para me ocupar numa quarentena e num confinamento que nunca existiu para mim, teve essa vantagem de me dar um roteiro de obras que marcaram a humanidade e a literatura. Esse roteiro ainda não o terminei, está guardado. Não sobrevivi ao segundo volume do romance de Genji (ainda está por acabar, coisa que é raro fazer...gosto de acabar o que começo), e assim como quem não quer a coisa, fiz um desvio ao roteiro e perdi-me - propositadamente no mapa. 
Passei por Florença (cidade que adorei e a que sim, vou voltar, Itália é uma paixão só por si) na companhia dum autor que gosto muito, e gostei do que li, também uma escrita fácil e corrida, que se lê duma penada. Tem uma única página com o canto dobrado, e refere-se a toda essa página e a seguinte, mas se tiver de escolher uma parte:

"- Tenho de lhe dizer, Rowley.
-Porquê? - gritou ele, estupefacto.
- Não conseguiria casar com ele com esta coisa a pairar sobre mim. Estaria na minha consciência. Nunca teria um minuto de paz.
-A sua paz? E então a paz dele? Acha que ele lhe vai agradecer por lhe contar? Estou a dizer-lhe que está tudo bem. Agora nada a relacionará alguma vez com a morte daquele desgraçado.
- Tenho de ser honesta.
Ele franziu o sobrolho.
-Está a cometer um erro terrível. Conheço estes construtores do Império. A alma da integridade e tudo isso. O que é que eles percebem de indulgência? Eles próprios nunca tiveram necessidade disso. É loucura destruir a confiança que ele tem em si. Ele ama-a deveras. Pensa que você é perfeita.
- E o que é que isso vale se eu não sou?
(...)
- Se ele me ama o suficiente, compreenderá." 
[Somerset Maugham, in  Paixão em Florença]

E este trecho diz tudo, tudo o que tanta gente não entende. Há coisas com que algumas pessoas não conseguem conviver, fazer, enganar, manipular, o diabo a sete, não conseguem por muito que todos digam que é o melhor. Mas não, têm a ilusão de que se fizerem a coisa correcta, essa será a coisa certa para fazer. Não querer enganar os outros, por entender até que isso é magoá-los mesmo que não saibam, querer mostrar como e o que são, para que o outro não se arrependa depois. Para ter a certeza que são amados pelo que são, e não pelo que parecem ao outro. Pessoas que não manipulam, que se afastam e põem na mão dos outros voltar ou não, compreender ou não, "se amarem o suficiente"... mas nunca se ama o suficiente. Ou se ama ou não se ama, não há graus de suficiência. Isso também aprendi, mas não foi no livro. :) O diálogo com o dito cujo também é bom, o modo como se desenrola, e como ele apenas mantém a intenção de casamento para não sair beliscada a própria ideia que tem dele mesmo, não por amor a ela. Que não tem, obviamente (ainda que pensasse que sim). Gostei do livro e claro, do fim. Gostei do doido do Rowley desde que apareceu, tendências, pois.... ;)

Do Afonso Cruz - Flores -  também gostei, mas estava à espera de mais, para ser franca. O que me fez comprar o livro há já uns tempos largos foi o trecho da contracapa, "o beijo terá sempre de manter a densidade da primeiro, a história de uma vida, todos os pores-do-sol, todas as palavras murmuradas no escuro, toda a certeza do amor.". Terei de ler outro dele, este não me encantou por aí além.
Já o meu Lunário, lido no meu Alentejo. Lembro-me da noite em que o acabei de ler, no alpendre, com a lua por cima de mim e o silêncio à minha volta. Lembro-me de ficar a mastigar aquela sensação que as coisas do Al Berto me dão, de entrar noutro mundo, doutras realidades, doutras maneiras de sentir, de maneiras mais certas, mais intensas, mais onde me sinto realmente. Lembro-me bem dessa noite :)
Agora estou no terceiro do Quarteto. O primeiro foi uma sensação estranha, não me apaixonou e foi quase como uma pequena dor inflingida com retroactivos. Realmente chega a ser curioso como há pessoas que nos conseguem magoar até através do tempo e do espaço, ao percebermos como nunca nos conheceram, perceberam. Mas ao menos conseguimos, nem que levemente, perceber que nunca nos viram, realmente. Ou o que mais viram, ou procuraram... Não que não goste de ouvir que a intensidade da sensualidade, do ambiente em que o desejo quase se cheira, faz recordar-me, pensar-me, identificar-me, querer-me - gosto, gostei, mas não gostei da personagem, nem mesmo nessa parte. Não me identifico com aquela perspectiva de pele e sexualidade - como troca por algo, como meio dum fim qualquer, como fuga de alguma coisa, e de si mesmo. Não sou assim, nunca fui, até agora pelo menos. Estranho que não tenham percebido, menos estranho (agora) é perceber que era a isso que estavam habituados. Já do feitiço que me falavam, só encontrei o mistério que se associa a omissões e manipulações, e tantas vezes real falta de conteúdo, quase como aquelas criaturas que parece que não vão além dos títulos das notícias, que repetem. Da profundidade de alma só vi alguns traumas que se tornaram ferramentas. Sem sombra de dúvida, gostei mais do segundo - Balthazar - e estou a gostar do Mountolive. Pode ser que no fim de tudo desgoste menos da personagem, pode ser. A seguir já tenho uma série deles na calha, e estou com vontade acabar o Quarteto e mudar de agulha. 

E agora que parece que o sol quer aparecer e pôr-se na minha varanda, quentinho e luminoso, vou ver se o apanho enquanto bebo um café e me entretenho com o Mountolive.


 

sexta-feira, 1 de janeiro de 2021

Ihihihihih

 Conselho valioso para um ano que começa!!

Escusam de agradecer... ;)