[Manuel Bandeira, 50 poemas escolhidos]
Dei-me agora conta que não dei conta que aqui há dias fez dez anos do dia em que percebi que o meu casamento estava acabado sem eu saber. Até aí ponderava apenas se estaria a ruir, a afundar-se lentamente, a perder-me aos poucos. Mas não, nesse dia percebi que já me tinha perdido, ou esse dia não me teria ficado na memória. Separámo-nos oito meses depois, mas não acho que tenha sido um nascimento prematuro, ou uma morte. Talvez apenas o reconhecimento dessa morte tenha demorado demasiado, como tantas demoram se as negarmos e nos formos deixando morrer também. O que aconteceu naquele dia fez-me perceber: tinha chegado o ponto de dizer basta. Fui honesta e disse-o, tomei a decisão e separei-me. Também me lembro da data em que saiu de casa, há datas que me ficam gravadas, é normal, suponho. E recordá-las também. O que não achei normal foi só uns dias depois me aperceber que já tinha passado aquele dia - dez anos sobre esse dia. O dia em que me caiu a ficha, o dia que me obrigou a olhar para dentro e assumir o que via. Foi também o dia em que me roubaram os dez anos seguintes. E eu deixei. Por muito pouco não chegou aos 10 anos completos, para voltar a cair a ficha, outra. Das duas vezes disse basta, não quero mais isto, cada um à sua vida - frase que ouvi muitas vezes, e desta vez, não a tendo dito exactamente assim, senti-a. Talvez seja importante sermos nós a tomar a decisão, ser uma escolha nossa fechar a porta. Enquanto não foi, a porta esteve sempre aberta se voltassem, e nestes dez anos voltaram sempre, sempre, até que a fechei. Foi preciso ser eu a fechá-la. Nunca fui atrás de ninguém, mas de cada vez que voltaram não encontraram a porta fechada, mas os braços abertos de saudades. Até que não, já não. Chega, chegou. Esta ficha demorou mais a cair, é verdade. 10 anos é muito tempo, não me ter dado logo conta desse marco talvez seja um sinal de que o tempo perdido já se perdeu. Para mim. É bom sinal.
[os nomes talvez nunca cheguem a ser como os outros, talvez tragam sempre agarrados um sorriso, ou um esgar, não sei, o tempo sobre tudo o decidirá.]
:)) sabes, daí vem o nome de quem assina os textos deste blog (o anterior não tinha esse tom, ou não foi criado com esse tom, era diferente e eu gostava mais, muito mais), quando o comecei era o olvido que eu queria; agora acho que não é isso, temos de guardar as coisas em sítios onde não nos atrapalhem, onde não se metam sem aviso no meio das horas mortas ou vivas, não nos apareçam nas mãos quando precisamos delas para cumprir os dias, ou para fazer brotar novos afectos.
ResponderEliminarAcho que não é esquecer que devemos, mas arrumar onde não nos estrague, nem nos faça apodrecer, mas que nos lembre o que for preciso lembrar, o que se aprendeu de bom e de mau, acho.
Bom domingo, Kodak ;)
Uma partilha muito bonita Olvido, obrigada por ela.
ResponderEliminarObrigada, Somniare :) acho que conseguir escrevê-lo assim, com uma certas tranquilidade, e partilhá-lo aqui também é um bom sinal.
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