segunda-feira, 28 de maio de 2018


[foto de Flavio Franja, via @33thirdmedia]

Pego no último cigarro do dia para fumar, penso em fechar o portátil, não me apetece escrever, mas não fecho, venho para aqui. Não sei porquê, porque não me apetece escrever, mas talvez o ecrã branco me faça companhia numa conversa que não existe, mas de que às vezes preciso. Para dizer o quê? Não sei. Normalmente as letras vão-me guiando e caindo, sem eu dar conta, nos sítios que me faltam, como se soubessem o seu caminho e o meu dizer. Que quererei eu dizer? que tenho a miúda a dormir tranquilamente no sofá ao meu lado porque adormeceu há horas e resolvi esperar até eu mesma ir e fechar tudo? Que tenho aos pés um dos cães porque a outra - com a mania das independências que lhe assiste - já foi dormir para os seus aposentos quando a hora dela lhe chegou ao pêlo? Não sei, não sei o que quero, ou preciso, dizer. Fico por aqui, com as letras a dançarem-me nos dedos à musica dos meus pensamentos, como se, abraçada ao meu próprio corpo inteiro, me aninhasse num canto e me deixasse ficar, sozinha, a ouvir duas respirações que dormem e onde não me apetecem invasões, estranhos. Onde só deixo entrar esta solidão que se sente não sendo sentida, numa estranha mistura do que é e não é. Do que quero e não quero. Como um não que é um sim, e um sim que arrasta um não. Um meio caminho sem caminho, por onde me passeio alegremente numa tristeza ainda por entristecer, sem norte, como se não o precisasse. Estranha sensação esta, de tristeza por entristecer. Mas é essa a sensação, que não chega a ser triste, pelo contrário. 
Não é a frieza da solidão que me invade, porque não é vazio que sinto, nem é a noite, dentro do dia que já foi, que me impele, é só esta vontade não sei de quê, não sei de quem, não sei porquê. Talvez dum sentido que me assente e oriente, que eu navegue ou me navegue a mim, nem sei. É suposto nesta vida seguir-se um caminho ou é o caminho da vida que nos (per)segue? Será que a vida também vai encontrando, sem eu dar disso conta, o sítio onde cair? Como as palavras? Mas não onde me faltam, ou estas palavras não caíram aqui, provavelmente. E uma conversa existiria, mesmo que não fosse precisa.

6 comentários:

  1. Bom dia querida Vi!
    As vezes tem de ser passinho a passinho como quando éramos crianças e começámos a andar, lembras-te?
    O caminho faz-se caminhando como diz António Machado:
    "Caminante, son tus huellas
    el camino y nada más;
    caminante, no hay camino,
    se hace camino al andar.
    Al andar se hace el camino,
    y al volver la vista atrás
    se ve la senda que nunca
    se ha de volver a pisar.
    Caminante no hay camino
    sino estelas en la mar"(António Machado)

    Beijo :)

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    1. :)))
      ... mas seremos nós, andando, que fazemos o caminho, ou é o caminho que nos faz passos? Às vezes já não sei qual o nexo de causalidade... e foi uma das coisas que me pus a pensar.
      Beijo, Nanda :)

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  2. Creio que somos nós. A cada escolha e decisão que fazemos (ou que não fazemos). Deixamos pegadas, marcámos de alguma forma os outros e tudo o que nos rodeia.E neste tocar somos obviamente também tocados. Parecemos estar todos interligados numa rede infinita de caminhos.
    Fiquei a pensar que gostava de ouvir o som dos teus pensamentos... Porque tu, menina, tocas-me com as palavras que vais tecendo


    Beijo, Vi :)

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    1. :)) o som dos meus pensamentos não sei como será, mas muitas vezes deve ser do mais desafinado que há, tenho de lutar muito para conseguir entender-me com eles, para afiná-los o suficiente ;)
      E sim, tens razão, cada decisão que tomamos deixa pegadas, traça caminhos, fecha outros, mas as próprias decisões que tomamos também dependem do caminho onde pisamos... daí a pergunta, é o caminho que nos faz os passos, ou são os passos que fazem o caminho? As tuas decisões não são já limitadas pelo sítio onde segues? Não é já o caminho que está a traçar o teu caminho e não tu? Até que ponto o teu futuro está nas mãos das tuas decisões? não sei, não sei nada, cada vez sei menos...
      (só mais um pensamento para ti... a decisão que não fazemos é já uma decisão, é decidir não mudar nada pelas tuas mãos, deixar como está, entregar ao tempo. não agir, não optar, é também uma decisão)

      Beijo, Nanda

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  3. Sim, tens toda a razão, qualquer acção opção ou decisão minha é limitada por tanto!... É tema muito complexo,e super interessante. Deu-me que pensar, e o resultado? andei as voltas e voltas para não ver mais além...falta-me luz.

    ("só mais um pensamento para ti" Nunca ninguém me tinha dado um pensamento assim :)
    Obrigada pelas tuas palavras, pela possibilidade de poder aprender contigo.)
    Beijo, Vi

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    1. todos podemos aprender com quem nos cruzamos, quando ouvimos, lemos, ou nos dizem coisas que nos fazem pensar, pensamentos para nós (quer sejam textualmente e literalmente ditos para nós, que não ;) )
      e esse tema foi um tema que conversei muito com uma pessoa, que depois me disse muitas vezes que isso tinha aprendido comigo, que não decidir, não fazer nada, é também uma decisão, por muito que às vezes não se queira admitir.

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