domingo, 30 de maio de 2021

 

[in A louca da casa, Rosa Montero]

Talvez o envelhecimento também chegue às leituras, talvez. A capacidade de acreditar noutros mundos, outras irrealidades, sonhos fabricados por medida e desilusões à la carte espalhadas em histórias alheias que fazemos nossas com cada vez mais dificuldade. Grandes amores em que deixamos de acreditar ou queremos acreditar que só cabem em livros e na imaginação de alguém. Talvez porque chegue a hora de acomodar a realidade e chamar à gravidade os sonhos como o corpo obedientemente ao tempo. Torna-se a leitura um utilitário, uma ferramenta do dia a dia para compreender a realidade do mundo, e não mais. Sim, talvez seja isso, deixar crescer a criança que sonha dentro de nós, decrescendo a capacidade de acreditar em algo mais que o quotidiano. Leio isto e dou comigo a pensar que percebo agora se outra forma por que há alturas em que os livros me puxam menos. O mundo real pesa tanto por vezes que esquecemos o nosso mundo, aquele onde certas irrealidades fazem a nossa realidade por momentos.

2 comentários:

  1. "O mundo real pesa tanto por vezes que esquecemos o nosso mundo, aquele onde certas irrealidades fazem a nossa realidade por momentos."

    Mais do que nunca, a nossa maturidade serve como um "filtro"...para a nossa realidade;)

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    1. Se esse filtro me impedir de sonhar, de acreditar que há coisas não úteis por que vale a pena lutar... não quero. Acho que a maturidade será talvez o que nos ensina a escolher dos sonhos quais valem a pena arriscar desilusões e esforços, e quais não têm chão, que nunca passarão de quimeras infantis. Que nos ensine o que é essencial ainda que não utilitário, e que nos impeça de nos tornarmos uns autómatos, seres mecânicos e meramente funcionais. Seres que já não acreditam em coisas maiores e melhores como o amor, a amizade, a lealdade, a honestidade, tudo coisas inúteis e sem razão subjacente. Acho que essa maturidade filtra bem a realidade, e continua a “perder tempo” a ler romances e poesia, ainda não desistiu e sucumbiu aos textos técnicos, ferramentas do quotidiano, onde tão pouco se vive realmente do essencial...
      bom dia, Legionário:)

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