terça-feira, 25 de maio de 2021

 
[imagem @marinaadiim]

Estava morta, mas não estava. Falava com alguém, mas estava sozinha. Queria chamar alguém, mas o telefone sumira. Tinha guinado de repente, para evitar alguma coisa, por alguma razão, e perdeu a direcção. Deu cambalhotas até um poste a amparar. Estava morta, mas não estava. Não podia estar, senão isso mataria alguém de desgosto, e não podia, não podia fazer isso, tão pouca vida já lhe resta não pode roubar assim o que falta. Doía-lhe tudo, mas não sentia nada. Não podia morrer, mas também não podia ficar estropiada, senão desgraçava ainda mais o peso da vida de alguém, e não podia, não podia fazer isso, ele não merecia. Queria chamar alguém, mas o telefone sumira, as palavras não chegavam a lado nenhum. Falava com alguém, mas estava sozinha. Alguma vez não esteve? Não sabe. Não sabe nada, não sabe porque guinou de repente, ou porque chovera naquela manhã, mais uma, ou porque o poste a amparou, ou onde está o telefone. Só sabe que não pode morrer, nem ficar estropiada porque os outros não aguentam, e então ela não pode deixar. Não sabe como, mas não pode deixar. E chamar quem e como? Ajuda de quem? Fala com alguém mas está sozinha. E o dia todo com esta sensação, como quem passeia pela trela uma nuvem negra. Assim, desde acordei desta cena. Fui e vim, qual io-io que se livrou das cambalhotas. E hoje as palavras saíram, mas continuo a falar sozinha como se falasse com alguém, sem perceber o que me assustou ou por que os outros importam sempre mais que eu. Até nos sonhos.

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