sábado, 11 de abril de 2020

Algumas luzes por trás das janelas, o silêncio medido a conversas que escapam, a espaços, dos vizinhos. Uns passos apressados que os olhos não alcançam, um miar compassado que se esconde. O ritual de fechar o dia e encerrar em mim a noite. O cigarro aceso, calado no tempo que o consome. A vontade de desfazer o que não chegou a ser feito. Conversas que não tive, passeios que não dei, abraços que não se fecharam em quem deviam. Balanço-me no que sou e no que devia ter sido, no que devia ser, também. Talvez tenha sido a conversa inesperada de mais de meia hora, que tive há pouco, com quem pouco falei na vida, desde pequena. Penso naqueles com quem também devia ter falado mais, e que me faltam, e que lembro muitas vezes para dentro. Penso na injustiça da paciência que tantas vezes me falta para quem eu não devia faltar com nada. E maldigo esta ironia de, para protegermos quem gostamos, e não suportaríamos perder, os deixarmos tão entregues à solidão e ao tempo que não passa, e que a cada instante não deixa de contar prazo. Todos temos um, e o tempo de estarmos todos a decrescer,  e gastamo-lo, assim, numa conta de deve e haver, dum risco que não deveria haver assim.

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