sexta-feira, 3 de abril de 2020

[Adília Lopes]

Como se não houvesse nada a dizer, as palavras fogem-me. Escoam-se por entre os dedos, como a luz que cai pelos ombros do horizonte. Talvez haja palavras a mais no mundo, ou talvez tenha feito por esgotar as minhas. Como se não lhes dando corpo elas não (sobre)vivam, ainda que existam. As palavras que ficam por dizer não são silêncio, são silêncios interiores adiados, afiados pelo tempo. Tempo que agora sobra, de resto nenhum. 
Acontece-me muitas vezes partilhar palavras por dizer com cigarros que não ficam por fumar, à noite, na minha varanda, onde o tempo parece parar e o mundo seguir. Mas se não as escrevo, são só pensamentos, coisas que fogem ou de que fugimos, indo tantas vezes ao seu encontro. Como encontros que mais não são que desencontros no tempo absoluto para todos, e diferente em cada um.
Acontece-me sentir que o cansaço me chegou às palavras, como um esqueleto amolecido de diálogos impossíveis, de mim para mim. Ou só negados. Como se isso não fosse a sua própria, mais violenta, afirmação.
Acontecem-me dias em que, na minha varanda, a tarde é só uma noite desencontrada do tempo do mundo. 

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