terça-feira, 3 de abril de 2018

[foto @moniblanco]

A fumar o último cigarro...a tentar não pensar em nada, só tentar que o tempo passe sem fazer muito barulho dentro. O dia passou-se bem, só agora me chegou a noite. Amanhã vai-me custar horrores levantar, já sei, mas de nada vale ficar debaixo de cobertores que não me acobertam do dia nem me aquecem do futuro frio. Pergunto-me por quê tanta complicação se tudo é tão simples e claro, ou sim, talvez por isso. Se calhar demasiada clareza turva. Realmente o que é óbvio às vezes custa tanto ver que não se vê, turva-se, curva-se e despista-se no caminho. Estatela-se quem não vê e vai morrendo devagar quem vê. Quem já viu. Eu já morri devagar e já me estatelei também, e no entanto, ando, caminho direita, por vezes liquefeita por trás da pele. Que não se note, que a voz não trema, que o passo seja seguro, que a certeza esteja amarrada num nó cego, que não vejo, mas sei. Não há melhor saber que sentir.
Nada mudou, não há novidades aqui, a sentença é conhecida há muito, há que cumprir o caminho, mais nada. Tenho as mãos vazias de vontades, as unhas já não esgravatam porquês, os braços já nao se estendem para agarrar a brisa que a pele ainda cheira, o olhar adormeceu brilhos antigos, os pés ganharam raízes e já não desesperam, não tenho de andar, o caminho, como que já feito debaixo de mim, come-me inteira devagar, e eu não mudo nada. Deixo-me, nem me mexo. Estou só de pé, à espera do dia que me há-de calar o tempo, mais nada. Até lá respiro, sorrio futuros passados e invento voos que não sabem rastejar - fumo um cigarro antes de dormir.

2 comentários:

  1. Já tentei esticar o dia e afastar os cobertores durante muito tempo. Dizia ao sono para desaparecer e acordava com olheiras até ao chão e cansada.
    Tenho feito um esforço enorme e quem me conhece sabe disso para dormir mais horas. Aliás, quando me sento finalmente no sofá ou quando deito a cabeça na almofada sinto o coração a bater a mil, como se fosse uma luta entre o corpo e a mente.
    Descobri que dormir mais tem os seus benefícios, sobretudo para a minha cabeça :)
    Tenho dificuldades em comentar o resto do teu texto porque podia ter escrito a mesma coisa. Sei a sentença e o caminho a cumprir. Sei o piloto automático dos dias que passam.
    Mas sabes o que me tem feito bem? Fugir das redes sociais. Fugir de pessoas tóxicas. Fugir dos outros para me encontrar.
    Um beijo Olvido :)

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    1. Sabes, JI, há textos que de tão sentidos quando nos saem, não os deixamos logo respirar olhares alheios. Este, como outros, curiosamente normalmente neste ritual de despedida do dia, não foi de ontem. Esta fase já a passei, é quase de outras vidas, ainda que tenha recaídas, muitas, e ainda que essa vida ainda se meta na minha vida e a viva... mas acho que sim, aprendi a resguardar-me, a guardar uma distância de segurança, de pessoas que talvez façam mais mal que bem, por muito que o bem que nos fazem sentir nos inebrie.
      E sim, das redes sociais também já me cansei, servem para saber o que se vai falando pelas ruas, das baboseiras que se dizem acerca das noticias que se vão ouvindo, para ir trocando umas linhas de parvoíces com algumas pessoas que não vemos frequentemente. A única (que não sei se será bem uma rede social, mas é uma plataforma também, no fundo) de que não fujo é desta, este meu tasco que costumo chamar de muro das lamentações, que serve para as deixar e assim me livrar delas ;) e para brincar às vezes e para o que me apetecer, pronto :P
      Beijo, JI

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