quarta-feira, 23 de agosto de 2017


[ foto @tarasovm]

Já não me lembro da última vez que almocei sozinha, e faz-me falta o tempo sozinha. O tempo de ter longas conversas comigo, com as minhas palavras. Tenho-me agora demasiado sem palavras, sinto-me falta nisso, disso, e fico pior quando leio coisas antigas, onde parecia que as palavras me encontravam, me diziam exactamente na correcta e desmedida medida em que não me sei conter, como uma veia da alma que me alimentava e, ao mesmo tempo, me purgava . Agora é como se não achasse a ponta do novelo, como se ele me fugisse a cada tentativa, como se as palavras me escorressem do olhar sem as ver, e com isso o novelo se intrincasse cada vez mais. Cada vez mais em dias cada vez mais planos e lisos.
Ponho-me a pensar no que tenho a fazer, no lado pragmático da vida, nos afazeres das mãos que prendem a cabeça, e parece que isso me leva sempre à encosta sombria da vida, onde a vida é mais escassa, ainda que a frescura da sombra se possa desfrutar melhor, falta-lhe muita coisa. Falto-me demais e gosto-me menos assim.
Hoje há empresa, e depois supermercado e depois casa e varanda. Ontem adormeci na varanda, pela brisa da noite com o dia cansado esgotado no corpo. Acordei, despi-me e assim me enfiei nos lençóis, só eu e o calor que o corpo tranca sem deixar que outras mãos o respirem, o transpirem. A pele nua, só vestida de mim, de alma desabrigada em solidão. Este corpo que sinto cada vez mais meu, cada vez mais eu. 
Onde ando eu que me perdi de mim onde agora me acho mais eu?

7 comentários:

  1. "Onde ando eu que me perdi de mim onde agora me acho mais eu?"
    Pois é...a Vi encontrou-se ou desencontrou-se?

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  2. Encontrei-me numas e desencontrei-me noutras... esquisito, né?
    ...faltarem-me as palavras, o dizer-me escrevendo, por exemplo, é sintoma de andar desencontrada de mim, mas acho que nunca me senti mais eu, nesta pele com que nasci, como agora... olha maluquices que não se explicam, se calhar.

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  3. A vida é a arte do encontro, embora haja tanto desencontro pela vida;)

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  4. Adoro almoçar sozinha :)
    Já jantar e deitar, nem por isso! Salvé os dias que nos apartam da solidão da ausência de brindes e dos lençóis sem outra fonte de calor humano ;)

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  5. Legionário,
    Bem verdade. Muito desencontro, demasiado. Faz do encontro a consciência de tudo se resumir, tantas vezes, a um mero acaso definitivo :)

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  6. almoço muitas vezes. faço muita coisa, muitas vezes, sozinha.
    preciso muito de mim.

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  7. Laura,
    Também eu, às vezes faz-me mesmo falta estar só comigo, e já não estou habituada a estar muito tempo sem ter estes bocados para mim...

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