Este ano seria outra capicua, ele 81, ela 18 no dia seguinte. A prenda dele, como dizia, um dia atrasada. Quando fez 70 ela fez 7, e foi uma festa. Não uma festa para outros, não foi um ajuntamento de convites e gente, foi uma festa para ele, estava feliz. Desta vez estaria de certeza também muito feliz, se cá estivesse. Fizemos só uma festa para nós, um jantar com todos. Há quem me chame muito moderna, eu não me acho nada moderna, mas sempre tentei ser justa e dar, e assegurar, à minha filha tudo o que acho que é direito dela. Isso sempre incluiu estar com os avós de ambos os lados igualmente, com o pai sempre que quisesse, e agora com o irmão e a mãe do irmão. E estavam todos, estávamos todos. A minha mãe ao meu lado, num dia bom, e o tio atrasado mas lá, como sempre. A modos que foi uma mesa composta, e quem faltava também estava lá, na memória, na presença das expressões que usava, no coração cheio da neta que à hora de almoço, nesse dia, me manda uma mensagem a falar do avô. Porque estava a pensar nele e para que eu sentisse que ela estava a pensar nele. Os gestos por trás das palavras. Coisas dele, tão dele.
Às vezes, por estranho que seja, é surpreendente como algumas pessoas nos fazem falta. Muito mais falta, ausência, vazio, do que pensávamos que iríamos sentir. Talvez porque há pessoas que nos marcam de formas que não nos apercebemos até que não estão à distância dum telefonema, dum "vamos tomar um café", dum abraço, ou só dum olhar que nos acolhe como se nos abraçasse. O meu pai era uma pessoa infinitamente meiga ao mesmo tempo que distante. Íamos descobrir a ternura nos gestos, nas atitudes, no olhar, na aflição por nós. E agora encontro-o nos meus gestos, em muita da minha distância, em todos os meus princípios, e sempre a teimar na minha teimosia de quem acha que tem razão. Pergunto-me se apesar de estar todos os dias com a minha filha ficarei nela desta maneira, e se ela escolherá o melhor de mim para guardar. Sei que já sou mãe de uma adulta, mas que tem muito que crescer ainda, em vida, vivência, maturidade. Mas vi que estava feliz, vi que tem muita gente que genuinamente gosta dela e se preocupa com ela. Acabámos com dois bolos em cima da mesa, porque às vezes a mãe é despassarada e sem tempo, e podia não ter tratado do assunto, então para que ela não passasse os 18 sem soprar as velas no dia certo, trouxeram um bolo. Mas não fizeram alarido, e não iam dizer nada até que ouvi qualquer coisa dita ao empregado de mesa, para trazer aquele que eu tinha levado. Talvez com receio de eu não achar piada que alguém tivesse tratado disso que não a mãe, ou seja eu... mas não vi isso assim, achei bonita a preocupação com ela, o assegurar que ela não passaria sem cantar os parabéns e distribuir bolo. Pedi para trazerem os dois e dos dois se comeu. E os sobraram também :) Não sou moderna, não fiquei melindrada por a mãe do irmão pensar nela, fiquei agradecida. E aliviada, se algum dia algo me acontecer ela tem muita gente que gosta dela, que fará com que nunca lhe falte um bolo com velas para apagar. Espero que nesse dia ela se lembre, e sinta, como eu gosto dela, desta maneira moderna a que às vezes faltam palavras, evidências e declarações, mas em que a essência é essa coisa do amor que não se explica. E ainda bem.
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