Não te rendas, ainda estás a tempoDe alcançar e começar de novo,
Aceitar as tuas sombras,
Enterrar os teus medos,
Libertar o lastro,
Retomar o voo.
Não te rendas que a vida é isso,
Continuar a viagem
Perseguir os teus sonhos,
Destravar o tempo,
Remover os escombros,
e destapar o céu.
[...]
Não te rendas, por favor não cedas,
Mesmo que o frio queime,
Mesmo que o medo morda,
Mesmo que o sol se ponha e se cale o vento,
Ainda há fogo na tua alma,
Ainda há vida nos teus sonhos
Porque cada dia é um começo novo,
Porque esta é a hora e o melhor momento.
Porque não estás só, porque eu te amo.
Mario Benedetti, traduzido por Inês Pedrosa
É um dos autores que gosto muito, passei por este poema e achei-o perfeito para ontem, ou para hoje, porque não? Costumo sempre escrever no último dia do ano, e deixar aqui meia dúzia de pensamentos, ou desejos, ou sentires, ontem não me apeteceu. Não, não foi bem não me apetecer, foi ir adiando porque havia isto e aquilo, e sempre o isto e aquilo me pareceram mais importantes, ou me apeteceram mais (sim, talvez) do que vir aqui escrever. E a questão é que fiquei a pensar nisso. Por várias razões. Uma é que reconheci a sensação que tantas vezes me relataram "ahh não deu, pensei nisso, lembrei-me, mas adiei, e fui adiando, adiando, até que depois não fiz, não deu, desculpe"... não qualquer coisa, basicamente. E eu reconheci o estado de espirito, a desculpa, o até querer, até pensar, mas não ser prioritário. Reconheci como um sussurro do fundo da alma que não sabe se se quer fazer ouvir, ou não; mas ouvi-o e aqui o reconheço e lhe dou voz. Para quê calá-lo se o ouvi?... A outra razão, é porque parece-me que não há mais como negar que algo mudou em mim, não sei o quê, nem como, nem para o quê, mas mudou. Continuo a gostar de escrever e a fazê-lo, mas menos, preciso-o menos. Penso nisso enquanto vejo o último por-do-sol do ano na minha varanda e olho para memórias no telemóvel. E vêm-me à boca palavras, não sei de onde, que me dizem que dantes o que escrevia eram pontes entre mim e alguém, agora o que escrevo é só uma janela de mim, ou para mim. Uma varanda onde precisa, de tempos a tempos, de dar o sol, de respirar a brisa, de sentir a poesia das coisas, de ser.
Dantes era supersticiosa com a passagem de ano (penso que já aqui o disse, que é das poucas coisas com que o era) agora não, mais uma vez me dei conta que não pedi desejo algum, que não me lembrei disso, que não precisei, não quis, ou talvez já não acredite em desejos, ou em pedi-los, sei lá. Mas uma coisa vos digo, não sou optimista - nunca fui - e não é das características com que mais simpatize, mas algum optimista inteligente teve esta ideia sublime de dividir o tempo em fatias iguais para parecer que hoje é novo, que hoje se estreia um tempo novo, um ano novo cheio de possibilidades e oportunidades e boas intenções. De esperança. A questão é que dividir o tempo não é alterá-lo, não é fazer hoje melhor que ontem, nem amanhã uma folha em branco e agora uma folha onde não podes escrever. Não, o tempo é igual, é o mesmo e sempre diferente, conforme o que fazemos dele - o que fazemos com ele. A fatia pode ser do mesmo bolo (não vale a pena pensar que a próxima fatia é de um bolo diferente), mas nada nos impede de uma vez lhe acrescentar chantilly, na outra uma bola de gelado de amendoim (adoro!!), outra vez qualquer a fruta preferida em pedaços, noutra uma compota que nos derrete, depois talvez iogurte, finalmente queremos variar e comemos a fatia simples... é assim com tudo na vida, nós é que fazemos a diferença :)
Também dou por mim a pensar que hoje em dia dizemos sempre que não temos tempo, que o tempo é precioso, mas que voa e não nos damos conta, nem o aproveitamos - que não há tempo. Basicamente, que não há tempo para o que queremos. Eu que o diga, porque também o sinto... mas pensando bem, na verdade, tempo é a única coisa que temos, desde que nascemos. Nascemos, e a única coisa que temos é tempo, e isso continua o resto da vida, sendo que o tempo que ainda temos é cada vez menor. E sabemo-lo cada vez melhor.
Tempo é a única coisa que temos, o que somos é o que fazemos com ele e com quem escolhemos partilhá-lo. Somos as escolhas que fazemos no tempo que nos deram desde que começámos a respirar. É a única coisa que nos é dada com a vida, ou é a vida em si mesma, e ainda assim alguns têm de lutar para que possam ter um pouco mais de tempo, para esticar o seu tempo, para viver um pouco mais, esgravatar a vida para ganhar mais tempo de vida. Sim, também há isso, e é duro. Tão duro.
Lembrem-se: a única coisa que temos, é tempo.
O que somos é o que fazemos dele, e com quem escolhemos fazê-lo.
Em Janeiro, ou em Dezembro.
Hoje, ou amanhã, ontem é arquivo.
Não te rendas, ainda estás a tempo.